Pelé fez 1.283 gols em 1.375 jogos. Induzido a escolher um único, entre todos que anotou, ele vai direto ao ponto. ?Foi o gol da Rua Javari?, decreta. Para os amantes do futebol, esse instante é uma lenda. Aconteceu no dia 2 de agosto de 1959. O Santos venceu o Juventus por 4 a 0 no Estádio Conde Crespi, no bairro paulistano da Moóca. O camisa 10 marcou três vezes. Aos 36 minutos do segundo tempo ele desenhou a obra-prima. Eram 9 mil pessoas nas arquibancadas. Não havia televisão. Sobrou, em arquivos, uma seqüência de quatro fotos de má qualida-
de. ?Se todos os que disseram ter visto este gol ao vivo estavam realmente no estádio, então havia 200 mil pes-
soas ali?, brinca o diretor de cinema Aníbal Massaini Neto.

Massaini lança, no próximo dia 25 de junho, o filme Pelé Eterno ? é o mais completo documentário já feito a respeito da carreira do Rei do Futebol. São 120 minutos numa produção de R$ 6 milhões. A equipe de Massaini localizou filmes em mais de 70 fontes, entre as quais emissoras de TV da França e República Checa. São 100 gols. Faltou, evidentemente, a pintura diante do Juventus e o já célebre gol de placa contra o Fluminense, em 1961. Este foi reconstituído com o auxílio de trechos de filme que restaram e a fusão com imagens novas, gravadas com dublês. O da Javari é um prodígio da tecnologia.

Ele foi refeito nos estúdios da Briquet Filmes, de São Paulo, empresa de animação por computador ? conhecida no mercado publicitário pela criação de personagens como o Toddynho e o Variguinho. Gastou-se R$ 200 mil na produção. Foi utilizado um programa conhecido como Motion Capture ? 14 sensores colados ao corpo de Pelé, e acoplados a câmeras de alta definição, construíram uma escultura em movimento do craque. ?Como o Pelé, aos 62 anos, já não é rápido como antes, tive que acelerar as imagens?, diz Briquet.

Ana Paula Paiva

A HISTÓRIA AO VIVO: Vicente
Romano tinha 16 anos quando viu
o gol, registrado em apenas três
fotos. O esboço do lance, feito há
45 anos, serviu de inspiração
para o story-board da gravação
Confrontado com os 30 segundos eletrônicos, Pelé ancora-se num hábito que em qualquer ser humano soaria arrogante, mas com ele é engraçado: referir-se a Pelé na terceira pes-
soa. Diante dos jornalistas, na apresentação do filme, Edson Arantes do Nascimento afirmou:
?É difícil acreditar que o Pelé existiu, que ele tenha feito esse tipo de coisa?. Fez. O fascinante foi dar vida a um episódio lendário como tantos outros da carreira de Pelé, alimentado pelos anos. Não falta, também nessa trabalho de computador, boa dose de mitomania. Como, afinal, foram definidos os movimentos exatos daquela tarde de domingo? A resposta veio de um descendente de italianos, Vicente Romano Neto, hoje com 62 anos (tinha 17 naquele
tempo, a mesma idade de Pelé).

 

APRENDIZ: Briquet,
discípulo do francês Guy Lébrun, agora ensina jovens como Ancelmo de Castro
Foi ao jogo sozinho porque queria chegar cedo,
ao meio-dia, e o pai, torcedor fanático do time grená, ficou em casa. O velho ouviu a partida pelo rádio.
Quando Vicente retornou, o pai quis saber o que
ocorrera de tão espetacular descrito pelo locutor.
Vicente desenhou o gol num pedaço de papel ? guar-
dado durante 40 anos. Quando soube do filme de
Massaini e da caça ao gol perdido apresentou-se.
Fez uma decupagem, lance a lance. Esse story-board serviu de base para que Briquet, ao lado de Pelé e Massaini, definisse como registrar o momento histórico.