Christine Lagarde fez o que muitos burocratas e economistas de órgãos internacionais não conseguem: se tornou conhecida. Em eventos como o G20 e o Fórum Econômico Mundial, ela era tão badalada quanto presidentes como Donald Trump e Emmanuel Macron. Primeira mulher a ocupar o posto no Fundo Monetário Internacional, Lagarde trouxe carisma para a instituição e suavizou a imagem de “sanguessuga de países pobres”.

Formado há exatos 75 anos, em 1944, na Conferência de Bretton Woods, ainda durante a 2ª Guerra Mundial — mas colocado em funcionamento só em 1945 — o FMI, em suas próprias palavras, serve para “garantir a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover o alto emprego e o crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza em todo o mundo.” Seu papel inicial era ajudar os países a se reconstruírem no pós-guerra. Mais tarde, se dedicou a apagar incêndios nos países em crise financeira, como aconteceu no caso do Brasil, nos anos 1980 e 1990, e da Argentina, atualmente.

Ao emprestar dinheiro para essas nações, com a exigência de maior austeridade e cortes nos gastos públicos, o Fundo, na visão de muitos, se transformou em um algoz dos países em crise. A nomeação de Christine Lagarde para o posto mais alto da instituição também veio num dos momentos mais controversos da história do Fundo. Seu antecessor, Dominique Strauss-Kahn, havia sido preso em Nova York, acusado de atacar sexualmente uma camareira de hotel durante uma estadia na cidade. Eventualmente, as acusações contra Strauss-Kahn foram derrubadas, mas o estrago já estava feito. E assim Lagarde, que havia sido ministra das finanças e posteriormente ocupado a pasta da agricultura na França, chegou ao poder.

“Christine Lagarde desempenhou um papel importante na restauração da reputação global do Fundo”, afirma Mark Sobel, ex-funcionário do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos e ex-representante americano no FMI. “Ela atuou como uma embaixadora do Fundo.”

Remédio amargo: socorro do FMI à Argentina é desafio para novo chefe (Crédito:Eitan Abramovich / AFP)

CARA NOVA O próximo presidente será escolhido pelos 34 membros do Painel Executivo do órgão e o nome deve sair em cerca de quatro meses. Mas a dúvida que ronda no ar é: escolher outro europeu ou dar espaço para outras nações, especialmente as emergentes? Lagarde é francesa e os dez diretores que a antecederam também eram da Europa. “Depois de Bretton-Woods, criou-se uma ‘regra invisível’: quem comanda o Banco Mundial é americano e quem dirige o FMI, europeu”, diz Lívio Ribeiro, economista da Fundação Getulio Vargas. Isso não impede, porém, que presidentes e políticos de outros continentes tenham começado sugerir outros nomes, como Tharman Shanmugaratnam, chefe da autoridade monetária de Singapura e Agustín Carstens, ex-diretor do Banco Central Europeu (confira os nomes cotados na tabela abaixo).

As funções do Fundo são estabelecidas no documento de fundação de 1944. Mas cada presidente carrega um pouco da personalidade para a liderança, como foi o caso de Lagarde. “Atualmente, os documentos econômicos do Fundo incluem um foco muito maior na análise e nos riscos macrofinanceiros”, diz Mark Sobel. “Ela foi uma ferrenha defensora do combate à corrupção e da redução dos subsídios improdutivos. Também trabalhou duro para fortalecer as relações do Fundo com a China.”

Difícil saber qual será o perfil do escolhido. Um desafio, no entanto, já está claro: a Argentina. Para analistas, o Fundo terá de renegociar o pacote de US$ 56 bilhões acordado, já que a economia do país não reage e o pagamento é improvável. “Será o novo líder do FMI que participará dessas tratativas. Resta saber se será no estilo Lagarde, ou algo completamente diferente”, afirma Ribeiro.