Quem observa a imagem acima pode não perceber como esse encontro na reunião do G20, o grupo das economias mais ricas do mundo, fugiu do protocolo. Num primeiro olhar, é possível perceber o presidente americano, Donald Trump, deixar o palco após cumprimentar o argentino, Maurício Macri, como se tudo corresse como o combinado. Na verdade, Trump deveria ter permanecido ali. Macri tentou avisar, mas já era tarde. Não conseguiu disfarçar o desconforto da solidão sob os holofotes. Um observador atento conseguirá perceber na cena como as mãos do argentino sinalizam ao parceiro que permaneça. Da mesma forma, a fotografia atual da economia mundial mostra uma aparente normalidade – o crescimento caminha para o melhor resultado em sete anos – mas os detalhes contam uma história bem diferente. O ritmo do PIB mundial perde força e coloca em estado de alerta todos os países, especialmente os que apresentam fragilidades evidentes.

URGÊNCIA: Brasil pode crescer descolado do mundo, se resolver o problema das contas públicas com a aprovação de reformas (Crédito:Osvaldo Lima/Agência O Dia)

Na arena econômica, o Fundo Monetário Internacional (FMI) é um desses atores mais atentos a sinais sutis. No encontro do G20, em Buenos Aires, no sábado 1, a entidade convocou os líderes a adotarem medidas que evitem uma freada mais brusca do crescimento. Foi um recado claro de como as condições estão mudando e de como o cenário internacional ficará mais complexo a partir de agora. “Assim como teve uma sincronia global de crescimento, agora há uma sincronia de desaceleração”, afirma o economista do UBS, Fabio Ramos. “Na hora que muda a direção, é muito difícil prever o ritmo disso.” Estímulos econômicos injetados após a crise de 2008 prevaleceram por quase uma década. Havia recursos abundantes por todo o mundo, com taxas de juros artificialmente baixas, que garantiam uma calmaria e um apetite maior dos investidores por riscos.

Nos últimos dois anos, essa condição de “céu de brigadeiro” foi aliada a uma sincronia maior entre economias em crescimento e levou o mundo ao pico do ciclo atual de avanço da atividade. O diagnóstico de desaceleração global é embasado, sobretudo, pela percepção dos primeiros sinais do impacto causado pela guerra comercial, área na qual Trump não cansa de quebrar protocolos. As barreiras a produtos estrangeiros implementadas desde que ele assumiu a presidência americana, em 2017, começam a afetar o volume de transações entre as principais potencias – o ritmo de crescimento do comércio caiu de 18,4% no segundo semestre do ano passado para 1,8% no acumulado deste ano, segundo o Bradesco.

RISCOS Um clima de desconfiança se instaurou pelo mundo e, aos poucos, vai minando não só as vendas, mas os investimentos e a produção. O risco é de que esse sentimento extrapole para os índices financeiros e acabe realimentando a cautela dos empresários e investidores. Um sinal de como isso poderia ocorrer ficou claro com a reação dos mercados financeiros após o presidente Trump levantar dúvidas sobre o cumprimento de um acordo de cessar fogo com a China, fechado num encontro bilateral com o presidente chinês Xi Jinping, na cúpula do G20. As bolsas em todo mundo caíram e reviveram a tensão sobre o paradeiro da economia global. Ao longo da semana, os dois líderes tentaram acalmar os investidores.

Os impactos da elevação de barreiras a produtos estrangeiros pelo mundo estão sendo avaliados com mais ênfase nos cenários econômicos. Cálculos feitos pelo Itaú Unibanco mostram, por exemplo, que uma intensificação da guerra comercial poderia reduzir o crescimento da China dos 6,1% originalmente previstos para 2019, para até 4,5%. Como consequência, o PIB brasileiro cairia dos 2,5% para até 1,5% no mesmo período. “A guerra comercial já está tendo algum impacto”, afirma o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquista. “Vemos economias da Ásia mais abertas tendo que injetar estímulo para evitar o efeito sobre a atividade econômica.” Segundo o Itaú, o crescimento da economia global deve cair de 3,8% neste ano para 3,5% em 2019.

Mais um risco evidente no radar para o ano que vem envolve outra quebra de protocolo de Trump. Analistas debatem qual será a magnitude da perda de fôlego da atividade quando os efeitos dos estímulos injetados pelo presidente americano – via redução de impostos – começarem a perder força e se combinarem à elevação da taxa de juros pelo banco central (Fed, na sigla em inglês). O risco de recessão não está descartado. “Não parece ser o cenário de curto prazo, mas o ambiente para 2019 já parece um pouco mais nebuloso”, afirma Mesquita. “A própria linguagem do Fed já está na linha de que o gato subiu no telhado.” A elevação dos juros segue em curso nos Estados Unidos depois do longo período de taxas baixas. Nesse movimento, investidores tiram dinheiro de economias mais arriscadas e colocam em títulos americanos. A saída de recursos pressiona as taxas de câmbio por todo o mundo e gera pressão inflacionária e uma piora do clima econômico. Em 2018, Turquia e Argentina foram as principais vítimas desse processo, que também afetou o Brasil.

INSASTIFAÇÃO Fatores políticos também estão no radar. Na Europa, há complicações no processo de saída do Reino Unido do bloco comum, o desafio das autoridades italianas em cumprir as metas fiscais da Comissão Europeia e um clima de insatisfação com o sistema que se traduz em manifestações como as vistas na França (leia mais na pág. ao lado). Na Zona do Euro, a desaceleração também aparece nas projeções de 2019. A expectativa é de um avanço de 1,5% do PIB. “Há um aumento de riscos políticos por todo o mundo, que afeta os negócios”, afirma Julien Marcily, economista-chefe da seguradora de crédito Coface, com sede em Paris. “Na Europa central, o PIB do terceiro trimestre foi decepcionante e parte da explicação se deve a uma freada de investimentos relacionada às incertezas dos empresários.”

GUERRA COMERCIAL
Donald Trump e Xi Jinping passaram a semana tentando acalmar investidores após baterem cabeça no encontro do G20 em Buenos Aires. No entanto, o sentimento é de uma disputa em curso (Crédito:SAUL LOEB / AFP)

Para o Brasil, as condições favoráveis de abundância de recursos globais preponderantes até então representavam uma janela de oportunidade para fazer reformas sem risco maior de solavancos, um espaço que começa a fechar. “O grau de tolerância do mercado está mais restrito”, afirma o economista do Bradesco, Estevão Scripilliti. O aperto na liquidez pressiona o câmbio, os juros e se reflete na atividade interna.

Outra forma de contágio da desaceleração mundial se dá pela queda no preço das commodities, como o minério de ferro e o petróleo, principais itens exportados pelo Brasil. “Dito isso, acho que o País está numa condição de ciclo econômico diferente do mundo: não aproveitamos o crescimento porque estávamos com instabilidades locais. Agora, talvez sejamos o reverso da moeda”, diz Scripilliti. O descolamento é excepcional. Em geral, para cada ponto percentual de mudança no PIB mundial, há um impacto de 0,2 ponto no País, de acordo com estimativa do Bradesco. A condição essencial para garantir o avanço na contramão do mundo, segundo economistas, é uma sinalização de que o País caminha para resolver o problema das contas públicas, com aprovações de reformas como a da Previdência.