“Você está demitido!” Com essa frase, o então empresário e showman Donald Trump ganhou fama global. Ele a usava quando tinha de eliminar um dos participantes do seu reality show na TV americana, o The Apprentice (O Aprendiz). Trump era bom nisso. As palavras saíam de sua boca com naturalidade, quase como se ele apreciasse aquele momento tão humilhante para o demitido. “Mas era apenas uma situação que fazia parte do programa, o clima, na verdade, era bom, não tinha muita pressão”, afirma George H. Ross, que fez parte do elenco em todas as temporadas apresentadas por Trump, de 2004 a 2015.

Ross, um amigo pessoal do presidente americano e ex-vice-presidente da The Trump Organization, atuava como conselheiro do apresentador, e não só no programa. Durante quase quatro décadas, ele foi uma espécie de braço direito do empresário, inclusive com poderes para assinar documentos em seu nome. Seu jeito calmo e ponderado de falar, no entanto, contrasta com a personalidade explosiva do homem que hoje comanda a maior economia do mundo. Mas o retrato que ele desenha de Trump é bem mais sereno do que seus discursos e twittes deixam transparecer. A proximidade de anos com o empresário garante uma oportunidade rara de conhecer um pouco mais sobre o que se passa na cabeça de Trump. Ross, no entanto, não corrobora a ideia de que o atual presidente americano seja um narcisista egocêntrico, incapaz de olhar além do próprio umbigo. “Trump é um grande negociador, que vai em busca do que quer, mas sabe retroceder e fazer composições”, diz Ross.

Essa visão de um Trump obcecado pela própria imagem e incapaz de tomar decisões ponderadas, em grande parte, se tornou difundida pelo próprio comportamento de Trump ao tratar de temas delicados, como a tensão com a Coreia do Norte, e também pela publicação do livro “Fire and Fury, Inside the Trump White House” (Fogo e Fúria, por dentro da Casa Branca de Trump, em tradução livre), escrito pelo jornalista americano Michael Wolff. Ele relata uma série de reuniões entre Trump e seus aliados, abragendo um período de 18 meses. Wolff traça um retrato sombrio do empresário, que seria uma pessoa despreparada, inculta, megalomaníaca e facilmente manipulável. Segundo ele, o Trump não tem noção das suas responsabilidades como presidente.

Mestre e aprendiz: George Ross (à esq.) participou de todas as temporadas do programa The Apprentice, apresentado por Trump entre 2004 e 2015. ele também trabalhou em seu conglomerado empresarial e tinha poderes para assinar em nome do atual presidente americano (Crédito:Gregorio Binuya/Getty Images)

Não é o retrato traçado por Ross, que virá a São Paulo, em março, para ministrar um master class, tipo de curso rápido bastante apreciado entre empreendedores e executivos, sobre a arte da negociação. Segundo ele, Trump sempre se cercou de pessoas em que ele confiava, é verdade, mas é capaz de ouvir opiniões antagônicas. “Eu sempre disse a ele o que eu achava, de forma sincera, sem me preocupar com o que ele ia pensar”, afirma. Para Ross, ninguém consegue construir o que Trump construiu sem a capacidade de tomar decisões sensatas e embasadas.

A fortuna estimada do mandatário americano é superior a US$ 3 bilhões. Seu império foi calcado no mercado imobiliário, principalmente em Nova York e Atlantic City, se estendendo pelos setores de mídia e produtos licenciados com a marca Trump. Sua própria campanha presidencial, cujo slogan principal era “Make America Great Again” (Faça a América grande de novo), na visão de Ross, demonstra essa capacidade de ouvir o outro lado. Seu objetivo, ao trazer para o debate aspectos da sociedade que estavam excluídos do chamado mainstream, era balancear a mesa de negociações, que estava muito inclinada para o lado democrata.

Esse é um aspecto importante do modus operandi do presidente americano. “Trump é um homem de negócios e sempre tentará impor seus interesses”, afirma Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da faculdade ESPM. Uma pesquisa realizada por universidades da Austrália e da Alemanha, inclusive, comparou a personalidade do presidente americano com a de outros empreendedores, como Bill Gates e Elon Musk. Em linhas gerais, eles compartilham traços semelhantes, com mais ou menos intensidade (veja quadro ao final da reportagem).

Casa Branca em chamas: o livro de Michael Wolff descreve Trump como uma pessoa inculta, megalomaníaca e facilmente manipulável (Crédito:AFP Photo/Gabriel Bouys)

Sua tática é a de trazer para a mesa de negociação tudo o que for favorável à sua posição, praticamente forçando um impasse, para em seguida contemporizar, mas terminando em uma posição favorável. Isso aconteceu, em janeiro, nas negociações que o presidente teve com o congresso sobre a lei de imigração. Trump, que defende regras mais rígidas, ameaçou deportar os chamados dreamers, imigrantes ilegais que chegaram aos EUA ainda crianças. Por conta disso, a oposição se recusou aprovar as diretrizes orçamentárias, o que provocou uma paralisação no governo. Diante do impasse, Trump recuou. Os democratas, no entanto, já estão aceitando que terão de concordar com algumas condições impostas pelo presidente, inclusive o muro na fronteira com o México – as negociações continuam.

O que fica claro, com a descrição de Ross, é que o Trump governante é praticamente igual ao Trump empresário. A diferença, segundo o ex-conselheiro, está no ambiente. “Um empresário tem mais gente do seu lado”, diz Ross. “Na política, existem outros interesses e forças diversas.” O presidente, no entanto, é capaz de pensar nos outros e na coletividade, segundo Ricardo Bellino, empresário brasileiro que, no início dos anos 2000, convenceu Trump a investir em um empreendimento imobiliário no interior de São Paulo – o projeto acabou não se concretizando. “O ponto central da sua estratégia são as pessoas”, diz Bellino, que está trazendo Ross ao Brasil. “Ele convence qualquer um de que aquilo que ele faz vai trazer benefícios. Foi assim que ganhou a eleição.”

Entender que a personalidade do presidente americano é a de um homem de negócios, e não a de um diplomata, é fundamental para os países que desejam se relacionar com os Estados Unidos. Nesse ponto, a América Latina, e o Brasil em particular, não se encontram em uma posição vantajosa. Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, as políticas de Trump para a região representam um retrocesso. “A forma como o corpo diplomático americano trata a América Latina mostra que a região perdeu importância”, afirma Barbosa. Recentemente, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, visitou o México, a Argentina, o Peru, a Colômbia e a Jamaica. O Brasil ficou de fora do roteiro. Na viagem, Tillerson sugeriu que a crise humanitária na Venezuela poderia ser solucionada com um golpe militar. A declaração remonta a um tempo em que os EUA interferiam fortemente na política latino-americana.

Para entrar no círculo de aliados de Trump é preciso deixar de lado algumas regras da diplomacia. “É preciso definir bem quais são as oportunidades de ganho que os EUA terão ao negociarem com o País”, afirma a professora Denilde Holzhacker, da ESPM. Ou seja, como um executivo, Trump prefere ir direto ao ponto, algo que diplomatas, tradicionalmente, preferem evitar. É uma maneira de dar mais celeridade e eficiência aos processos. Porém, gerir uma empresa é diferente de gerir um país. Trump está tentando navegar pelos tempestuosos mares das relações internacionais com o mapa de um homem de negócios.