A publicitária americana Nancy Harhut faz estudos há mais de uma década sobre a aplicação de neurociência no marketing. Como consultora e chefe de criação de sua própria agência, a Nancy Harhut & Associates, ela teve uma das palestras mais disputadas do SXSW deste ano, evento em Austin, no Texas, que congrega festival de cinema, música, mídia interativa e conferências. O interesse estava em torno de suas pesquisas sobre como usar os dados para aprimorar a experiência do consumidor, e combiná-los com a ciência do comportamento humano. Em agosto, a empresa de software Adobe a trouxe ao Brasil para apresentar uma palestra sobre o tema. “Muitas vezes pensamos que, como consumidores, estamos no controle”, disse à DINHEIRO. “Geralmente não sabemos por que fazemos as coisas. Estamos sempre respondendo instintivamente, tomando decisões automáticas.” Leia, a seguir, a entrevista:

DINHEIRO – Como usar o grande volume de dados coletados hoje, por exemplo, pela internet para fazer campanhas publicitárias mais eficientes?

NANCY HARHUT – No passado, as empresas precisavam ter um produto muito bom e uma boa localização. E isso bastava para os consumidores optarem por certa marca. Nos dias de hoje, isso mudou. Existe muita competição. Muitas empresas possuem produtos parecidos e com preços similares. A experiência do consumidor, então, pode ser o fator decisivo para uma compra. Quem oferece a melhor experiência pode conseguir mais negócios. E, se ela não for boa, os clientes se afastam. Há diversas formas de se melhorar essa relação com o consumidor. E uma delas é com o uso de dados.

DINHEIRO – Como usá-los de forma que tragam resultados, de fato?

HARHUT – Eles podem ser utilizados de forma estratégica. É a informação que vai ajudar a determinar com quem uma marca deve falar. O dado vai direcionar também quando fazer isso e o que deveria pedir para o cliente fazer. O anunciante pode pedir para o consumidor realizar a sua primeira compra, ou que aproveite para completar uma compra maior. O dado vai ajudar o marketing a identificar o alvo, quando ele deve ser atingido e o que pedir.

DINHEIRO – Então, serve principalmente como ponto de partida?

HARHUT – Sim. Por cima dessas informações, é preciso aplicar a ciência do comportamento, que ensina como apresentar a mensagem de forma que o cliente esteja mais receptivo a recebê-la. O dado vai dar o ‘timing’ da comunicação. E a ciência do comportamento vai dizer como posicionar a mensagem e o design do anúncio. Por exemplo, um de seus princípios é algo chamado de fluência cognitiva. É um termo que parece complicado, mas é fácil de entender. As pessoas preferem coisas que são mais simples, sobre as quais é mais fácil pensar e chegar a uma conclusão. Isso é óbvio. Mas, além disso, os consumidores também consideram as coisas mais simples de serem pensadas como algo mais verdadeiro e mais preciso. Tudo isso faz com que fiquem mais confiantes para tomar uma decisão de compra.

DINHEIRO – Como aplicar isso na prática?

HARHUT – A fluência cognitiva tem dois aspectos: as palavras que são usadas e o design, o visual da mensagem. Você tem de fazer mais simples, mais fácil. Há estudos que dizem que usar fontes fáceis de serem lidas faz a diferença. Se a publicidade trouxer algo difícil de ler, as pessoas tendem a pensar que o conteúdo da mensagem também é difícil de fazer. Há um estudo da Universidade de Michigan que pediu às pessoas lerem uma receita de comida. As pessoas liam a mesma receita com uma fonte fácil de ler e outra difícil. E deviam dizer quanto tempo achavam que levariam para preparar a refeição. As pessoas que leram a fonte complicada disseram que precisariam de 59% mais tempo para fazer. Esse estudo tem implicações para o marketing. Quando o anúncio pede às pessoas que abram uma conta de banco ou que escolham uma apólice de seguro de vida, as fontes difíceis levam o consumidor a pensar que vai ser difícil o processo, e elas não vão querer fazer.

DINHEIRO – Quais outros exemplos da ciência do comportamento podem ter grande impacto numa campanha?

HARHUT – Outro princípio da ciência do comportamento é a aversão à perda. Os cientistas dessa disciplina perceberam que as pessoas são duas vezes mais motivadas a evitar a dor do que alcançar um ganho ou um prazer. O problema é que o marketing se refere a ganhos, sobre os benefícios que se conseguirá se comprar um serviço ou produto. E isso é bom. Não digo para não fazer esse tipo de marketing. Ele deve ser feito. Mas, se quiser adicionar aversão à perda nessa receita é fácil. Em vez de dizer: ‘aproveite esta venda’, pode comunicar: ‘não perca’. É uma sutileza que dará a impressão ao cliente de que ele pode perder algo, e que isso pode trazer consequências no futuro. Se ele perder a oportunidade, vai ser ruim. É melhor dizer: “10 erros que você gostaria de evitar”, em vez de “10 coisas que deveria sempre fazer”. As pessoas vão preferir a primeira, porque não querem cometer os erros. É nisso onde o dado e a ciência do comportamento podem andar juntos. Descobrir para quem quero dizer algo e como dizer de forma mais eficiente.

Consumidora em supermercado em São Paulo (Crédito:Daniel Teixeira)

DINHEIRO – Não apenas a mensagem, mas a forma de apresentar faz diferença?

HARHUT – Um exemplo é o que colocar na imagem. O contato humano é muito importante. Somos programados para prestar atenção nos rostos de outras pessoas, em especial, para os olhos. Somos atraídos por eles. Se os publicitários colocam faces nos seus anúncios, as pessoas querem as observar. E fazemos isso sem pensar. Você também pode usar o olhar de forma a dirigir a mensagem. Num site, eu posso colocar uma pessoa olhando diretamente para o leitor, ou uma foto de alguém olhando para algo que queremos que as pessoas percebam. Somos programados a seguir o olhar. Se o olhar for para dentro da página, vamos observar a página. Se olhar para o outro lado, vamos seguir em direção afora da tela. Às vezes pode parecer uma boa foto, mas não serve, porque não está de acordo com a mensagem que precisamos passar. São pequenas coisas que fazem a diferença. Se eu estiver vendendo sapatos, posso ter uma imagem de alguém olhando para baixo. Mas em qualquer outro caso, essa imagem não é uma boa ideia.

DINHEIRO – A ciência do comportamento é algo que funciona para todos ou é preciso fazer customizações de acordo com demografia ou geografia?

HARHUT – Falando genericamente, esses princípios funcionam com seres humanos, porque todos somos programados a fazer decisões mais rápidas. Há muitos milhares de anos, os humanos desenvolveram atalhos para tomar decisões. Não temos como analisar cada pedaço de informação para saber o que fazer. Na época das cavernas, quando encontrávamos um animal peludo, a gente pensava será que eu devo acariciar ele, ou ele vai me engolir? O que fazer? Então, aprendemos muito rapidamente e hoje temos esses comportamentos pré-programados para responder sem realmente pensar. É uma resposta automática e de reflexo, por meio do instinto.

DINHEIRO – Quando o poder de convencimento pode ter melhor impacto?

HARHUT – Ao correr do dia, quanto mais tempo você está tomando decisões, vai havendo um cansaço mental. O cérebro fica estafado e ficamos mais no piloto automático. Tomar decisões gasta energia. Um dos motivos dos anúncios de resposta direta, que pedem para as pessoas ligarem agora, serem veiculados nas tevês de noite tem a ver com o fato de ser o momento em que as pessoas estão mais cansadas e estão mais propensas a responder afirmativamente, sem pensar direito.

DINHEIRO – Às vezes, achamos que decidimos racionalmente sem perceber que, emocionalmente, já tínhamos decidido antes sobre o assunto…

HARHUT – Muitas vezes pensamos que, como consumidores, estamos no controle. Consideramos que já pensamos bastante num assunto para tomar uma boa decisão. Mas, se uma pesquisa nos pergunta por que escolhemos certa marca e não outra, inventamos um motivo. Geralmente não sabemos por que fazemos as coisas. Estamos sempre respondendo instintivamente, tomando decisões automáticas. O futuro da publicidade passa pela ciência.

Decisões de consumo acontecem, geralmente, mais no nível emocional do que no racional (Crédito:Kangah)

DINHEIRO – Como os anunciantes estão usando essa ciência?

HARHUT – As agências estão começando a prestar atenção nisso. Mas é menos do que se pensa. Mais e mais departamentos de pesquisas das agências cuidam disso, o que faz sentido. Mas essa disciplina deveria também fazer parte das equipes de estratégia e de criação.

DINHEIRO – É possível uma combinação melhor ente a academia e as empresas e agências de propaganda?

HARHUT – Sim. As universidades e professores estão fazendo os estudos, e as pessoas de marketing estão pegando a pesquisa e aplicando a suas mensagens no mundo real. Já existe essa relação entre os dois mundos. Eu, por exemplo, apliquei estudos da Universidade de Connecticut e a Clark University naquele tipo de anúncio que tem um preço riscado e um outro preço inferior em destaque. Os anunciantes costumam usar um número maior para o preço verdadeiro. Mas eles perceberam que as pessoas sentem que o preço é ainda menor se a fonte dele for menor que o valor sem promoção. Um dos meus clientes resolveu testar isso. Conseguimos um resultado 20% acima da referência, a peça publicitária de melhor desempenho até então. Isso não é intuitivo. Só dá para saber quando se testa. Juntamos pesquisas acadêmicas e equipe de marketing, e provamos que o estudo estava certo.

DINHEIRO – Existe um limite do que é ético na forma de aplicar esses conceitos?

HARHUT – Os marqueteiros precisam respeitar os seus clientes e, quando lidamos com a experiência do consumidor, tratamos de confiança entre a marca e o cliente. Nós, profissionais do marketing, não podemos abusar dessa confiança. Não queremos mentir, se intrometermos e sermos abusivos. Mas queremos tornar mais fácil aos clientes fazer as coisas. Ao usarmos esses princípios de ciência do comportamento estamos os direcionando a certa direção, mas as pessoas ainda terão o livre-arbítrio.

DINHEIRO – As agências sempre pensaram em como os consumidores se comportam. O que mudou com a ciência? Hoje essa abordagem ficou mais específica?

HARHUT – As marcas gostam de ter ciência envolvida, porque as agências chegam e apresentam o trabalho que fizeram, destacando como está lidamente escrito e a foto é bonita. Mas o anunciante pergunta: como sabe que vai funcionar? Usando a abordagem científica, a partir de estudos baseados em algo mais tangível, e menos puramente criativo, as empresas se sentem mais confortáveis em investir uma publicidade. A pesquisa vai dizer o que funciona. Nada é 100% garantido, mas podemos dizer que as pessoas vão tender a entender e a responder melhor a uma certa mensagem de marketing.

DINHEIRO – O que a sra. pensa sobre a o mercado de criação brasileiro?

HARHUT –Não conheço tão bem o mercado brasileiro. Eu faço parte de times de avaliação de prêmios internacionais de publicidade, e houve um crescimento nas inscrições de peças brasileiras. Notamos que veio muita coisa boa daqui. Parece que o País tem um mercado muito saudável e forte.