O fracasso na entrega da ajuda humanitária, de alimentos e remédios, às vítimas do regime de Nicolás Maduro na Venezuela suscita várias questões de ordem prática e consequências, inclusive, de natureza econômica. Qual o próximo passo e em que termos? Qualquer iniciativa militar, de afronta ou intervenção em território independente, pode ser condenada pelas Nações Unidas. De outro lado, a quase paralisia da maioria das atividades produtivas, virada de rotina dos cidadãos e transformação do país em palco de guerra e protestos incessantes precisa ter fim. A economia venezuelana foi demolida. A fome e a miséria passaram a imperar.

Cenas de pessoas catando comida nos caminhões de lixo viraram rotina. A hiperinflação, na casa dos 400% no semestre, torrou todo e qualquer poder de compra dos consumidores. Não se encontra paralelo nem mesmo na débâcle da Alemanha dos anos 1920, que levou à Segunda Grande Guerra. A Venezuela, com a extraordinária bacia de petróleo, da ordem de 302 bilhões de barris – bem mais que os 266 bilhões de barris da Arábia Saudita, só para se ter uma ideia –, é naturalmente alvo de interesse internacional e praticamente paralisou a sua produção, limitada hoje a cerca de 1,1 milhão de barris/dia, menos de um terço do que já conseguiu. Esse recuo tem abalado não apenas o preço do combustível como também a matriz de oferta global.

Ameaças de Maduro foram lançadas contra o Brasil, sob a forma de possível cancelamento de entrega de combustível e energia nas cidades de fronteira. É, ainda sim, o menor dos riscos. A balança comercial entre os dois países desabou, de US$ 6 bilhões para meros US$ 740 milhões no ano passado. E essa proporção se repete praticamente com todos os demais parceiros. Ninguém, naturalmente, quer vender para lá ou comprar mercadorias de um fornecedor que não oferece garantias mínimas de entrega. Na situação limite, os conterrâneos de Maduro são as maiores vítimas e correm às fronteiras em fuga, na procura por ajuda. Não será possível prolongar tamanho quadro de caos por muito tempo, indefinidamente.

Uma saída diplomática é tratada nos gabinetes de organismos multilaterais, mas o ditador se mostra resistente e mesmo o governo paralelo de Juan Guaidó parece sitiado diante do uso de força militar pelo adversário. Ele chegou a ser impedido de retornar ao País depois de um encontro de cúpula latino-americana na Colômbia. Como presidente cujas credenciais são reconhecidas mundialmente, que conta com o apoio da população, mas não tem ainda os instrumentos para governar, Guaidó precisa se valer de ajuda externa para a transição. Há um conflito iminente em gestação e as crescentes assimetrias entre as necessidades do povo e os interesses do ditador levam a crer que o impacto dessa ruptura trará prejuízos de toda natureza e para todas as partes.

(Nota publicada na Edição 1110 da Revista Dinheiro)