Com a pandemia, uma boa parte da força de trabalho do mundo se viu forçada a passar mais tempo em casa, dividindo a rotina entre o expediente formal e os afazeres domésticos. A necessidade de evitar a circulação e despertou um novo sentimento de carinho pela moradia. Muitos investiram em móveis, renovaram o escritório, se tornaram “pais de plantas”. Alguns deixaram a cidade e foram para suas casas de veraneio, no campo ou na praia, aproveitando os momentos longe do computador para curtir a natureza. Mas essa tendência, que alguns viam como irreversível, pode, na verdade, ser passageira.

Essa é a opinião de Peter Kronstrom, diretor do Instituto de Copenhagen de Estudos Futuros para a América Latina, organização que atua na análise de tendências de mercado e comportamento dos consumidores. “O mercado imobiliário tem um ciclo mais longo. De imediato temos uma valorização da casa, uma explosão de uso de apps como Netflix, iFood, etc. Mas a longo prazo veremos outros padrões”, afirmou o dinamarquês que vive no Brasil há 10 anos e participou, recentemente, do Connectarch Summit, evento que discutiu futuros possíveis com foco em arquitetura e design.

A principal tendência está relacionada ao nomadismo provocado pelo home office. O estilo de vida sem residência fixa não é exatamente novo e foi tema de Nomadland, filme da diretora Chloé Zao que venceu o Oscar neste ano. Mas com mais gente experimentando o trabalho remoto, o número de adepto cresceu muito – e deve continuar subindo. “Há alguns anos, lançamos um estudo que mostrava o que chamo de liberdade de ser dono. Ter uma casa ou um carro perde o valor. As pessoas buscam flexibilidade”, disse.

Alguns dados recentes reforçam essa percepção. Levantamento feito pela consultoria MBO Partners mostra que o número de nômades digitais subiu quase 50% nos Estados Unidos em 2020, superando 11 milhões de pessoas. E que esse estilo de vida, associado a trabalhadores freelancers, passou a ser dominado por empregados formais. Outros 45 milhões de americanos podem se tornar adotar esse estilo de vida nos próximos três anos. Uma pesquisa feita pelo serviço de hospedagem Airbnb aponta também que as estadias mais longas, de no mínimo quatro semanas, dobraram entre 2019 e os primeiros meses de 2021.

Nem todos vão conseguir aproveitar essa nova realidade, no entanto. Um estudo da consultoria McKinsey aponta que entre 60% e 70% dos americanos trabalham em setores em que não há possibilidade de aderir a um formato remoto. No Brasil, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mostrou que pouco mais de 10% dos 74 milhões de profissionais do País trabalharam remotamente entre maio e novembro de 2020. Além disso, a casa própria ainda ocupa o topo das prioridades dos brasileiros.

FUTUROS POSSÍVEIS O nomadismo não é a única tendência que será acelerada no pós-pandemia. O futuro do morar envolve outras mudanças de comportamento. Uma delas está relacionada à mobilidade. “Cerca de 90% dos deslocamentos hoje são vinculados à conveniência, à necessidade de ir ao trabalho. Em 10, 15 anos, com a automação, a maior parte desses deslocamentos será feita por lazer”, disse Kronstrom. Outra diz respeito à preocupação com a sustentabilidade. “Estudamos o conceito de cidades regenerativas, em que recursos são reutilizados e o consumidor e o produtor se unem em uma coisa só”, afirmou Kronstrom. Fazendas verticais, painéis solares e outras tecnologias devem ser incorporadas às moradias.

Essa é uma tendência que o mercado imobiliário precisa ficar atento e aplicar em novos projetos. “Estudos mostram que o consumidor final ainda põe conveniência acima da sustentabilidade na hora de decidir”, disse Kronstrom. O setor precisa vislumbrar soluções que tornem as fontes de energia renovável, por exemplo, mais viáveis que as tradicionais. Isso inclui também modelos de vivência da cidade que levam em conta a mobilidade ativa . Segundo o futurologista, nada está escrito na pedra, mas as possibilidades são envolvem uma visão inclusiva da sociedade. O trabalho para que isso se torne realidade, no entanto, é enorme. “O bom dos estudos de futuro é que eles nos dão tempo para nos adaptarmos”, afirmou Kronstrom.