Considerando as tentativas frustradas do governo em conseguir apoio ao projeto de reoneração da folha de pagamentos desde o ano passado, a aprovação da proposta no Congresso na madrugada de quinta-feira 24 poderia passar a impressão de uma vitória do Executivo. Não fosse um item inserido de última hora, que inverteu a lógica original do texto e significou o contrário. Em vez de ajudar a recompor as contas da União, o projeto passou a gerar uma perda de receitas, ao prever a inclusão de um corte no PIS/Cofins do óleo diesel até dezembro, uma reivindicação dos caminhoneiros que pararam o País na greve iniciada na segunda-feira 21 e que se estendia até a sexta-feira 25.

Desarticulado e desorientado, o governo foi engolido pelos parlamentares, num episódio que escancarou a fraqueza da administração federal. Diante da persistência dos caminhoneiros em manter a paralisação, mesmo após o acordo, o presidente Michel Temer autorizou o uso das Forças Armadas para desbloquear as rodovias fechadas pelos grevistas. “O governo teve coragem de dialogar”, afirmou Temer, em pronunciamento, na sexta-feira 25. “O governo terá coragem de exercer sua autoridade em defesa do povo brasileiro.”

A manobra no Legislativo foi orquestrada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na quarta-feira 23, enquanto os ministros discutiam o tema, Maia, que é pré-candidato à Presidência, sustentava que a redução do PIS/Cofins custaria aos cofres públicos R$ 3,5 bilhões e seria compensada pelo aumento dos impostos cobrados pela folha de pagamentos. Os governistas tentaram rebater a cifra sugerindo que as perdas seriam de R$ 10 bilhões, mas foram vencidos. No dia seguinte, Maia admitiu o erro e reconheceu a perda de cerca de R$ 9 bilhões.

O texto ainda precisa passar no Senado. Na quinta-feira 24, quando o circo pegava fogo e a crise de abastecimento tomava conta do País, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, deixou Brasília e foi para o Ceará. A irresponsabilidade durou pouco e ele teve de retornar à capital federal. A votação foi prejudicada e o desencontro na base aliada ficou evidente. O Planalto estima as perdas em R$ 12 bilhões e ameaça um veto ao texto.

Desde a segunda-feira 21, a equipe de Temer vem tropeçando nas negociações pelo fim da greve. Na primeira reunião com os caminhoneiros, deixou de fora o presidente da Petrobras, Pedro Parente, na tentativa de blindar o executivo, que foi o responsável pela metodologia de cálculos orientada pelas oscilações de mercado. Não funcionou. Parente teve de ser convocado e foi obrigado a aceitar uma redução no preço do diesel de 10% por 15 dias (leia mais aqui).

A medida não bastou para colocar fim às paralisações, que ganharam força e jogaram o governo contra as cordas. Depois de sete horas de reunião com entidades do setor, na quinta-feira 24, os ministros cederam mais. Concordaram em ampliar a redução por mais 15 dias e avaliam estender até o fim do ano. As perdas da Petrobras serão compensadas com recursos do Tesouro Nacional, um esforço fiscal estimado em R$ 5 bilhões. “Vamos ter de fazer cortes de despesas para absorver isso”, afirmou o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia.

Guardia e a equipe econômica saem derrotados. O ministro vinha negociando como aprovar a reoneração com o máximo rigor. A expectativa era retirar do projeto 16 dos 56 setores que voltariam a ter seus impostos aumentados. O texto aprovado agora exclui 28 setores.Quando começou a tramitar, em 2017, previa apenas três exceções e uma receita extra de cerca de R$ 6 bilhões em 2018. A dúvida agora recai sobre a capacidade de aprovação da pauta de ajuste que restou no Congresso. “Foi um teste de força fracassado”, diz o cientista político Lucas de Aragão, da Arko Advice. “O Temer não tem apoio na base aliada, não conseguirá aprovar mais nada. É esperar o fim do governo.”

O risco é que, num ano eleitoral, haja pressão para mais gastos e uma deterioração fiscal. Em 2018, o déficit previsto é de R$ 159 bilhões. “Foi uma derrota importante e mostrou que o governo não só não está comprometido com o País, mas que também é muito fraco”, diz Bruno Lavieri, da 4E Consultoria. Na conta, entra ainda a redução da Cide sobre o diesel, com perdas de mais de R$ 1 bilhão. Pode haver ainda renúncias nos Estados, caso avancem as negociações por cortes no ICMS.