A reunião do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, encerrada na quarta-feira (26), confirmou as projeções do mercado. Mesmo assim, o resultado colocou novas incertezas no horizonte. Como esperado, Jerome Powell, presidente do Fed, e os demais membros do Federal Open Market Committee (Fomc), equivalente americano do Copom, afirmaram que a inflação americana elevada permite “um amplo espaço” para elevar a taxa de juros, hoje em zero. Powell não forneceu uma data, mas a convicção generalizada é que a primeira alteração vai ocorrer ainda neste primeiro trimestre, mais especificamente em março.

Com a alta da inflação – que chegou a 7% em dezembro, maior desde junho de 1982 – a projeção é que o Fed realize quatro ou cinco elevações de 0,25 ponto porcentual nos juros até o fim do ano. Com isso, os Fed Funds, que são os juros referenciais americanos, encerrariam dezembro a 1% ou a 1,25% ao ano. Na avaliação mais comum, o processo prossegue por 2023 e 2024, com suaves correções mensais de 0,25 ponto percentual. Ao fim do processo, os Fed Funds estarão ao redor de 2,5% ao ano e a inflação terá retornado à meta de 2% ao ano. Isso sem afetar a recuperação da economia nem elevar o desemprego.

VENDE TUDO Intenção do BC americano é retirar US$ 4 trilhões da economia se desfazendo de títulos comprados durante a pandemia. (Crédito:BRENDAN SMIALOWSKI)

Esse é o mundo ideal. Mas há muitas dúvidas no mercado sobre a intensidade e a permanência da inflação. Assim como ocorre no Brasil, boa parte da alta dse dá por aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis. O “núcleo” da inflação, ou “core index”, que não considera esses itens, subiu 5,5% até dezembro de 2021. É menos que a inflação “cheia”, mas nem tanto assim.

Daí a dificuldade da decisão do Fed. Se mantiver uma postura leniente com a inflação temendo comprometer a retomada da atividade econômica, o banco central americano pode ter de tomar medidas mais drásticas em um futuro próximo. Se, ao contrário, indicar que será firme com a alta de preços, o Fed pode abortar o processo de recuperação da economia.

LIQUIDEZ Há outro ponto que preocupa os especialistas. As declarações de Powell sobre os juros foram ao encontro das expectativas. Porém, ele disse algo inesperado no caso da liquidez do mercado. O Fed, afirmou, vai começar a vender os títulos que tem em carteira logo após o início da alta dos juros. A expectativa anterior era de que isso se iniciasse apenas no segundo semestre.

Para entender o caso, é preciso lembrar que a estratégia do Fed para conter os efeitos econômicos negativos da Covid-19 não se baseou apenas na redução dos juros. Houve também injeção direta de dinheiro na economia, que começou em março de 2020. Por meio da compra de US$ 120 bilhões por mês em títulos públicos e lastrados por hipotecas, além de uns poucos papéis privados, o Fed injetou US$ 4,4 trilhões na economia. Todos esses títulos estão nos livros do banco central e sua carteira — o chamado “balanço” do Fed — chegou a inimagináveis US$ 8,9 trilhões. Apesar de Powell não ter informado uma meta, os especialistas acreditam que a intenção é retornar aos US$ 4,1 trilhões anteriores à pandemia. E retirar US$ 4 trilhões de circulação desacelera qualquer atividade econômica.

Não há um caminho claro a seguir. Do outro lado do Pacífico, o Banco do Povo da China, o banco central chinês, anunciou um afrouxamento do mercado de dinheiro, devido à deterioração do nível de atividade econômica provocada pelas medidas para conter a variante Ômicron. Na Europa os banqueiros centrais não estão de acordo. O Banco da Inglaterra iniciou um processo de aperto, ao passo que o Banco Central Europeu (BCE), que calibra a velocidade econômica da Zona do Euro, parece não ter pressa para retirar os estímulos. Porém, a sinalização mais dura do Fed pode levar o BCE a começar seu próprio processo. Ou seja, espera-se muita volatilidade do mercado ao longo das próximas semanas.