A XP conheceu de perto o modelo de como organizar um grande evento para investidores com a empresa americana de serviços financeiros Charles Schwab, em 2011. “Fomos em seis para a feira e ficamos na casa de um dos sócios”, afirma Guilherme Benchimol, fundador da XP. “Dois meses depois, lançamos a Expert.” A primeira edição teve como palco o hotel Windsor, no Rio de Janeiro. “Eram 300 convidados e sete stands”, diz o executivo. Em 2019, a Expert XP já era o maior evento de investimentos do mundo, com 30 mil espectadores. Tudo levava a crer que a edição deste ano seria ainda maior. E foi. Iniciada na terça-feira (14) de forma 100% on-line devido à pandemia, ela atraiu um público impossível de reunir de outra maneira.
Com inscrições gratuitas e ilimitadas, mais de 1 milhão de pessoas acompanharam a noite de abertura. A programação anunciava nomes estelares: a mais recente vencedora do Prêmio Nobel de Economia, Esther Duflo; a ganhadora do Nobel da Paz, Malala Yousafzai; o ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair; o astro do basquete Magic Johnson; e a CEO da Nasdaq, Adena Friedman. Todos falaram diretamente de suas casas.

Como o assunto principal da Expert é investimento, ninguém melhor para abrir a programação de palestras do que o bilionário americano Ray Dalio, fundador do Bridgewater Associates, maior fundo de hedge do planeta, com nada menos do que US$ 140 bilhões sob sua gestão. “Ele foi o palestrante mais pedido em nossas pesquisas nos últimos cinco anos”, diz Karel Luketic, sócio e diretor-executivo de conteúdo digital da XP. A espera parece ter sido providencial. A apresentação de Dalio revelou ensinamentos que talvez nunca tenham sido tão necessários quanto agora, em um ano marcado pela destruição de certezas.

Segundo Dalio, o mundo pós-pandemia trará uma conjunção de três fatores que não era vista desde a turbulenta década de 1930, época da Grande Depressão e dos totalitarismos que levaram à Segunda Guerra Mundial. São eles: o fim de um longo ciclo de endividamento; o aumento da desigualdade da riqueza, com disparidade de valores ideológicos e divisão política em níveis recordes; e, não menos importante, a ascensão de uma segunda potência global, a China, para desafiar a supremacia dos EUA. Dalio acredita que a China está ascendendo como um poder como nunca existiu. Ele lembrou que a União Soviética foi uma potência militar, mas não econômica. “Há quatro guerras ocorrendo agora”, afirma. “Uma comercial, outra de tecnologia, outra geopolítica. E podemos ter uma guerra de capital.” Nesse caso, há implicações em diversas dimensões, sobretudo no que afeta o mercado e a economia. Na visão de Dalio, talvez reste aos Estados Unidos apenas o domínio cultural, o “soft power”, uma vez que até mesmo a liderança tecnológica dos americanos pode ser reduzida.

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“É preciso liderança política não interessada na política partidária. tem de buscar a eficiência, as políticas que funcionam” Tony Blair, ex-premiê Britânico.

Ainda segundo Dalio, isso significa que o dólar corre riscos como nunca desde que se estabeleceu como reserva global, após 1945. Ao ter esse status, e a possibilidade de emissão ilimitada para suprir o mundo, a moeda permite ao governo americano financiar os seus déficits anuais e, com isso, gastar mais do que arrecada. O país, no entanto, estaria abusando desse privilégio, o que pode tirar valor da moeda. Tamanhos riscos somados levam, na análise de Dalio, a uma única conclusão: quem investe tem a necessidade de diversificar. Isso, porém, não significa simplesmente adquirir ativos diferentes. Se o investidor tiver 10 ativos com 60% de aderência entre eles, um único evento pode derrubar a carteira inteira. É preciso, então, diversificar em “ativos, moedas e países”.

“Qual é o Santo Graal para ganhar dinheiro? Ter 10 ou mais, 15, bons investimentos não correlacionados”, afirma Dalio. Isso porque a riqueza nunca é destruída. Ela circula. “É como um balão. Está sempre se movendo. Se um país tem uma década perdida, é porque o valor foi para outro lugar.” Dessa forma, ações de empresas de demanda estável e sólidas seriam a melhor escolha. “Dinheiro, hoje, é o pior dos ativos para investimentos”, diz. “As pessoas pensam que é o mais seguro, por não ter volatilidade, mas na verdade tem retorno real negativo. Quanto mais se tem, mais se desvaloriza.” Ele lembrou que a última vez que o mundo deparou com taxas de juros reais negativas e uma grande necessidade de emissão de moeda foi exatamente nos anos 1930.

TONY BLAIR A guerra comercial, política, de negócios e tecnológica entre os Estados Unidos e a China também permeou a apresentação do britânico Tony Blair. O ex-primeiro-ministro trabalhista não acredita que a rivalidade entre os dois países seja uma nova Guerra Fria. “A analogia não funciona”, diz. Isso porque, segundo ele, foi só após a disputa com a União Soviética culminar na queda do Muro de Berlim que os EUA passaram a importar produtos da antiga rival. Hoje, o grau de globalização torna as maiores economias intrinsecamente interligadas do ponto de vista comercial e de fluxo de capitais.

No entanto, ele prevê uma relação “muito confrontacional” de EUA, Europa, Austrália, Canadá e Índia com a China. “Precisamos ter a certeza de adotar uma posição estratégica, não reagir a tudo o que fizerem”, afirma. “Será de vital importância para as relações globais entender quando faz sentido agir e acomodar o fato de que será muito mais difícil lidar com o regime chinês do que esperávamos.” Antigamente, se acreditava que a China ficaria mais democrática e ocidentalizada à medida em que o país enriquecesse. Mas, ao mesmo tempo em que a ascensão chinesa se tornou inevitável, o presidente Xi Jinping reforçou, na última década, o pulso firme do Partido Comunista sobre os cidadãos e nas suas relações com o resto do mundo. Ou seja, a expectativa foi frustrada. Lidar com a China que avança sobre a economia sem se converter ao capitalismo é um desafio inesperado.

Tony Blair sabe o que diz. Ele foi, nos anos 1990, o arauto da chamada Terceira Via, um ideário que buscava combinar as melhores práticas do liberalismo e da social-democracia. “No governo, eu percebi que a eficiência é a melhor forma de diferenciar dois países com histórias e recursos similares”, lembra, exemplificando que seria isso o que separa os resultados econômicos de Colômbia e Venezuela, de Burundi e Uganda, de Coreia do Sul e Coreia do Norte. “É preciso liderança política não interessada na política partidária. Tem de buscar a eficiência, as políticas que funcionam”, diz. “Muita ideologia em volta do governo atrapalha. Governar requer soluções práticas.” Blair acredita que a boa gestão tende ao centro do espectro político e aos planos de longo prazo. Para o Brasil, ele deixou uma importante lição: num mundo cada vez mais tecnológico, “falhar em educar será falhar em ter sucesso”.

CENÁRIO LOCAL Como na necessidade de reformar a educação, o futuro da economia brasileira passa pelas decisões que estão sendo tomadas hoje. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, tem sido um líder para as aprovações de medidas emergenciais – e que precisarão ser revertidas no futuro próximo, sob o risco de causar descalabro fiscal. Maia deverá continuar sendo o protagonista da agenda positiva capaz de colocar o País nos eixos quando os efeitos da pandemia forem dispersando. Em sua fala no evento, o parlamentar defendeu, na quarta-feira (15), que será necessário discutir o teto de gastos, que agora precisa ser preservado para manter a estabilidade fiscal e dar garantias de solvência para que investidores acreditem no País.

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“Dinheiro é o pior dos ativos para investimento hoje. as pessoas pensam que é o mais seguro, mas tem retorno real negativo. mais se tem, mais se desvaloriza” Ray Dalio, Bilionário e Investidor, Fundador do Bridgewater Associates.

Se mudanças macroeconômicas e globais que já estavam em curso parecem ter sido aceleradas fortemente pela pandemia, talvez as pessoas não percebam tanto o tamanho da revolução pela qual passamos quanto em seus trabalhos. E esse foi o tema principal do painel que reuniu grandes líderes empresariais. Carlos Brito, CEO da AB Inbev, defendeu que “os consumidores vão começar a pressionar as empresas para que tenham menos impacto ambiental”. Com isso, as cadeias de suprimentos vão se tornar mais locais. A forma de pensar os processos será afetada como um todo. Para José Galló, presidente do conselho da Renner, os “executivos estão sempre pensando na continuidade dos negócios, mas agora precisaram buscar a transformação, uma visão disruptiva do mercado, e não só na relação com os fornecedores”. Segundo ele, isso levará as empresas a evitar burocracias complexas e ir em direção à simplicidade e à resiliência. “O furacão tem sua parte destrutiva, mas também tem muita energia”, diz Galló. “Essa crise, da mesma forma, tem uma dose de energia que vai fazer com que as pessoas descubram um potencial que não sabiam que tinham.”