O economista americano Robert Shiller, prêmio Nobel de Economia em 2013, disse que “não investiria no mercado imobiliário brasileiro”. Fora de contexto, a frase do professor da Universidade Yale pode parecer um exagero. Mas Shiller fez essa análise há cinco anos, quando os ativos no Brasil estavam supervalorizados e os preços subiam muito acima da inflação. O acadêmico, que foi premiado por seus estudos sobre as tendências de mercado, estava certo: a crise econômica corrigiu os valores praticados no setor. Foi nesse mesmo período que Jorge Felipe Lemann enxergou uma oportunidade.

Sócio-fundador da Flow, uma das mais importantes corretoras de valores mobiliários da bolsa de mercadorias e futuro (vendida para o Banco Brasil Plural), ele deixava o dia a dia no mercado financeiro para empreender com os imóveis. “Saí do mercado financeiro e a crise estava acontecendo no Brasil”, diz Jorge Felipe, que é filho de Jorge Paulo Lemann, sócio da AB InBev, da Kraft Heinz e do Burger King ao lado de Marcel Telles e de Beto Sicupira no fundo 3G Capital. “Onde tem crise, tem oportunidade. Dava para fazer algo diferente no setor imobiliário.” (leia a entrevista ao final da reportagem).

Imóvel modelo: o edifício VHouse, na avenida Eusébio Matoso, em São Paulo, é o primeiro ativo operacional da empresa de Lemann, que tem R$ 360 milhões de capital inicial (Crédito:Divulgação)

O herdeiro de Lemann, que é discreto e não se deixa fotografar, criou a própria incorporadora, a JFL Realty, em sociedade com os executivos Carolina Burg, ex-Brasil Plural e Brookfield, e Guilherme Vilazante, ex-Bank of America e UBS. Assim como as demais empresas de mercado, a JFL pode comprar ou construir o seu próprio empreendimento residencial. Mas ela não vai concorrer com Cyrela ou Even. A diferença está no modelo de negócio. A empresa foi criada para atuar em um segmento chamado de long stay (longa estadia, em uma tradução livre), um nicho de mercado muito comum no exterior, principalmente nos Estados Unidos. Em vez de vender as unidades, Lemann decora e mobília os apartamentos para alugá-los.

O edifício tem diferenciais que lembram um flat ou um apart-hotel, como academia de ginástica, piscina, área de convivência e café da manhã. A diferença, porém, é o espaço maior (a JFL quer ter unidades médias de 50 m2, que é o dobro da metragem de um flat) e um ambiente com vários armários, banheiro e lavabo. Tudo para fazer o inquilino se sentir em casa e não em um quarto de hotel. O valor do aluguel também é parecido: a menor unidade da JFL custa R$ 6 mil ao mês. “O long stay é uma das possibilidades de enxergar novos modelos de negócios, que é motivada pela falta de demanda para a compra de imóveis nos grandes centros. Há um grande volume de estoque nas ruas”, diz Fabian Salum, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral. “Temos uma nova realidade na relação com consumidores, mas empresas tradicionais e com história no setor não são tão ágeis para se adaptar e demoram a perceber a mudança.”

O primeiro negócio da JFL foi a compra de um terreno na avenida Rebouças, perto da Faria Lima, em São Paulo, em 2016. No local, está sendo construído um prédio de 167 apartamentos, em um esquema misto: os quatro primeiros andares serão comerciais e haverá um corredor de lojas no térreo – a ideia é que elas possam prestar serviço para os condôminos. A entrega está prevista para 2020. Até lá a JFL seria uma empresa pré-operacional. Mas ela acelerou essa fase ao adquirir, no ano passado, um prédio na Eusébio Matoso, em fase final de construção.

Longo caminho: Carolina Burg e Guilherme Vilazante, sócios de Jorge Felipe Lemann (que não se deixa fotografar) na JFL Realty, eles querem ocupar um nicho de mercado pouco explorado no Brasil, o long stay

A dona do empreendimento era a Related, uma empresa americana que também atua com long stay e decidiu se desfazer de seus ativos no Brasil. Com isso, o VHouse passou a ser o primeiro ativo em operação em agosto, quando as primeiras 36 unidades, de um total de 106 que pertencem à JFL, começaram a ser ocupadas. A demanda inicial encheu os olhos dos sócios: 95% de taxa de ocupação. Os apartamentos restantes estão em fase final de decoração e serão colocados no mercado nas próximas semanas. “A estratégia, desde o início, era ter uma empresa verticalizada”, diz Vilazante. “Além de sermos donos do m2 e prestar o serviço de gestão dentro da mesma plataforma, tínhamos de fazer as incorporações para ter o portfólio que a gente precisava, de 800 a 1.000 unidades que estamos mirando neste momento.”

Com R$ 360 milhões de capital inicial, a JFL se posiciona como compradora no mercado. Há duas semanas, a empresa adquiriu da Tael Incorporações, por R$ 80 milhões, um prédio na Vila Olímpia, com 140 unidades, que ficará pronto em 2019. A empresa chegou a negociar um edifício na rua João Cachoeira, mas não fechou negócio. Dois empreendimentos estão em tratativas finais, um com 130 unidades e outro com quase 400. Se concretizados os negócios, até o fim deste ano, a JFL conseguirá bater a meta de ter pouco mais de 800 apartamentos no portfólio. “Somos compradores, mas não a qualquer preço”, afirma Burg. “Se não chegamos em um determinado valor na largada, saímos da mesa.”

Enquanto a JFL se ocupa das incorporações, um braço da empresa cuida desses ativos. Batizada de KZA, a marca é responsável pela gestão imobiliária das unidades. Ela foi criada apenas para cuidar dos próprios imóveis e não prestará serviços para terceiros. A percepção, dentro da JFL, é que eles perdem, como investidores, ao tornar a marca uma operadora de mercado. A preocupação é manter a geração de valor para realizar uma captação de recursos com novos investidores ainda neste ano. A empresa quer aproveitar que o mercado imobiliário não se recuperou e acelerar sua expansão. “O primeiro terreno compramos durante o impeachment. O primeiro edifício logo depois da divulgação das gravações do Joesley Batista. Agora, negociamos na crise política”, diz Burg. “Apesar de serem oportunidades, dá medo. Mas confiamos no nosso negócio.”


“Onde tem crise, tem oportunidade”

Jorge Felipe Lemann, sócio-fundador da JFL Realty, falou com a DINHEIRO:

O sr. teve uma trajetória bem-sucedida no mercado financeiro, mas decidiu empreender no setor imobiliário. Por que essa mudança?
Faço parte do setor imobiliário há algum tempo, como conselheiro da São Carlos Empreendimentos. Por isso, já tenho algum envolvimento com esse mercado. Saí do mercado financeiro e a crise estava acontecendo no Brasil. Onde tem crise, tem oportunidade. Dava para fazer algo diferente no setor imobiliário.

Há semelhança entre esses dois mercados?
Eles são complementares. O mercado imobiliário depende muito do financeiro, com instrumentos de alavancagem, de distribuição, entre outros. Um precisa do outro.

A tecnologia mudou a gestão dos recursos financeiros, com a necessidade da alta frequência nas decisões. O setor imobiliário ainda permite estratégias menos velozes?
Vale para todos os setores. Especificamente no imobiliário, houve uma mudança grande na intermediação, tanto na compra e na venda como no aluguel. Mudou, também, a forma de se comunicar com os clientes. Isso continua mudando em velocidade rápida. Outra coisa que tem ocorrido, cada vez mais, é a maneira, a forma e o uso do compartilhamento de espaços, tanto com o coworking ou o que nós estamos fazendo.

A economia não deslancha no Brasil. O sr. continua otimista?
Sou um empreendedor e não conheço empreendedores negativistas ou pessimistas. No ponto em que o País chegou, não vejo como piorar ainda mais. Qualquer melhora que ocorra, vai ser significativa.