A ideia de o Federal Reserve (Fed, banco central americano) agir contra a desigualdade racial tem ganhando terreno desde os protestos “Black Lives Matter” em junho. Legisladores democratas apresentaram um projeto de lei sobre o assunto.

“Há uma tradição: o Fed está interessado no que acontece em termos de desigualdade”, disse Lydia Boussour, da Oxford Economics, à AFP para ilustrar o “impacto indireto da política monetária sobre as desigualdades”.

Juros mais baixos tornam o crédito mais barato, o que “estimula o investimento” e, portanto, a contratação, exemplifica. No Congresso americano, vários legisladores estão pedindo ao Fed que vá além.

Em projeto de lei apresentado no início de agosto, pediu-se o acréscimo de um terceiro mandato ao banco central: “justiça racial”.

Em outras palavras, propõem que o Fed ajude a reduzir as desigualdades raciais, além de suas duas missões atuais, que são estabilidade de preços e emprego.

“O Fed pode usar seus poderes para reverter as graves disparidades raciais em nossa economia”, resumiu a senadora democrata Elizabeth Warren.

“Nosso projeto vai exigir (isso)”, disse em um comunicado. “O racismo e as desigualdades sistêmicas não ocorrem sozinhos. Eles são o resultado de escolhas políticas específicas e o Fed deve tomar medidas voluntárias para remediá-los”, enfatizou.

Esta iniciativa ecoa outra que teve um sentido semelhante na história americana.

Foi Coretta Scott King, viúva do líder assassinado pela igualdade racial Martin Luther King, que na década de 1970 pediu que o banco central se concentrasse no pleno emprego e não apenas na inflação.

Hoje, 57 anos após o famoso discurso “Eu tenho um sonho” em Washington, a maior economia do mundo enfrenta uma severa recessão provocada pela pandemia do novo coronavírus, atingindo mais duramente os trabalhadores negros e suas famílias.

– “Dividir o bolo” –

“A crise da COVID-19 e seus impactos econômicos afetam desproporcionalmente as comunidades negras, (…) o Federal Reserve deve fazer tudo o que puder para garantir que a reativação seja compartilhada de forma justa”, disse a legisladora Maxine Waters, também promotora do projeto de lei.

O Fed “poderia ter a tarefa de dividir o bolo e garantir que todos sejam tratados da mesma forma”, resumiu William Rodgers, professor da Universidade Rutgers, em uma coluna postada no site The Conversation.

Essa lei “transferiria parte da responsabilidade” do Congresso para o Fed, explicou. “Como os políticos do país falharam até agora (…), não pode ser ruim”, argumentou.

– A posição do Fed –

Antes da introdução do projeto de lei, o presidente do Fed, Jerome Powell, abordou as desigualdades raciais após a reunião de política monetária de 29 de julho.

“Todas as economias se deparam com problemas persistentes. E um dos nossos é a diferença na taxa de desemprego de negros e brancos ser geralmente duas vezes maior (em desemprego) para negros”, disse.

No entanto, resolver um problema que remonta às origens do país ultrapassa o Fed. “Não temos realmente ferramentas’, disse Powell, para quem gastos públicos, educação ou políticas de saúde são instrumentos “muito melhores’ para agir sobre o problema.

Para Raphael Bostic, presidente do Fed de Atlanta e único líder negro da instituição, o banco central tem um “papel importante” a desempenhar: ajudar a economia a recuperar boa saúde e sustentar o emprego para o benefício de todos.

O projeto tem poucas chances de ser aprovado. A taxa de desemprego para trabalhadores negros estabilizou em 14,6% em julho e para brancos caiu para 9,2%, asiáticos 12% e hispânicos 12,9%, segundo dados oficiais.