Piadinha que corria em Brasília entre os adversários de Fernando Henrique Cardoso neste final de governo: ?Das cinco metas que o presidente prometeu cumprir no famoso gesto da mão espalmada, pelo menos uma desceu para o calcanhar ? o trabalho?. Sarcasmo oposicionista à parte, o desemprego realmente se transformou no dilema de FHC. Nenhum indicador econômico fustigou tanto a imagem do presidente do que as elevadíssimas taxas de desemprego registradas nos últimos oito anos. ?O governo Fernando Henrique patrocinou o maior desmonte trabalhista da história do País?, critica Márcio Pochmann, economista especializado no assunto e secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo. Segundo estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no início da era tucana,em 1995, o País tinha 4,5 milhões de trabalhadores na rua da amargura (6,1% da população economicamente ativa). No final do primeiro mandato, em 1998, a situação era ainda pior: os desempregados já somavam 6,9 milhões de pessoas. E saltaram para 7,8 milhões em 2001, sendo que no ano anterior, por meio do Censo Demográfico e de outra metodologia, o IBGE apurara espantosos 11,5 milhões de brasileiros sem ocupação (nada menos do que quase 15% da força de trabalho do País). Antes, em São Paulo, levavam-se 22 semanas, em média, para encontrar um novo emprego. Hoje, 50.

 

Há diversas causas que explicam esse quadro. Uma delas é a crescente automatização das fábricas, que progressivamente vêm substituindo seus operários por máquinas. O Brasil é o campeão de mecanização da América Latina. Responde por dois terços dos robôs instalados na região durante os últimos três anos, segundo a Comissão Econômica da ONU. ?A produção cresceu pouco na era FHC. As empresas tiveram que ganhar competitividade?, justifica Clarice Messer, diretora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp. Resultado: entre janeiro de 1995 e outubro último, 631 mil postos foram cortados nas linhas de produção paulistas, e o saldo entre contratações e demissões só não foi negativo em 2000. O crescimento econômico, ou melhor, a falta dele também deu grande contribuição. ?A política de juros altos emperrou o desenvolvimento?, diz Sérgio Mendonça, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). ?E quanto menor o crescimento, mais complicada é a geração de emprego.? O Brasil cresceu 2,6% no primeiro mandato de FHC e 2,2% no segundo. São índices menores do que os das chamadas ?décadas perdidas? (entre 1975 e 1994), quando a nação crescia a 3,5% ao ano, em média. ?O mercado recebe 1,5 milhão de novos trabalhadores a cada doze meses. Para absorver esse exército de mão-de-obra, a taxa de crescimento deveria ficar acima dos 4%?, calcula Mendonça. ?Prova disso é que, em 1999, crescemos 4,3% e o desemprego caiu de 19,3% para 17,6% na região metropolitana de São Paulo.?

Por meio do Ministério do Trabalho, o governo FHC até que tentou minimizar o caos, criando um cardápio abrangente de políticas sociais. Só com o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador, por exemplo, foram gastos R$ 2 bilhões no treinamento de 15 milhões de pessoas desde 1995. O Seguro Desemprego passou a beneficiar 4,5 milhões, contra 1,5 milhão do início do década de 90. E o Pró-Emprego, programa de estímulo setorial do BNDES, injetou R$ 9 bilhões na geração de novos postos de trabalho. Sem falar no Banco do Povo e outros mecanismos facilitadores de empréstimos para pequenos empreendedores. ?Na hora que desatarmos o nó do crescimento, o mercado estará pronto para absorver a mão-de-obra preparada durante todos esses anos?, avaliou o ministro do Trabalho, Paulo Jobim Filho, em entrevista à DINHEIRO. Os especialistas dizem que não é tão simples assim. ?As únicas vagas que estão se abrindo não demandam qualificação?, diz o economista Pochmann. Segundo ele, de cada dez novos postos que surgem, três são para empregadas domésticas e um para segurança. ?A realidade anda na contramão das ações de qualificação do trabalhador que nortearam a estratégia do governo. Seria pior sem elas, sem dúvida, mas o que se fez foi colocar band-aid em hemorragia?, completa Sérgio Mendonça, do Dieese.

Um dos reflexos perversos dessa situação é a profunda
alteração no perfil do emprego. A vida também piorou para
quem continuou trabalhando ou conseguiu serviço depois de
algum tempo de inatividade. A começar pela renda. De acordo
com pesquisa feita pelo IBGE nas seis principais capitais do País,
em 1995 o brasileiro ganhava R$ 724,59 por mês. Em 2001,
R$ 695,13. À primeira vista, pode até parecer uma redução
pequena. Mas ela se torna monstruosa quando colocada ao
lado da inflação acumulada do período: 134%, pelos dados do Dieese. E se não bastasse o salário menor, as horas trabalhadas aumentaram, seja na indústria, como no comércio e no setor de serviços. Em 1995, 41,4% dos assalariados brasileiros cumpriam mais do que uma jornada legal de oito horas. No ano passado, 43,2%. Mais: a quantidade de trabalhadores sem carteira assinada também subiu. De 11% para 14,2%, entre 1995 e 2001, no setor privado de São Paulo. No mesmo intervalo de tempo, o número de autônomos foi de 9,8% a 14,3%; e o de assalariados despencou de 80,7% para 72,4%. Tudo isso somado é o que os sociólogos chamam de ?precarização do emprego?. ?A bomba vai explodir lá na frente?, profetiza Mendonça. ?Uma parcela mínima dessa massa de gente que virou camelô e trabalhador por conta contribui com a Previdência. O déficit será insustentável daqui a 20 anos.?

Por outro lado, o desemprego transformou o Brasil no país mais empreendedor do mundo. Pelo menos 15% da população tem uma empresa ou comanda alguma atividade ? 40% o fazem por falta de oportunidade no mercado de trabalho. Os dados são do Global Entrepreneurship Monitor, um estudo que avalia o nível de empreendedorismo em 29 países. Nessa competição FHC conseguiu colocar o Brasil à frente das maiores potências econômicas do planeta. Mas, no frigir dos ovos, o recorde que ele leva para a vida longe do Palácio do Planalto é outro: com 3,1% da população economicamente ativa do mundo, somos responsáveis por 7% do desemprego global.

?TENTAMOS O POSSÍVEL?
O ministro Paulo Jobim diz que as reformas
trabalhistas ainda precisam ser feitas

DINHEIRO ? Como é que se gera emprego numa economia que não cresce o suficiente?
PAULO JOBIM FILHO ? A mola propulsora da geração de emprego é o crescimento econômico. Mas não só ele. Ao longo dos últimos oito anos, o Ministério do Trabalho e Emprego demonstrou um grande poder de fogo nessa questão. Apenas em 2002, estamos investindo R$ 8,1 bilhões em programas de geração de emprego.
Que programas são esses?
Programas de qualificação profissional e linhas de crédito para pequenos empreendedores de baixa renda. Para 2002 e 2003 está prevista a aplicação de R$ 700 milhões para gerar 470 mil empregos na zona rural.

Está dando certo qualificar o trabalhador, uma vez que a maioria das vagas abertas é para empregados domésticos?
Qualquer presidente da República que chegue ao poder assume o cargo com um déficit de 6 milhões de postos de trabalho. Um milhão e meio de jovens ingressam no mercado todos os anos. É preciso criar emprego para todos eles e também para todo o resto. O que não dá certo é ficar assistindo sem fazer nada.

A reforma trabalhista também não andou muito, não é?
Nossa estratégia foi fazer a reforma possível. Considero uma grande vitória a Lei das Comissões de Conciliação Prévia. Ela desafoga a Justiça Trabalhista, reduz custos e acelera as decisões em pendências entre empregador e empregado. Mas a grande virada virá com mudanças mais profundas. É possível garantir que, por meio de um mercado de trabalho mais aberto, sejam encontradas soluções que preservem as conquistas trabalhistas e atendam às necessidades de redução de custos produtivos. Mas essa história não começou bem.

Por quê?
O termo ?flexibilização? não é apropriado. Ele criou uma blindagem em torno da questão e agora todos acham que o que queremos é a simples retirada de todos os direitos básicos conquistados. Talvez o próximo presidente seja mais feliz usando o termo ?negociação?. Mas seja como for, a legislação precisa ser ajustada aos novos padrões de relação entre Capital e Trabalho.