Nem sempre nos damos conta, mas as palavras são extremamente poderosas. Elas são não apenas aquilo que nos permite pensar, como também definem nossa forma de ser, de existir.
Aristóteles definia o ser humano como um “animal dotado de palavra”. Já João, autor do quarto Evangelho, afirma em seu primeiro versículo: “No princípio era o Verbo”, a Palavra.
É preciso, portanto, sermos cuidadosos com o uso que fazemos das palavras, pois, caso sejamos levianos em seu emprego, corremos o risco de traí-las. E, ao traí-las, estamos traindo não só os outros, mas nós mesmos.
Uma das formas mais comuns de trairmos as palavras (e, portanto, nós mesmos) é permitindo e contribuindo – ainda que inconscientemente – para a sua banalização. Um exemplo emblemático dessa banalização é o uso que damos atualmente à palavra amor.
Nascida para expressar uma atitude caracterizada pelo comprometimento radical com o bem do próximo, amor – que, segundo Dostoiévski, “é toda uma ciência e uma arte” -, passou, com o tempo, a significar coisas tão diversas e divergentes do seu sentido original que acabou perdendo potência, tornando-se uma palavra banal e por vezes traiçoeira.
Fenômeno semelhante ocorre com palavras hoje muito utilizadas no universo corporativo, como propósito, autoconhecimento e autorrealização. Vocábulos associados a princípio à dimensão mais profunda da existência humana, estes termos, ao serem apropriados pelo jargão de uma psicologia meramente instrumental e tecnicista, acabaram não só sendo banalizados como também (e justamente por isso) perdendo seu potencial humanizador e libertador.
No atual contexto, ter um propósito, buscar o autoconhecimento e autorrealizar-se passou a significar simplesmente “reposicionar-se” no âmbito do mercado e da vida profissional, como se a identificação com uma marca, um produto e um modelo de negócios fosse suficiente para garantir o sentido da nossa existência.
Dentro de uma perspectiva autenticamente humanizada, líderes e gestores devem perceber que o processo de autoconhecimento, despertador do sentido de propósito e autorrealização, antecede e transcende a inserção do indivíduo no âmbito corporativo e profissional, e que a instrumentalização de tais valores para fins estritamente utilitários, se, num primeiro momento, pode trazer vantagens imediatas, no médio e longo prazo acaba mostrando-se desastrosa.
O engajamento e comprometimento com a humanização, por meio de conteúdos e propostas existenciais, não pode ser banalmente instrumentalizado, pois o malogro nesse território não apenas é rapidamente percebido, como também provoca um efeito deletério para o colaborador e a organização.
Abrir mão do “instrumentalismo existencial” no âmbito da gestão com pessoas é um passo importantíssimo na construção de uma proposta de humanização nas empresas.
Se quisermos ajudar nossos colaboradores no caminho do autoconhecimento e da autorrealização, devemos propiciar uma autêntica experiência de mergulho nas instâncias profundas do ser. E isso não pode ser feito com recursos técnicos de treinamento comportamental e reprogramação neurolinguística, mas apenas e somente com uma autêntica experiência estética e reflexiva, que só as artes e as humanidades podem proporcionar.
Investir na pessoa antes de instrumentalizar o profissional, resgatando o sentido original das palavras: eis a autêntica humanização.