O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior também presidiu a Fundação Amazonas Sustentável. Conhece o bioma e seus problemas. Para ele, a situação é grave, mas nem tudo está perdido. O País pode evoluir no tema ambiental sendo menos tolerante e punindo criminosos.

A sustentabilidade foi o tema dominante no mais recente Fórum Empresarial do Lide, grupo que tem o ex-ministro Luiz Fernando Furlan na posição de chairman. Para ele, o Brasil precisa dar respostas claras ao mundo quanto às políticas ambientais. Defensor da prática da tolerância zero em relação a ilegalidades na questão ambiental, ele entende que há, no exterior, uma imagem distorcida das ações implementadas no Brasil. Por ter sido ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior entre 2003 e 2007, ele sabe como o olhar estrangeiro pesa na decisão de investir no País. Em seu estilo sempre franco e direto, Furlan falou à DINHEIRO também sobre a politização em torno das vacinas contra a Covid-19, tema que opõe o governador paulista João Doria ao presidente Jair Bolsonaro.

DINHEIRO – O Brasil vive momento de grande competitividade mundial agravada por conflitos ideológicos com países como China e Argentina, dois importantes parceiros comerciais. O quanto isso é ruim para o País?
LUIZ FERNANDO FURLAN – Se analisarmos a atuação brasileira na área de comércio exterior, veremos que não existem barreiras importantes criadas durante este governo. O que existe, infelizmente, é uma discussão que, em alguns momentos, carece de fundamento sobre a questão do meio ambiente, principalmente em relação à Amazônia. A imagem que muitas vezes se passa para o exterior é a de que ela está destruída e não tem conserto.

Esse imagem é falsa?
Durante oito anos, entre 2008 e 2016, presidi a Fundação Amazonas Sustentável e tive oportunidade de conhecer melhor o interior da floresta, a população ribeirinha e trabalhar para que tivessem acesso à energia. O governo federal peca na comunicação e no diálogo internacional, em não convidar pessoas de organizações, outras nações a conhecer de perto o bioma. Potencialmente, pode gerar prejuízos importantes, como a homologação de acordos com países que precisam ser ratificados pelos seus congressos. Mas o Itamaraty radicalizou esse assunto, quando, na verdade, nós somos o país no mundo que tem maior índice de concentração de florestas.

O cenário que se pinta no exterior é pior do que a realidade da Amazônia?
Exatamente, embora eu reconheça que o assunto é grave. Os focos de incêndio aumentaram e isso tem a ver com as mudanças climáticas. Os maiores poluidores do mundo são China e Estados Unidos. O Brasil está no top 5 em energias renováveis.

Independentemente de China e Estados Unidos serem os maiores poluidores, a questão ambiental é um problema brasileiro…
A situação preocupa, demanda providências. E eu até arriscaria tolerância zero, a exemplo do que Rudolph Giuliani fez em Nova York em relação à segurança. O Brasil, em muitos casos, acaba sendo tolerante. É necessário mais rigor em relação às ilegalidades na Amazônia.

“É necessário mais rigor em relação às ilegalidades na Amazônia. Eu até arriscaria tolerância zero, como Rudolph Giuliani fez com a segurança em Nova York” (Crédito:Istock)

Isso não é responsabilidade do poder público?
Dos poderes federal, estadual e municipal, além do Judiciário. Quem comete uma ilegalidade precisa ser julgado logo, porque muitos processos demoram para terminar. Invadiu terra indígena, realizou garimpo ilegal, é preciso penalização pesada. A madeira ilegal não sai do Brasil por meio de compra na internet. Existe um trajeto. Sai por caminhões, barcos, o que tornaria relativamente fácil a identificação. Há instrumentos disponíveis para detectar as irregularidades. É possível enxergar por satélites. Dá para pegar na origem.

E por qual razão essas ilegalidades não são detectadas na origem com mais eficiência?
Essa resposta precisa ser dada pelas pessoas que têm essa responsabilidade. Mas quero registrar meu reconhecimento pelo bom trabalho realizado no recém-criado Conselho da Amazônia, liderado pelo vice–presidente Hamilton Mourão, que está levando a tarefa a sério. E espero que não faltem recursos para que ele possa apresentar os resultados.

Mas os discursos do presidente Bolsonaro para a comunidade internacional parecem reforçar o descaso com o tema.
Muitas vezes, uma palavra mal falada causa um dano difícil de superar. Quando há reunião de cúpula, normalmente os temas mais difíceis são falados em ambientes reservados. Quando o debate é feito via redes sociais, fica mais difícil consertar. Talvez pela falta de vivência internacional do presidente, foi criado um contencioso que não precisava. E agora nós ficamos com a responsabilidade de consertar.

Nós, quem?
Nós, brasileiros. Nós que viajamos e que conhecemos a Amazônia podemos ajudar a encontrar soluções. Muita gente toma partido sem conhecer. Tenho conversado com algumas pessoas no exterior. Há eventos internacionais onde o Brasil poderia ter pessoas importantes que militam nessa área. Um exemplo de quem deve ser ouvido é a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Sobre os impactos da Covid-19 na economia, o que o Lide tem feito para buscar alternativas que possam ajudar as empresas?
Estamos trabalhando para que haja investimentos, criação de empregos e que as empresas possam resistir à pandemia. Recentemente, fizemos debates sobre reformas tributária e administrativa, sobre questões da saúde, principalmente por causa da pandemia. Trouxemos especialistas brasileiros e estrangeiros, opinando sobre a questão das vacinas. Estamos olhando como isso pode ajudar na reativação da economia brasileira. Um dos temas do Fórum Empresarial Lide deste ano [entre os dias 10 e 12 de dezembro] foi crescimento e geração de emprego.

E o que precisa ser feito para retomar o crescimento e recuperar empregos?
Um dos temas considerados pelo Lide como um dos mais relevantes é educação. O que se vê hoje são empresas procurando e muita gente sem capacitação necessária para os empregos mais modernos. Esse tema é de solução de longo prazo. Muitas empresas assinaram compromissos de manutenção de empregos e isso, em alguns momentos, foi bastante oneroso. Hoje temos falta de caixas de papelão. Por qual razão? A demanda foi maior do que o projetado. O setor automotivo agora diz que pode parar por falta de insumos. Algumas siderúrgicas desligaram altos- -fornos e esse processo é demorado. Há também incompreensão na leitura de determinados índices. O indicador do terceiro trimestre foi acima de 7% (o Produto Interno Bruto cresceu 7,7%) e o que se falou é que o índice decepcionou, porque os analistas projetavam mais. Com 7,7%, eu soltaria foguete. Se continuar assim, podemos mitigar boa parte da queda entre março e maio.

O senhor acredita que seguirá nesse ritmo?
O número de contratações em outubro foi anunciado [394.989, segundo o Cadastro Geral de Empegados e Desempregados] e a tônica do que se falou foi o número de 14 milhões de desempregados. Quase 400 mil empregos criados é uma notícia boa. O Brasil é um dos países do mundo que vai sair, no fim do ano, em melhores condições da pandemia. Se olhar crescimento econômico, impacto no desemprego e comparar com países da Europa, do Hemisfério Norte em geral, com exceção de China e Coreia, os indicadores brasileiros estão entre os dez melhores.

A maior parte do setor privado afirma que a retomada depende de reformas. Elas virão?
Acredito que alguma coisa ainda ande neste ano. Mas, ficando para o ano que vem, depende muito da pauta de quem assumir a presidência da Câmara e do Senado. E depende também de propostas do próprio governo. A reforma administrativa não saiu, a ponto de algumas pessoas do governo terem pedido demissão. Há uma morosidade no Executivo também.

“Se um produto pode ser levado de Itajaí (SC) para Manaus (AM) em contêiner, vai chegar mais barato que de caminhão. O Brasil precisa ser mais simples” (Crédito:Divulgação)

Como o senhor avalia a retomada dos programas de concessão de infraestrutura?
Sou a favor do aumento da eficiência e produtividade, porque isso acaba traduzindo em redução de custos. No momento em que você tem concorrência e ganhos de produtividade por meio de competição, quem ganha com isso é o Brasil e o consumidor. Se um produto pode ser levado de Itajaí (SC) para Manaus (AM) em um contêiner, em vez de rodar milhares de quilômetros em um caminhão, ele vai chegar mais barato. A desregulamentação de muitos setores é quase tão importante quanto os investimentos, porque tudo no País é complicado. O Brasil precisa ser mais simples.

O governo de São Paulo irá aumentar alíquotas do ICMS a partir de janeiro. Isso pode prejudicar a retomada?
O que eu sei é que houve queda de arrecadação em todos os órgãos da federação. Imagino que para fazer investimentos e melhorar serviços precisa ter arrecadação.

O senhor é a favor da privatização de empresas públicas, como os Correios?
Em princípio, sou a favor da privatização.

E ela poderia ser feita a exemplo do que ocorreu com os postos da Petrobras (BR Distribuidora), onde se fala em aumento de capital e o Estado passa a ser minoritário. E a empresa indo bem, o serviço será bom e seguirá competindo com outras empresas. Poderia ser um processo de transição para a privatização de fato.

Qual sua opinião sobre a politização em torno das vacinas contra a Covid-19?
Estamos vendo uma disputa política pela vacina que parece briga de crianças na escola jogando bola, com infantilidade de todos os lados. Tanto no Palácio dos Bandeirantes quanto no do Planalto. E não excluo governadores do Centro-Oeste, Nordeste, que têm dado pitaco nesse assunto. Na hora que tiver a vacina disponível no Posto de Saúde, seja qual for, estarei lá para tomar.