No segundo semestre de 2022, quase meio milhão de brasileiros renegociaram suas dívidas e voltaram a ter acesso a crédito graças ao TikTok. Entre dancinhas de adolescentes e vídeos engraçados, a plataforma apresentava a campanha Limpa Nome da Serasa, com proposta de parcelamento, descontos e renegociação de dívidas para a comunidade da rede social. No auge da ação, em outubro, 164 mil pessoas do aplicativo aderiram a acordos para acabar com as restrições de crédito e aumentar o score. Achou muito? Não é. Apesar do sucesso da iniciativa, foi apenas uma pequena fração dos 68 milhões de brasileiros que estão negativados, o equivalente à população do Reino Unido. A inadimplência somada de pessoas físicas e empresas (6,2 milhões de CNPJs) chega a impressionantes R$ 391,4 bilhões — mais do que o PIB do Uruguai, de R$ 310 bilhões.

É nesse oceano de cifras e dados negativos que a irlandesa Serasa Experian, maior empresa de análise de crédito do mundo, com faturamento global de US$ 5,3 bilhões e de R$ 3,6 bilhões no Brasil (no último ano fiscal, encerrado em março), quer se reinventar e crescer. Sinônimo de nome sujo, a companhia comandada pelo CEO Valdemir Bertolo no País definiu uma estratégia para construir uma nova reputação, mais positiva e amigável à população. O plano é se tornar um hub de serviços financeiros, de olho na expansão de mais de R$ 1,5 trilhão em crédito até 2030, segundo estimativa da empresa.

Em vez de fechar as portas do crédito para a população, a Serasa tem investido pesado para se consolidar como um marketplace de crédito. Além de serviços como o Serasa Premium, que oferece monitoramento em tempo real do CPF por um valor mensal de assinatura, o app da empresa criou um buscador de financiamentos para quem procura menores taxas de melhores condições. A plataforma propõe, de acordo com o perfil de cada cliente e do score de crédito (nota de risco, de zero a mil), cartões de crédito, empréstimo pessoal, financiamento de automóvel e dinheiro com garantia de imóvel, sob a consultoria de analistas de crédito.

CADÊ O CRÉDITO? Com 68 milhões de brasileiros negativados, a atividade econômica não deslancha. (Crédito:Danilo Verpa)

No app da Serasa também é possível parcelar o IPVA, fazer um consórcio da Porto Seguro ou abrir uma conta corrente no Santander e no Banco Pan, entre outros parceiros do sistema financeiro. “Os bancos precisam de clientes, mas não têm muitas informações. Os clientes precisam de crédito com custos mais baixos. Nós temos as informações, os clientes e os comparadores. Fazemos o match entre eles”, afirmou Bertolo.

A missão de intermediar o endividamento dos brasileiros, não apenas negativar os devedores, está em pleno curso. De janeiro a dezembro, a empresa ajudou a solucionar 34 milhões de dívidas, presencialmente nos feirões ou em negociações on-line. Bom para as instituições financeiras, melhor ainda para os consumidores. As renegociações, segundo a Serasa, renderam desconto de mais de R$ 60 bilhões para os clientes.

O potencial de negócios para a Serasa é imenso. Na avaliação de Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a inadimplência tende a crescer nos próximos meses, embora esteja relativamente controlada em um cenário de maior cautela dos bancos na liberação de empréstimos e da própria retração de demanda por parte das famílias, já endividadas por empréstimos passados. “O cenário de juros altos e da desaceleração da atividade econômica, que provocam menor geração de renda e emprego, vai manter a inadimplência alta”, afirmou.

INVESTIMENTOS Para colocar bancos e clientes em um único ecossistema de busca e de informações, a Serasa investiu mais de R$ 300 milhões nos últimos dois anos em aquisições e participação em fintechs Brasil afora. Entre as que a empresa assumiu participação majoritária estão a BrScan (especializada em verificação de documentos de identificação pessoal), a Brain Ag (empresa de big data para operações financeiras do agronegócio), a Pague Veloz (fintech catarinense de pagamentos e recebimentos digitais) e a Mova (de tecnologia bancária de meios de pagamento). Já entre as que comprou fatia minoritária estão a Traive (startup de crédito agrícola) e a Payhop (especializada em crédito para varejistas por meio de recebíveis do cartão de crédito como garantia).

Com um olho nas oportunidades de aquisição e outro no potencial de crescimento do mercado de crédito, a Serasa busca garantir um futuro ainda mais positivo para os negócios e para sua reputação. A empresa, literalmente, quer o seu nome. Desta vez, por uma boa causa.

“O crédito do Brasil ainda é muito pequeno. Tem espaço para dobrar” 
Valdemir Bertolo, CEO da Serasa Experian

Claudio Gatti

Aumentar o crédito não é um risco com renda comprimida e baixo crescimento?
O mercado de crédito do Brasil ainda é muito pequeno. Tem espaço para dobrar. Apenas cerca 54% do PIB. Em países desenvolvidos, passa de 100% do PIB. O mercado de crédito esteve praticamente estagnado nos últimos 30 anos.

Por que o crédito não cresce?
Além das questões macroeconômicas, os critérios para liberação de crédito são baseadas em cadastro negativo. Por isso, muita gente tem medo da Serasa. Durante décadas, a liberação de financiamentos era basicamente apoiada em dado negativo. E o Banco Central tem liderado muitas medidas para favorecer o crédito.

Quais medidas?
Muitas. O Open Banking, que integra dados de diferentes instituições, e o Cadastro Positivo, que atribuiu uma nota de crédito com base no histórico, não apenas em uma fase da vida, são exemplos. Até 2030, mais de R$ 1,5 trilhão em crédito deve entrar em circulação na economia graças ao Cadastro Positivo. Nos últimos três anos, trouxe bastante inclusão. Beneficiou mais de 22,5 milhões de pessoas que tiveram o seu score de crédito avaliado pelos bancos. Então, o Banco Central lançou medidas muito bem pensadas e técnicas.

O mesmo Banco Central que estimula o crédito elevou os juros para um patamar proibitivo. Foram medidas políticas?
Não vejo nada de político por trás disso. Só vi decisões técnicas. Os juros subiram forte por conta da inflação nos últimos meses. A taxa de juros não é um obstáculo para o crédito. Não é impeditivo.

Por que, então, o calote está alto?
O Brasil tem 135 milhões de pessoas economicamente ativas. E inadimplência de 68 milhões, pouco mais de 50%. Isso é, sim, um desafio, mas a inadimplência é composta por vários fatores, como desemprego e inflação. Não só os juros. A falta de competitividade no mercado de crédito contribuiu para a elevação dos custos.

Como resolver isso?
Uma grande sacada do BC é colaterização do crédito. Ou seja, é como usar recebíveis do cartão de crédito para pegar um empréstimo. Uma garantia. Isso faz com que diminua o risco da operação e, por consequência, reduza os juros. No caso de pessoas físicas, pode incluir imóveis como garantia, como era a hipoteca. Tudo isso vai permitir a colaterização, diminuir os juros e abrir espaço para a concorrência.

Os pequenos bancos não conseguem conceder crédito em grande escala…
A fragmentação será gradual. As fintechs tem começado com carteira digital. Elas têm um papel importante de democratizar o acesso. Os bancos têm vontade de expandir o crédito, mas falta informação. Antes, o que se podia saber era nome, CPF e endereço. E se tinha negativação ou não. Isso é muito pobre.

E a proteção de dados?
É aí que entramos, com um pacote maior de informações, com Open Banking, Cadastro Positivo e tudo mais. Com consentimento. Temos formas muito mais assertivas para transformar os consumidores em pessoas visíveis para o sistema financeiro. Mesmo assim, a gente ainda tem praticamente 35 milhões de consumidores invisíveis para os bancos por falta de informação. Aos poucos, quebrando esse paradigma da informação muito limitada.