A lerta de spoiler: a nova maneira de entretenimento no mundo, o streaming, não vai acabar. Mas a forte concorrência que se inicia em 2022, já sem o fator pandemia amplificando assinaturas, começa a forçar mudanças ­— algumas, no coração dos negócios. A notícia de que, pela primeira vez, a líder no setor de filmes e séries, Netflix, havia perdido 200 mil assinantes no mundo, acendeu um sinal vermelho na plataforma. Isso, apesar de ela ter ainda o expressivo número de 221,8 milhões de usuários. Enqaunto isso, a “novata” HBO Max, que começa a abrir seus braços pelo mundo, publicou os resultados financeiros do primeiro trimestre de 2022. Teve crescimento de 3 milhões de assinantes (juntando a irmã linear HBO). Esse, curiosamente, era o número que a Netflix projetava para si mesma em relatórios oficiais de 2021. Não alcançou.

A HBO Max tem 76,8 milhões de assinantes. Isso não faz dela a segunda, nem a terceira colocada no mercado, posições ocupadas por Amazon Prime Video, com 200 milhões, e Disney+, com 129,8 milhões. “Nossa meta era 2,5 milhões de novos assinantes em 2021 e não chegar a isso nos forçou a nos perguntarmos: ‘O que está acontecendo?’”, disse o cofundador e CEO da Netflix, Reed Hastings. Assim como os números de audiência (que raramente são revelados e não são auditados externamente), os de novos espectadores são acompanhados em tempo real. A Netflix percebeu que a curva não estava boa. “É o nosso momento de brilhar”, afirmou o executivo, assumindo mudanças e conhecimento da insatisfação dos investidores. As ações da Netflix caíram 35%, sumindo com US$ 50 bilhões em seu valor de mercado, após o anúncio. Até quarta-feira (4), ainda estava lá embaixo.

“Sei que são números decepcionantes para nossos investidores, mas estamos entusiasmados internamente com a batalha à frente” Reed hHstings Cofundador e CEO da Netflix.

NÃO PAGANTES O compartilhamento de assinaturas é uma característica que a vista grossa de Hastings exigirá enxergar com mais carinho. Se você tem uma assinatura e a divide com sua família ou algum amigo, provavelmente esses espectadores não pagantes ­— não se sabe esse número ao certo — possam ser esses 200 mil assinantes que a Netflix perdeu. E mais alguns milhões. A conta é simples e a missão agora é monetizar esse compartilhamento, algo que a empresa pensa fazer há alguns anos, mas não achava necessário até agora, já que crescia muito rapidamente. Não custa lembrar que estamos falando da líder, e com folga, no segmento. Para a plataforma, esses espectadores já assistem à Netflix, gostam do serviço e terão de pagar algo por isso. Atualmente, nos EUA, os planos custam de US$ 9,90 a US$ 19,90, dependendo do número de telas ao mesmo tempo. Houve um aumento de preço, mas a Netflix informou que isso não teve impacto nos resultados do primeiro trimestre de 2022. Será? No Brasil, os planos partem de R$ 25,90 e podem, chegar a R$ 55,90. Ainda é vantajoso, sobretudo na comparação com o aluguel de um único filme do serviço Now, da Claro, em torno de R$ 18. Mais, se for lançamento.

Agora vem o segundo episódio das mudanças. Criar um novo modelo de assinatura, mais barato, justamente para pegar essa “carona” que talvez tope, finalmente, pagar um pouquinho pelo streaming — pois do contrário não vai ver nada. E a ideia é implementar uma assinatura mais barata com publicidade no meio do conteúdo. Aumentar o price spread, como os executivos da Netflix gostam de rotular. “Por mais que não seja fã disso, colocar publicidade no conteúdo, pois sempre fui a favor da simplicidade da assinatura, na verdade sou mais fã da ‘escolha do consumidor’”, disse o fundador. Para ele, é permitir a adesão de consumidores que querem pagar menos e são tolerantes quanto à publicidade, quase como a TV aberta. “Nossos concorrentes, como Hulu e Disney+, já fazem isso, não é uma questão se funcionam ou não. Sabemos que funciona”.

VIDA FORA DOS EUA Série sul-coreana Squid Game foi uma surpresa para a plataforma. Ela vai continuar investindo em produções internacionais na esperança de que surja um novo fenômeno. (Crédito:Divulgação)

CONTEÚDO IMPORTA Essas mudanças devem ser implementadas em um ou dois anos. Mas se não correrem, terão de se desculpar com os acionistas novamente em 2023, pois a concorrência está aí. Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, admite a alta competição: “Como melhorar o conteúdo, que é algo que já fazemos há uma década?”. Não faz muito tempo, ele explica, estavam se debatendo sobre como monetizar o mercado com pequenos filmes de arte. Hoje, lançam alguns dos mais assistidos e populares filmes do mundo ­— e até premiados, como o que ganhou este ano o Oscar por melhor direção, Jane Campion, com Ataque dos Cães. A HBO Max pontuou alto com a estreia de The Batman no mês passado, e terá blockbusters da Warner ao longo do ano. Disney tem séries baseadas em Star Wars mês sim, mês não, além de filmes e séries da Marvel, que comprou. E a Netflix?

“Tivemos Squid Game [Round 6], que foi um fenômeno, talvez a série mais assistida de todos os tempos. Teremos agora a nova temporada de Stranger Things, em que cada episódio parece um longa- metragem”, disse Sarandos. A Netflilx criou o conceito de “maratonar”, soltando tudo de uma vez. Isso continua, enquanto ela trabalha seu próximo roteiro.