A guerra não foi declarada, mas as batalhas já começaram e têm sido intensas nos bastidores do poder, em Brasília. Em jogo, está a aprovação de várias medidas econômicas, a começar pela renovação da CPMF, que rende R$ 39 bilhões por ano para o governo.

De um lado, estão os líderes do PMDB, partido que tem a maior bancada federal e sustenta a base do governo. Em outra trincheira, está a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nessa disputa, que gira em torno de cargos e verbas públicas, o território que se pretende conquistar ? ou reconquistar, no caso do PMDB ? é o Ministério das Minas e Energia, por onde passa mais da metade do Programa de Aceleração do Crescimento.

Só em energia, estão previstos gastos de R$ 274 bilhões no PAC. De olho no butim, o ponto de honra para o exército peemedebista é a recondução de Silas Rondeau, homem de confiança do senador José Sarney, ao cargo. ?Ele foi alvo de uma grande injustiça e nós já fechamos questão?, disse à DINHEIRO o senador Valdir Raupp (PMDB-RO). Na terça-feira 2, Raupp recebeu vários senadores para um jantar na sua residência, onde foi sacramentada a decisão. Além disso, as armas do PMDB foram exibidas há poucos dias, quando o partido ?aliado? passou a liderar a oposição e rejeitou a medida provisória que instituía a Secretaria de Ações de Longo Prazo, do filósofo Roberto Mangabeira Unger, que agora será criada por decreto.

A volta de Silas ainda depende do procurador Antonio Fernando de Souza, que diz ?não ter pressa?

O baque foi sentido pelo governo. Na terça-feira 2, o presidente Lula afagou os aliados, mas fez uma advertência. Disse que todas as nomeações ficam suspensas enquanto a CPMF não for aprovada ? num sinal de que o Planalto não pretende ceder a chantagens.

Ao mesmo tempo, o presidente tem dado corda ao PMDB, quando sustenta que o ex-ministro foi ?injustiçado?. Para quem não se recorda, Silas Rondeau deixou o governo em maio deste ano, acusado, na Operação Navalha, da Polícia Federal, de receber uma propina de R$ 100 mil da construtora Gautama.

Depois, quando se descobriu que a prova do crime ? um vídeo interno do Ministério ? era frágil, Silas havia caído e o estrago estava feito. Passados quatro meses, líderes do PMDB já acusam a ministra Dilma, à boca pequena, de ter incentivado a Operação Navalha e de ter sido picada pela ?mosca azul? ? a tese é que ela estaria preparando sua candidatura presidencial.

Procurada pela DINHEIRO, a ministra informou que essa versão é fantasiosa e que nada tem contra o ex-ministro Silas Rondeau. Mas não é segredo para ninguém, em Brasília, que Dilma, uma mulher de personalidade forte, gostaria de ter toda a execução do PAC sob suas mãos. Além disso, fontes ligadas ao ex-ministro dizem que ele e Dilma divergiam muito em torno de uma das principais obras do País: a das usinas do Rio Madeira. Hoje, a empresa melhor posicionada para vencer a disputa de R$ 30 bilhões é a poderosa Odebrecht, que tem contratos de exclusividade com Furnas e fornecedores de equipamentos, que vêm sendo contestados pela Secretaria de Direito Econômico. Enquanto esteve no Ministério, Silas incentivou a formação de outros consórcios. Um deles teria a participação da Gautama, além das empresas Alusa e Schahin Engenharia. Fechado em copas, Silas não dá entrevistas, mas é certo que gostaria de retomar o seu cargo ? ao menos, para limpar a honra.

O caso, porém, não é tão simples. Depende da posição do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que irá apresentar a denúncia final da Operação Navalha. Se o ex-ministro for indiciado, ele não terá condições políticas de voltar. Se escapar, sinal verde. No entanto, na semana passada, Antonio Fernando disse que ?não tem pressa? ? o que mantém Silas num limbo político, ou seja, entre o céu e o inferno. ?O presidente Lula se incomoda por Silas ter sido injustiçado, mas quer fazer uma coisa correta, segura?, sustenta Walfrido dos Mares Guia, ministro das Relações Institucionais. Em outras palavras, o Planalto não quer correr o risco de reconduzi-lo ao cargo antes de uma posição definitiva do Ministério Público Federal.

Essa demora continua irritando a base aliada. O que se comenta é que o governo usa tudo como desculpa para adiar as nomeações, que só sairiam depois de resolvida a questão do Madeira. Segundo o ministro interino, Nelson Hübner, a licitação ocorrerá no início de novembro. Dilma quer estar à frente do processo e também torce o nariz para as indicações do PMDB às presidências da Eletronorte, Eletrosul e Eletrobrás, respectivamente Márcio Zimmermann, Paulo Afonso e Carlos Nascimento. A guerra, como se vê, é pesada. A tropa de Silas tem, no comando, próceres do PMDB como Renan Calheiros e José Sarney. Mas Dilma é determinada e raramente perde brigas. Na década de 70, derrotou ninguém menos que Carlos Lamarca, numa reunião em Teresópolis, onde jovens guerrilheiros decidiram seguir na luta armada ? Lamarca foi voto vencido. Para quem observa tudo de longe, surgem até oportunidades nessa guerra. Frustrado com a aprovação da CPMF na Câmara dos Deputados, o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, prevê um resultado diferente no Senado. ?A casa está sintonizada com os anseios da sociedade?, diz ele. Pode até ser. Mas se a CPMF de fato cair, não terá sido por patriotismo ? e sim pela disputa em torno do cargo mais importante do PAC.