Na dose certa, baixas temperaturas fazem bem ao vinho. Em excesso, o frio pode impedir que as uvas produzam a quantidade necessária de açúcar, resultando em bebidas aguadas, sem corpo. Por isso, na vitivinicultura, desbravar fronteiras extremas de latitude é algo quase tão arriscado como perfurar a terra na esperança de encontrar petróleo. Correr esses dois riscos, simultaneamente, é para poucos. Que o diga Alejandro Bulgheroni, dono de uma das maiores fortunas da Argentina. Engenheiro e empresário bem-sucedido no ramo petroleiro, nas últimas décadas ele investiu cerca de US$ 1 bilhão em uma dezena de empreendimentos de altíssimo nível no ramo de vinhos. Adquiriu vinícolas em regiões já consagradas de França, Itália, Estados Unidos e Austrália, e segue em busca de novos terroirs. Em Maldonado, no Uruguai, onde não havia um pé de uva, ele criou a Bodega Garzón, eleita em 2018 a melhor do Novo Mundo pela crítica especializada. Sua mais recente aposta é a Otronia, vinícola fincada no paralelo 45,33 sul, na Patagônia Argentina, o limite austral para produção de uvas viníferas no continente.

Assim como a Garzón, a Bodega Otronia teve a consultoria do italiano Alberto Antonini. “Quando conheci essa propriedade, na região de Chubut, fiquei com uma sensação muito boa”, disse o enólogo, durante uma live na terça-feira (9). “Havia algumas videiras, plantadas de forma experimental, e elas pareciam felizes, muito férteis e saudáveis”, afirmou. Mesmo sem os dados climatológicos ou as análises do solo da região, Antonini recomendou o plantio de sete hectares de uvas de duas das variedades mais adaptadas ao clima frio: a branca chardonnay e a tinta pinot noir. Para reduzir o risco, recomendou mudas tanto da Borgonha quanto de Champagne, a região produtora mais fria da França. “Caso não tivéssemos sucesso com os brancos e tintos, poderíamos fazer espumantes”, disse.

MINERAIS Para sorte dos apreciadores de vinho, o resultado surpreendeu a todos. Ainda que as temperaturas baixíssimas da região, a 1.400 quilômetros ao sul de Mendoza, fossem uma ameaça, as uvas, de cultivo 100% orgânico, se saíram muito bem. Árvores foram plantadas nas laterais dos vinhedos para formar “paredes naturais” e assim controlar a intensidade dos ventos, que superam os 110 km/h. Segundo o enólogo Juan Pablo Murgiu, que vive o dia a dia da Bodega Otronia, enquanto o frio aporta pureza e elegância às uvas dali, o efeito do vento controlado sobre as plantas é torná-las mais saudáveis, naturalmente protegidas dos ataques de fungos e insetos. E, por estar mais perto do polo Sul, a luminosidade é maior. “Temos duas mais horas de sol por dia do que em Mendoza”, disse Murgia. Mais sol, mesmo sem calor, se traduz em concentração de açúcar, resultando em vinhos de até 13% de álcool.

OUSADIA Alberto Antonini, enólogo italiano que atua como consultor das vinícolas de Bulgheroni, e o vinhedo congelado em Chubut, na Patagônia. (Crédito:Divulgação)

Para Juliana La Pastina, da importadora World Wine, que acaba de trazer os rótulos para o Brasil, “os vinhos são minerais, limpos e elegantes”. No melhor estilo dos chardonnay e pinot noir da Borgonha.