?A economia não existe como uma ilha separada da política.? O dono da afirmação tem 71 anos, olhos muito azuis e sorriso imenso. É um experimentado profissional da comunicação e sabe acender a audiência com mudanças bruscas. A frase acima veio em resposta a uma pergunta-padrão sobre a economia mundial. Ele acabara de chegar a São Paulo, vindo da Coréia, e revelou-se impressionado com o potencial de instabilidade da Ásia. ?Existe uma possibilidade pequena, mas concreta, de que uma rebelião na China crie confusão na economia global?, afirmou à DINHEIRO Alvin Toffler, conhecidíssimo autor de a Terceira Onda, livro que esteve na lista de best sellers americanos por uma década e cujo título virou um manjadíssimo clichê. Nele, Toffler previu, em 1980, que a economia mundial seria gradualmente dominada pelas áreas de conhecimento e serviços, em oposição à agricultura e à indústria. A transformação aconteceu e ele adquiriu o status tipicamente americano de oráculo. Nessa condição, passou a quarta-feira 3 encerrado no Hotel Meliá de São Paulo, onde fez uma palestra para convidados da Microsoft e deu entrevistas movidas a água e café descafeinado.

Como seria inevitável, um dos temas das conversas foi a Bolsa de Valores americana e a nova economia ? temas que Toffler trata de forma surpreendentemente estanque. Ele sustenta que a Bolsa não é mais do que a ?manifestação do desejo? das pessoas e dos rumores da imprensa, e que nada tem a ver com a chamada economia real. Esta, diz ele, caminha rápido para a digitalização, a fragmentação e a personificação dos produtos. ?Todo mundo escreve sobre a revolução digital, mas ninguém se pergunta por que ela está acontecendo?, diz ele. ?E a resposta é que as organizações empresariais estão se tornando mais complexas, demandam mais informação. Isso é irreversível. Vai continuar, a despeito da Nasdaq?. Mas o futurólogo não gosta de comprimir o futuro na camisa apertada da revolução digital. Outras transformações radicais estão ocorrendo diariamente, diz ele, em cada área do conhecimento ? especialmente na biologia. Juntas, essas revoluções parciais servirão a uma total mudança da natureza do capital, que vai se tornar crescentemente intelectual e intangível. ?Quando vou comprar ações de uma empresa de software, não quero saber quais são suas propriedades físicas. O que me interessa é o que está na cabeça dos criadores de programas?, exemplifica.

OK, mas isso não é novo, é? Um dos problemas de Toffler ? e de sua esposa Heidi, que pesquisa e escreve com ele ? é que o futuro anda meio previsível. Talvez até como conseqüência do seu próprio sucesso, tudo o que o simpático futurólogo diz soa tremendamente familiar. Isso se reflete na sua dificuldade em manter o cronograma de um novo livro a cada 10 anos. Os três últimos foram lançados em 70, 80 e 90. O próximo sairá, ?talvez?, em 2002. Afinal, oráculos não têm apenas de ser acurados. Precisam dizer coisas inéditas. No passado, Toffler conseguiu causar impacto. Ele se gaba de ter entregue à AT&T, em 1970, um estudo no qual antecipava a necessidade de dividir a empresa ? algo que ocorreria, por ordem da Justiça americana, em 1984. Seu Terceira Onda saiu de moda, mas apenas depois de ter vendido 10 milhões de cópias e ser incorporado ao vocabulário corrente dos negócios. Não deixa de ser surpreendente, nesse mundo de especialistas, que o homem que navega com desenvoltura pela economia, a política e a técnica seja graduado em inglês. Isso mesmo: ele é formado em Letras e se define como ?especialista em generalidades.? Antes de ganhar a vida como escritor e conferencista, foi de tudo, inclusive jornalista de uma publicação especializada em… solda. Toffler lembra com carinho que durante um ano foi o sujeito que analisava os projetos de espetáculos de arte que seriam patrocinados pela Fundação Rockefeller. Hoje, celebridade internacional, vive próximo a Los Angeles e se declara rico e contente ? ?ao menos comparado com a média das pessoas?.

Mercado perfeito. Estaria o senhor Toffler, um dos usuários pioneiros das redes de computador, também encantado com a Internet? Mais ou menos. Ele descarta solenemente a idéia de que a Web vá criar o mercado sem atrito, aquele sonho da abstração econômica em que todo agente sabe todos os preços a todo momento, e pode, portanto, decidir com base na perfeita competição. ?Não acredito em nada disso?, diz o futurólogo. ?A grande revolução da Internet será criar mercados onde antes não existiam mercados.? Ele quer dizer que pequenos produtores de uma variedade de café colombiano podem encontrar na rede os consumidores ideais para a sua produção, ainda que estejam num subúrbio de Denver, no Colorado. Há que tomar cuidado, porém, com a arrogância dos americanos. ?Os russos quase destruíram sua economia porque uns sujeitos do MIT convenceram o governo que seria possível reproduzir o modelo americano em uma ano?, diz Toffler. Vale o mesmo na Internet. Cada país e cada indústria têm de inventar suas próprias soluções, recomenda o futurólogo, mas seria realmente estúpido não se informar sobre o que os americanos estão fazendo. ?É melhor ter um mapa precário do futuro do que não ter mapa nenhum?. Touché.