O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ganhou na última semana status de vidente. Ao afirmar que haveria uma retomada mais ágil da economia caso houvesse uma redução do isolamento e consequente elevação no número de mortes em função da Covid-19, o homem que comanda o órgão regulador monetário do País deixou de lado o fato de que não haver qualquer evidência de tal correlação — e nem de que os efeitos com gastos extras na saúde pública manteriam o governo sem condições de subsidiar uma retomada econômica. A fala de Campos de Neto se deu dias antes da sinalização de um novo corte na Selic e da previsão, feita por ele mesmo, de que a retomada da economia após a pandemia se dará a partir do quarto trimestre.

“A fala de Campos Neto foi infeliz, mal colocada e cheia de deduções sem embasamento científico”, disse o professor de economia e especializado em política monetária, Sérgio Vieira Lima. A mensagem infeliz foi passada durante uma live com investidores promovida pela XP Investimentos no começo de abril, quando o presidente do BC usou como base um gráfico montado pelo Centro de Pesquisas de Política Econômica fora do contexto original. “Esse gráfico mostra que, quando você tem um achatamento maior, tem uma recessão maior e vice-versa”, teorizou Campos Neto para cerca de seis mil espectadores. Para ele, o gráfico (confira ao lado) indicaria que existe uma escolha entre salvar vidas ou combater a recessão e essa “é uma troca que está sendo considerada.”

“Não está claro que uma restrição mais forte é naturalmente mais deletéria para a economia” Marco Ross Economista-Chefe da XP INVESTIMENTOS. (Crédito:Divulgação)

SINTONIA COM BOLSONARO Na lógica fria de Campos Neto, quanto mais rápido vierem novos casos e mortes por Covid-19, melhor para a economia, ainda que o preço disso seja um colapso na saúde pública e crescente número de óbitos. O problema dessa teoria, no entanto, não é só a escolha entre vidas e atividade econômica, mas a interpretação do infográfico. As informações foram tiradas do livro Mitigating the covid economic crisis: act fast and do whatever it takes, dos economistas Richard Baldwin e Beatrice Weder di Mauro, do Centro de Pesquisas de Política Econômica. Na publicação, a conclusão é que a recessão causada pelo combate a um vírus é necessária, e perder vidas para preservar a economia não deve sequer ser uma opção. Essa conclusão, no entanto, não foi usada em nenhum momento durante as quase duas horas da live.

Apesar de descolada da realidade, a fala de Campos Neto serve muito bem ao maior defensor do fim do isolamento no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro, mesmo que tal medida não seja recomendada pela Organização Mundial da Saúde. Na contramão de Campos Neto, o economista Alexandre Schwartsman, que foi conselheiro do Banco Central para assuntos internacionais, afirma que o isolamento social no começo da crise encurta a recessão. A tese também não é do brasileiro, e sim de um estudo da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, um dos polos de maior produção de conhecimento liberal do planeta.

No Brasil, além de Schwartsman, alguns analistas que participaram da live também mostraram estranheza diante das afirmações do presidente do BC. O economista-chefe da XP, Marco Ross, foi um deles: “Para mim, não é claro que uma restrição [de circulação] mais forte é naturalmente mais deletéria para a economia. Inclusive, uma restrição parcial, seja ela o que for — a gente não sabe o que é uma restrição parcial — pode também ter um efeito econômico negativo, de aumentar o contágio e se ter que de repente se abortar o plano, voltar para uma quarentena”, diz.

Ainda que nenhum economista tenha bola de cristal para cravar como a atividade mundial se dará nos próximos meses, a avaliação de Richard Baldwin e Beatrice Weder di Mauro, Alexandre Schwartsman e dos teóricos de Chicago vão na mesma linha: quanto mais duro e firme se dá o controle no começo da pandemia, mas rápido a atividade econômica é retomada — e menos gasto os governos têm para atravessar o surto da doença. Para Weder di Mauro, a relação entre crise econômica e novos casos de contaminação pelo coronavírus certamente está por trás do atraso de alguns líderes para implementar medidas de restrição. “A recessão é uma necessidade médica. Isso está posto. Mas governos podem e devem tentar achatar a curva da recessão econômica”, afirma.

Enquanto cabe aos líderes eleitos a condução do enfrentamento de uma recessão inevitável, ao chefe do BC caberia sustentar a política monetária para que a inflação, ou os juros, não sejam problemas adicionais. “O BC tem feito um bom trabalho e o fato da Selic estar baixa ajuda muito nesse momento. Ele [Roberto Campos Neto] deveria falar só sobre isso”, disse Carlos Santana, professor de macroeconomia da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Sobre esses temas, Campos Neto diz que haverá um novo corte da Selic na reunião de Maio do Compom, com a taxa saindo dos atuais 3,75% para 3,25%, e garantiu que o BC enxerga agora, com mais clareza, o cenário doméstico e internacional econômico, e por isso “monitora os volumes e preços do crédito, para, se necessário, tomar medidas para melhorar a oferta, caso ainda haja medo dos bancos para emprestar”. É isso que se espera de quem tem a responsabilidade de presidir o Banco Central do Brasil.