No momento em que o Brasil revive o fantasma de um apagão na energia, diversificar as matrizes é a saída para que o cenário atual tenha um desfecho diferente daquele enfrentado há exatos 20 anos. Em 2001, 90% da eletricidade vinha de recursos hídricos. Atualmente, essa participação está abaixo de 60%. Quem ganha espaço é a geração eólica, a partir dos bons ventos brasileiros. Hoje, essa matriz representa 10,8% do total do quadro energético do País, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Com o vento a seu favor, a Votorantim Energia, controlada pela holding da família Ermírio de Moraes, acelerou o ritmo de investimentos para a geração de energia limpa. Entre 2021 e 2022, serão destinados R$ 2 bilhões para a construção de dez parques eólicos no Piauí e em Pernambuco.“A energia eólica tem enorme potencial e, com a solar, vai dominar a expansão da geração de energia no País”, disse Fabio Zanfelice, CEO da Votorantim Energia.

Terceira maior comercializadora de energia do Brasil, a empresa foi criada em 2000 para administrar os ativos próprios de geração da Votorantim S.A. Desde 2013, passou a fornecer para o mercado e hoje conta com cerca de 400 clientes. Com faturamento de R$ 3,6 bilhões em 2020 (queda de 14% sobre 2019), a Votorantim Energia responde por 10% da receita total da holding, que no ano passado fechou em R$ 36,7 bilhões. No primeiro trimestre deste ano, faturou R$ 777 milhões, com lucro líquido de R$ 56 milhões no período.

Divulgação

O novo projeto da empresa irá se somar aos 21 parques eólicos, em operação desde 2017, sete no complexo Ventos do Piauí I (em Curral Novo do Piauí), e 14 no complexo Ventos do Araripe III, que abrange também os municípios de Simões (PI) e Araripina (PE). Foram aportados R$ 3 bilhões entre 2015 e 2017. Hoje, a capacidade instalada dos dois projetos em atividade alcança 570 megawatts (MW) de geração. Com os 409 MW do projeto em construção, a empresa irá chegar perto de 1 GW de energia eólica. Dessa nova soma, 60% da geração já está comercializada e irá atender duas empresas da própria Votorantim, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e a Votorantim Cimentos. Os outros 40% serão vendidos no mercado livre de energia.

SOLAR E EÓLICA A partir desses investimentos, a companhia decidiu dar um salto no planejamento para colocar em prática uma novidade no sistema energético brasileiro, que é a otimização das matrizes. No mês passado, recebeu autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para erguer o projeto-piloto híbrido do Brasil, com geração de energia eólica e solar no mesmo parque, no Piauí, e capacidade inicial para gerar 68,7 MW, com pico de 85,2 MW. Com mais ventos à noite, o sistema usaria o modelo solar durante o dia, ganhando mais escala no mesmo parque energético, dividindo a estrutura. O piloto será executado pela joint venture formada pela Votorantim Energia e Canada Pension Plan Investment Board(CPP Investiments), que irá investir R$ 230 milhões na contrução da unidade fotovoltaica conectada ao Ventos do Piauí I. Do total aportado, R$ 189,98 milhões virão de linha de financiamento aprovada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A otimização dos custos é um dos grandes benefícios desse sistema conjunto. “Do ponto de vista de inovação para o País, é um salto fantástico”, afirmou Zanfelice. “É um case de pioneirismo e inovação e pode trazer ganhos tanto de economia quanto de competitividade para fontes renováveis”, disse o executivo.

Divulgação

“Não há outro caminho. O mundo está investindo em energia renovável. Hoje, a eólica é a que tem menor custo de produção, abaixo de hidrelétricas” Elbia Gannoum Presidente-executiva da Abeeólica.

Com a perspectiva, o modelo solar poderia representar 30% de um parque híbrido, o que significa que, quando o novo complexo eólico estiver concluído, a capacidade de energia pelo sol da Votorantim Energia pode alcançar 300 MW. Isso, claro, quando a Aneel liberar de fato a instalação desse sistema compartilhado no Brasil, além do projeto-piloto. A outorga é para um período de cinco anos de testes. A partir do sexto, o sistema terá de se enquadrar à nova regra em vigor. Ainda não há regulamentação da Aneel para as usinas híbridas, que está na fase de consulta pública sobre o tema. “O processo está avançado e acredito que o Brasil tenha um modelo definido até o ano que vem”, afirmou Zanfelice.

Além dos parques eólicos, a Votorantim Energia administra mais 28 usinas hidrelétricas no Brasil, incluindo a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), da qual detém 40% de participação e controle acionário. Da capacidade de 2,5 gigawatts (GW) sob gestão da companhia, 1,988 GW vêm de geração hídrica. Mas a energia a partir do vento vem ganhando espaço em um ritmo acelerado. Com os novos investimentos projetados, a geração de energia eólica saltará dos atuais 22% do total da empresa para 38% a partir de 2023.

CRESCIMENTO COM O VENTO Da atual capacidade de 2,5 gigawatts da Votorantim Energia, 22% vem da geração dos parques eólicos. A partir de 2023, essa participação chegará a 38%. (Crédito:Paulo Guimaraes)

EXPANSÃO O otimismo da Votorantim Energia com o setor eólico faz todo sentido. Relatório do Infovento 21, produzido pela Abeeólica, mostra que o Brasil terá, em 2024, 30 GW de capacidade eólica instalada. Hoje, são 19,1 GW (o equivalente ao abastecimento mensal de 28,8 milhões de residências) em 726 parques eólicos instalados em 12 estados. Dos cinco primeiros, quatro estão no Nordeste (pela ordem, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Piauí). Rio Grande do Sul fecha o top five. Segundo dados do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC), o Brasil hoje ocupa a sétima colocação no ranking mundial. Em 2012, era o 15º.

A presidente-executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum, acredita que o Brasil pode crescer três pontos porcentuais na geração eólica e chegar a 14% até o fim do ano. “A melhor maneira para combater risco de racionamento de energia é adotar o modelo de diversificação de portfólio”, afirmou. “A partir dos primeiros projetos eólicos no Brasil, em 2006, passamos a conhecer melhor nosso potencial de vento. Hoje, a eólica é a fonte que tem menor custo de produção, abaixo de hidrelétricas.” Para ela, o projeto híbrido da Votorantim Energia é um avanço. “Não há outro caminho. O mundo está investindo em energias renováveis. Esse projeto-piloto é um arranjo técnico e econômico fantástico.”

Divulgação

“As principais usinas hoje em construção no Brasil são eólicas e e solares para o mercado livre de energia. E quanto mais, melhor” Reginaldo Medeiros Presidente-executivo da Abraceel.

Ainda que com a diversificação de matrizes energéticas, há a necessidade de ações mais efetivas do governo federal para que o risco de racionamento de energia seja minimizado. Quem enxerga dessa forma é o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros. “É preciso criar campanhas que estimulem o uso racional de energia elétrica para passar esse período de escassez hídrica”, disse. “As principais usinas hoje em construção no País são eólicas e solares para omercado livre. E quantos mais, melhor”, afirmou. A lição está posta para o Brasil não repetir o resultado da crise de energia do início do século: sol, vento e muito investimento.