Fora da disputa presidencial após perder as prévias do PSDB que definiram o candidato do partido ao Planalto, o tucano que representa uma nova geração na política entende que o atual governo não tem agenda para o País, é insensível e irresponsável no combate à Covid-19

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), é mais um expoente político que se arrependeu do voto em Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018. A escolha de quase quatro anos atrás foi pela rejeição ao PT. Em três anos, o País mergulhou em uma crise econômica. Agora, o jovem político de 36 anos também virou um dos críticos mais ferrenhos do atual presidente. “O governo Bolsonaro é um desastre em todas as frentes”, afirmou Leite nesta entrevista à DINHEIRO. Para o tucano, Bolsonaro não tem projeto para o Brasil e sua conduta “empurra as pessoas para a morte”.

DINHEIRO – Como o senhor avalia os três anos do governo Bolsonaro?
EDUARDO LEITE – A eleição do Bolsonaro se deu naquele enfrentamento com o PT e o sentimento de antipetismo certamente catapultou a sua vitória em função do desastre que a gente tinha visto. Caímos em um segundo turno entre o candidato de Lula [Fernando Haddad] e Bolsonaro, que prometia, com seu posto Ipiranga, uma política econômica que ajudaria o País a crescer.

Até que ponto a pandemia atrapalhou a promessa?
É claro que veio a pandemia, que não estava prevista para ninguém, mas isso não é um argumento que justifique o quanto o Brasil deixou de andar do ponto de vista da política econômica. Falta convicção na agenda, acho até que o ministro Paulo Guedes tem as suas convicções, mas não encontra respaldo por parte do presidente e é fundamental que o governante banque a agenda. O governo Bolsonaro é um desastre em todas as frentes. Eu até tenho boa relação com alguns ministros que considero competentes. Ele tem uma tarefa maior, de enfrentamento da pandemia. É uma conduta absolutamente irresponsável a do presidente, que, para sustentar a sua narrativa política, empurra as pessoas para a morte.

“Talvez a área pública não seja exatamente a aquela para a qual o ministro Paulo Guedes mais esteja vocacionado” (Crédito:Mateus Bonomi )

E a política econômica?
Também é um desastre. O mundo vai crescer este ano. A Europa tem perspectivas de crescimento de 3% a 4% e os Estados Unidos também. Haverá um bom momento — pelo menos razoável — na economia global, mas no Brasil falta compromisso com o equilíbrio das contas. O populismo fiscal, de forma desenfreada, lança recursos nas diversas frentes, especialmente nos programas de transferência de renda, que eu acho até adequados que sejam feitos, mas para os quais há de se fazer escolhas.

Quais escolhas?
Você tem que dizer de onde o dinheiro vai sair, e o governo não quer fazer essas escolhas. Então ele faz os seus artifícios contábeis na questão dos precatórios, outras mudanças para abertura de um espaço fiscal em relação ao teto de gastos para poder sustentar algo que prometa alguma recuperação da imagem junto à opinião pública. É um governo que não tem uma agenda para o País e que, lamentavelmente, ainda se mostra insensível e irresponsável na condução da maior crise na história recente da humanidade.

O ministro Paulo Guedes abriu mão de algumas convicções pelo projeto de poder do presidente?
É difícil interpretar quais são as motivações do ministro. Talvez haja um sentimento de que se ele saísse, e por tudo o que o governo já barrou e que o presidente já gerou de obstáculos a uma política econômica minimamente responsável, a sua substituição poderia se dar por alguém que estivesse minimamente ou mais entregue às convicções do presidente. A gente vê que a reforma administrativa foi para o Congresso totalmente desnutrida no gabinete presidencial. Além de outras medidas, como reajustes salariais. O Ministério da Economia se manifesta contra e não é levado em conta. Quer dizer, em uma situação normal, imagino que o ministro colocaria o seu cargo à disposição.

Ruim com ele, pior sem ele?
Talvez. Não sei. Sempre tive uma boa relação com o ministro Paulo Guedes. Ele tem até as ideias próximas do que eu penso, mas a sua capacidade de execução, por uma série de fatores, está comprometida. Sua capacidade de entrega está muito limitada. Talvez a área pública não seja exatamente aquela para a qual ele mais esteja vocacionado. Tem que ter essa agenda bancada pelo presidente da República e, pelo contrário, o presidente sabota constantemente essa agenda.

O governo federal não conseguiu avançar tanto na desestatização. O que houve?
Falta convicção ao presidente. Embora ele tenha delegado a tarefa um posto Ipiranga que acredita nas privatizações, o governante não acredita. A gente viu isso em frequentes manifestações. O presidente passa mensagens trocadas a todo o tempo. Por exemplo, quando foi à Ceagesp e falou contra a privatização. Falta convicção e falta coordenação de governo que encaminhe esse trabalho. Além disso, o tumulto econômico gerado pelo governo federal, pela sua pouca ou nenhuma responsabilidade fiscal, também acaba atrapalhando o ambiente para privatizações. Vemos os investidores se retraindo e colocando o seu foco fora do Brasil.

Na macroeconomia, entramos em um ciclo sem capacidade de investimento, sem crescimento, inflação alta, juros altos, desemprego alto. Como reverter essa situação?
O primeiro ponto é o da inflação, que está conectado a vários temas. Tem a questão da pandemia, não tem como dizer que não. É um problema global, mas agravado no Brasil pela conduta do governo federal. São dois fatores preponderantes: o gasto público desmentido, gerando dívida, fazendo circular um dinheiro que não existe na economia real. De outro lado, aumentando a desconfiança sobre o governo e sua capacidade futura de cumprimento dos seus compromissos. E essa desconfiança somada ao aumento dos preços gera essa necessidade de elevação dos juros.

O que precisa ser feito para sair desse nó?
O primeiro passo é demonstrar claro compromisso com o equilíbrio fiscal. Mas me parece que esse governo não tem credibilidade para isso. Está no final do seu mandato e é importante que o novo governo consiga apresentar esse equilíbrio com as contas. Não é sobre resolver esse déficit das contas públicas em um ano. É sobre conseguir mostrar uma agenda organizada, concatenada a partir de reformas estruturantes, de um programa de privatizações, e conseguir apresentar para o mercado e para investidores que o governo tem as regras, tem as rédeas da economia e do controle dos gastos públicos.

O senhor pegou um estado quebrado em 2019, que ainda tem uma dívida pública acumulada que chega a quase 200% da receita líquida. Como tem buscado sair dessa situação dramática?
Estávamos girando com 1,5% de investimentos sobre a nossa receita corrente líquida no estado. Esse investimento acontecia forçando o déficit para poder minimamente manter alguns serviços. A virada do jogo se dá primeiro porque nós estruturamos uma agenda profunda de reformas. O Rio Grande do Sul foi o único estado que fez reforma da previdência para os militares igual à dos civis.

“É uma conduta absolutamente irresponsável a do presidente, que, para sustentar a sua narrativa política, empurra as pessoas para a morte” (Crédito:Clauber Cleber Caetano)

Isso bastou?
Fomos além, fizemos uma reforma nas carreiras do serviço público para todos os poderes. Colocamos, por exemplo, na Constituição do Rio Grande do Sul a vedação a diversos tipos de benefícios e vantagens que se acumulavam nas carreiras dos serviços públicos. Conseguimos fazer com que não tivesse o chamado crescimento vegetativo da folha de pagamento do estado. Em 2020 tivemos uma queda de R$ 700 milhões da despesa nominal com os servidores e no ano passado tivemos outros R$ 700 milhões de redução. No acumulado, até o final deste ano, a gente espera uma economia de R$ 3 bilhões com essas reformas.

Sobre a eleição deste ano, temos novamente um cenário polarizado entre Bolsonaro e o PT. Existe alguma saída para terceira via?
Parece um caminho estreito, de fato. Estamos diante de dois candidatos populistas, bons de bico, que conseguem arregimentar torcidas fervorosas. A minha percepção, que foi o que me fez apresentar nas prévias do PSDB, o primeiro pré-requisito é ser um candidato com baixa rejeição. Não há até aqui um candidato natural nessa chamada terceira via com essa condição. O ex-ministro Sérgio Moro, que tem o melhor desempenho entre esses candidatos hoje na pesquisa, tem uma rejeição muito alta, o que parece limitar a sua capacidade de crescimento.

E o governador Joao Doria?
O governador de São Paulo, João Doria, ganhou as prévias, mas não tem demonstrado a capacidade de crescer nas pesquisas e tem também uma rejeição muito alta. Esse terceiro nome precisa ser capaz de trazer votos tanto do Lula quanto do Bolsonaro. Não deve ser um candidato simplesmente contra um, contra o outro ou contra os dois. O grande papel de um candidato que busca ser uma alternativa a essa polarização é recuperar a esperança dos eleitores brasileiros. Você não recupera essa esperança simplesmente tentando convencer que os outros são piores. Você tem de conquistar apresentando um caminho melhor e eu estou vendo muita dificuldade, nos candidatos que estão postos, de conseguir fazer isso.

Seu voto será no Doria?
Sim, mas estou dizendo que não basta ter meu voto. Tem que conseguir outros 50 milhões de votos para ganhar uma eleição. Então, essa capacidade de se conectar com os sentimentos da população é determinante. É por isso que eu já dizia em relação a mim nas prévias e continuo dizendo em relação a ele: tem que ter humildade de reconhecer, na hora
da decisão, outro candidato, se houver, que tenha melhor condição de se conectar com esses sentimentos.