Quase todo turista que vai a Buenos Aires assiste a um show de tango. Nele, o que mais importa não são as roupas extravagantes ou os passos ousados, e sim, a sedução. O país se orgulha disso, pois também gosta de ser seduzido, tanto nos palcos como na política. Há décadas, os argentinos escolhem líderes peronistas — o populismo de esquerda local —, que defende preços controlados e várias benesses estatais subsidiadas. Em 2015, a população escolheu, pela primeira vez em décadas, um líder liberal, Maurício Macri. Mas às vésperas das eleições deste ano, no entanto, até Macri ficou mais peronista. As duas chapas à frente nas intenções de voto prometem o de sempre: benesses. Não importa quem pagará a conta.

Mesmo com o peronista Miguel Pichetto como vice, Macri não está bem nas pesquisas. Ele aparece em segundo lugar na maioria delas. Em uma média de censos eleitorais feita pela consultoria Diagnostico Político, Macri tem 32,25% das intenções de voto. Em primeiro lugar está a chapa de sua maior opositora política, a ex-presidente Cristina Kirchner. A surpresa é que, desta vez, Kirchner concorre como vice. É uma forma de evitar desgastes, já que ela enfrenta problemas na Justiça. O nome principal, com 35,40% das intenções de voto, é Alberto Fernández, um ex-ministro de Cristina.

A percepção do eleitor é que há pouca diferença no programa das duas chapas que postulam a Casa Rosada. Afinal, Pichetto, vice de Macri, é do mesmo partido de Fernández-Kirchner, o Justicialista (PJ). “A pergunta principal a ser feita é o que o vencedor fará após o dia das eleições, em 27 de outubro”, afirma Livio Ribeiro, economista da Fundação Getulio Vargas. “Se seguirá a cartilha do peronismo à risca ou manterá algumas das reformas em curso.” Uma terceira via, que poderia oferecer opção aos que gostariam de renovação, não decolou: Roberto Lavagna, ex-ministro da Fazenda de 2002 a 2005, tem só 9,10% das intenções de voto.

Macri já disse que honrará seus atos anteriores, incluindo o acordo de empréstimo com o FMI, de US$ 57 bilhões. A Argentina deve pagar o fundo até 2023, além de manter uma dura agenda de austeridade. Mas, com uma inflação anual de 55,8%, um terço da população vivendo abaixo da linha da pobreza e a certeza de recessão em 2019 — o PIB deverá ser de 1,2% negativo —, parece improvável que Macri mantenha os termos do acordo. No caso de Fernández, isso é ainda mais difícil. “Uma renegociação do empréstimo é dada como certa. Só não se sabe o quanto a Argentina vai querer alterar o já acordado”, diz Ribeiro.

Mesmo parecidas, as candidaturas com mais chances podem gerar efeito diverso, dependendo do vencedor. O país continua a depender da entrada e saída de capital, já que 80% da dívida do país é em moeda estrangeira. “Mesmo antes das eleições, uma nova fuga de capitais poderia acontecer se Macri, que ainda é o preferido do mercado, ficar cinco pontos atrás de Fernández-Kirchner, por exemplo,”, afirma Patricio Giusto, da Diagnostico Político. “Isso já dá um sinal terrível do que esperar caso a chapa kirchnerista vença.” Pelo visto, nem todos são seduzidos tão facilmente.