Não há qualquer dispositivo tecnológico no mundo capaz de, em curto prazo, gerar transformação digital e impulsionar a produtividade em larga escala como o 5G, mais rápido e com maior capacidade de transmissão de dados. Uma verdadeira mina de ouro. Ou melhor, de dólares. Estudo realizado pela Nokia, empresa finlandesa de telecomunicações e tecnologia, e da consultoria e pesquisa Omdia, revela que a expectativa de impacto da quinta geração de internet no País é de US$ 1,2 trilhão no período de 2021 até 2035. Esse volume de dinheiro é capaz de adicionar um ponto percentual por ano ao PIB brasileiro, tornando-se um dos motores da economia nos próximos anos e a alavanca para a retomada do crescimento no pós-pandemia. Mas há uma pedra no meio desse caminho. Os Estados Unidos e a China pressionam o governo federal. De um lado, os americanos querem os chineses fora do leilão que deve ocorrer em 2021. Do outro, o gigante asiático faz questão de estar na briga por observar um negócio rentável. A Presidência da República, atrapalhada nas relações exteriores – comerciais e diplomáticas – e sem plano estratégico de desenvolvimento, vai direcionar para onde essa estrada tecnológica vai abarcar. A demora e a bagunça podem custar caro. “Investimentos podem ser levados para outros países. Quanto mais postergar, mais seremos impactados negativamente”, disse Wilson Cardoso, diretor de Soluções da Nokia para a América Latina, durante apresentação do levantamento. “O mundo não vai esperar o Brasil resolver os seus problemas. O 5G já está se disseminando em outras verticais. É importante ter uma interlocução com a economia e o Parlamento, capitaneada pelo setor”, afirmou Ari Lopes, analista sênior da Omdia.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) finalizou em abril a consulta pública sobre o edital de licitação das frequências, chamado de ‘Leilão do 5G’, que deve ser efetivado no segundo trimestre de 2021 – após adiamento no início deste ano por conta da pandemia. As empresas vencedoras devem assumir compromissos associados a todas as faixas, propostos com o objetivo de aumentar a infraestrutura de banda larga fixa e o acesso aos serviços móveis em estradas e pequenas localidades, áreas de menor interesse comercial, conforme delineado pelo Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT). Antes de tudo isso ser resolvido, o governo brasileiro tem de definir as bases do leilão. A Casa Branca está nessa guerra política e comercial contra a China, que tem na empresa Huawei a principal possibilidade de expandir seus negócios no Brasil. E ameaça retirar investimentos se os asiáticos continuarem na disputa. Para a gestão Donald Trump, ela representa uma ameaça à segurança nacional das nações que vierem a adotá-la. Há desconfiança de espionagem digital. Até agora, a empresa chinesa conduziu os testes do 5G com sucesso com as principais operadoras do País (TIM, Vivo, Claro e OI). A companhia está presente em território tupiniquim há 22 anos, desde a implementação do 2G. E foi a primeira a instalar a rede 4.5G por aqui. Opera atualmente em quatro grupos de negócios no Brasil: redes de operadoras; redes corporativas; nuvem e inteligência artificial; e consumo. Segundo a Huawei, a área de redes de operadoras está presente na vida de dois terços da população brasileira e suporta mais de 600 clientes, de empresas a governos. Com esse arcabouço, seria difícil deixá-la fora do páreo. Um dilema para o Palácio do Planalto, que venera os Estados Unidos. “O que nos parece certo é que, não importa quem vença essa guerra, o Brasil sairá dela derrotado”, disse Vivaldo José Breternitz, professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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“Investimentos podem ser levados para outros países. quanto mais postergar, mais seremos impactados negativamente” Wilson Cardoso, Diretor de soluções da Nokia.

Enquanto a situação é discutida nos gabinetes palacianos, as operadoras de telefonia celular fazem testes com o 5G. A Claro já trabalha com a nova rede de forma comercial, no modelo DSS (na tradução, Compartilhamento Dinâmico de Espectro), que permite ampliar a faixa atual do 4G ao adicionar capacidade com novas frequências. Não são, portanto, faixas inéditas da quinta geração, por isso não dependem do leilão. Mas os resultados de velocidade e banda são notórios. A Vivo trabalha no mesmo sistema em oito cidades do Brasil. Uma delas é São Paulo, onde a frequência funciona nas regiões da Avenida Paulista, na Vila Olímpia e no Itaim Bibi. Para acessar, é preciso um aparelho compatível com a tecnologia. A TIM pretende lançar em breve suas primeiras redes. A Oi tem feito experiências pontuais e ainda não ativou o recurso comercialmente.

REVOLUÇÃO O 5G será uma estrada limpa, bem sinalizada e asfaltada, em que os dados poderão transitar em altíssima velocidade e com baixa latência. Especialistas afirmam que, em comparação com a rede 4G, em que a conexão média é de 33Mbps, a quinta geração é de 50 a 100 vezes mais veloz. É o mesmo que uma via com limite de 50 km/h passar a permitir o tráfego de carros a 2.500 km/h a 5.000 km/h. A quantidade de equipamentos ativos que circulam pela rede também será bem maior. O atual sistema comporta até 2.000 equipamentos ativos por quilômetro quadrado enquanto a rede 5G pode absorver 50 vezes mais, o que resulta em até 100 mil dispositivos no mesmo espaço. Com melhor desempenho, o 5G proporcionará maior consumo de serviços (transferência de arquivos, e comunicação em tempo real, por exemplo), com mais agilidade.

Uma verdadeira revolução na forma de comunicação dos dados. Vai acelerar as principais transformações que estão acontecendo como IoT, big data, analytics, entre outras. Vai possibilitar a conexão não só entre computadores, tablets e celulares, como também entre outros equipamentos, como carros, eletrodomésticos, drones e máquinas.

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“O mundo não vai esperar o brasil resolver seus problemas. É importante ter interlocuçÃo com a economia e com o parlamento” Ari Lopes, analista sênior da Omdia.

Esses benefícios vão gerar mais e melhores negócios, prevê o estudo da Nokia e da Omdia. No Brasil, os setores mais positivamente impactados nos próximos 15 anos serão Tecnologia, Informação e Comunicação (US$ 241 bilhões), Governo (US$ 189 bilhões), Manufatura (US$ 181 bilhões), Serviços (US$ 152 bilhões), Varejo (US$ 88 bilhões), Agricultura (US$ 77 bilhões) e Mineração (US$ 48,6 bilhões).

Na América Latina, o valor econômico potencial do 5G é estimado em até US$ 3,3 trilhões até 2035. Os setores em destaque são TIC (US$ 572 bilhões), Manufatura (US$ 534 bilhões), Serviços (US$ 468 bilhões), Governo (US$ 323 bilhões), Varejo (US$ 262 bilhões) e Agricultura (US$ 212 bilhões). A projeção indica que nova faixa de internet contribuirá para a economia global com um impacto médio de 5% até 2035.

INFRAESTRUTURA Para esses números serem efetivados, serão necessários altos investimentos em infraestrutura. Segundo a consultoria Gartner, a previsão sobre os gastos globais das operadoras em redes móveis em 2020 será de US$ 38,1 bilhões, valor 4,4% menor do que o aplicado em 2019. Já o volume dos aportes em redes 5G deve praticamente dobrar, ao alcançar US$ 8,1 bilhões.

No Brasil, o desafio da implementação de infraestrutura tecnológica adequada é fator preponderante para o sucesso do 5G. “Não temos infraestrutura suficiente para receber uma rede que se baseia em uma imensa velocidade de dados”, afirmou Ravi Gama, filiado do Lide Futuro e fundador da 2Find, especializada em gestão e inovação de processos.

DESAFIO Preparar a infraestrutura para o tráfego de dados na estrada 5G em computadores, tablets, celulares e outros objetos, pela Internet das Coisas, é fundamental para o sucesso da rede. (Crédito:Istock)

De acordo com Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel), a transição de frequên-cia vai exigir um aumento expressivo do número de antenas em todo o País. A estimativa é de que a quinta geração necessite de três a quatro vezes mais antenas em relação à conexão 4G. Calcula-se que, para um bom padrão de qualidade, sejam necessários entre 1.500 e 2.000 usuários por Estações Transmissoras de Radiocomunicação (ETR) ou Estações Rádio Base (ERBs). No Brasil, a proporção média atual é de 2.300. Na cidade de São Paulo, essa relação é de 3.300 usuários por estação. Nos últimos dois anos, as operadoras e as empresas de infraestrutura protocolaram 1,8 mil pedidos de novas torres em São Paulo, segundo a Abrintel. Apenas 90 foram liberados. Para solucionar o problema no principal centro financeiro do País, a revisão da chamada Lei das Antenas torna-se urgente. A legislação não diferencia uma torre de 30 metros (rooftops) de uma antena de 40 centímetros postes (street levels). “A lei é ultrapassada e restritiva. É a principal barreira para a cidade se tornar um exemplo de conectividade”, disse Luciano Stutz, presidente da Abrintel. A mudança na lei está parada na Câmara de Vereadores paulistana há quatro anos.

US$ 1,2trilhão é a expectativa de impacto no PIB no período de 2021 até 2035

Será um longo processo a ser vencido. Por isso, o 4G ainda será a frequência mais usada pelo brasileiro nos próximos anos. “Começaremos a utilizar 5G em escala muito pequena em 2021”, disse o professor Vivaldo José Breternitz, da universidade Mackenzie.