O manauara Ivan de Souza Monteiro é um apaixonado por voleibol. Sempre que consegue uma brecha na vida executiva, ele entra em quadra para praticar algumas manchetes e cortadas. Apesar de falar pouco sobre o esporte com quem não faz parte do seu círculo de amizades, uma das lições que ele carrega vem de uma partida profissional. Nas quartas-de-final da Olimpíada de Londres, em 2012, entre Brasil e Rússia, as meninas brasileiras venceram no tie-break um jogo tenso e repleto de simbolismos. Com resiliência, salvaram seis match-points e apagaram uma dolorida derrota sofrida para as mesmas russas em Pequim, em 2008. De desacreditadas, elas ganharam força para conquistar a medalha de ouro olímpica para o País.

Nos próximos meses, Monteiro terá de demonstrar a mesma resistência para suportar a pressão. Com o pedido de demissão de Pedro Parente, entregue na sexta-feira 1o, ele foi indicado pelo Planalto e confirmado pelo conselho de administração como o novo presidente da Petrobras. Se Parente assumiu a empresa, há dois anos, com o desafio de reduzir o endividamento de quase
R$ 500 bilhões, Monteiro não terá dias mais fáceis. Ele precisará ajustar a política de reajuste diário dos preços dos combustíveis e agradar, ao mesmo tempo, governo, mercado financeiro e população.

Legado: em dois anos, Pedro Parente conseguiu reduzir a alavancagem da Petrobras e fazer o balanço da empresa voltar para o Azul (Crédito:Suamy Beydoun /AGIF)

Na quarta-feira 6, Monteiro escreveu uma carta de 10 parágrafos para os funcionários da estatal. Ele seguiu o mesmo modelo adotado por Parente, que utilizava um discurso informal, mesclando informações pessoais com elementos sobre a estratégia da companhia. Neste momento em que a Petrobras é o epicentro da greve dos caminhoneiros (leia mais ao final da reportagem), o novo presidente afirmou que era preciso mostrar para a sociedade que a companhia sabe de sua responsabilidade para solucionar a grave crise, mas sem perder a capacidade de investir e seguir crescendo.

Monteiro reforçou que sua gestão será de continuidade da estratégia que foi adotada pela companhia desde que assumiu a direção financeira e de relacionamento com investidores, em 2015. Para ele, a Petrobras ainda tem de consolidar a sua recuperação e por isso precisará continuar alinhada às condições do mercado internacional. “A capacidade de estabelecer nossos preços como um reflexo das variações do preço do petróleo, sem perdas para a companhia, e competir de igual para igual neste mercado, são condições essenciais para que a Petrobras seja capaz de cumprir seu papel de empresa que gera riqueza e desenvolvimento”, escreveu Monteiro.

Neste primeiro momento, o presidente da Petrobras tenta reforçar a imagem de que a empresa não será alvo de ingerência do governo em sua política de preço. Em 30 de junho do ano passado, Parente divulgou que a estatal passaria a adotar um reajuste diário no preço do óleo diesel e da gasolina. Naquela época, o comitê executivo afirmou que a crescente volatilidade da taxa de câmbio e das cotações do petróleo e seus derivados estavam sendo prejudiciais para a gestão financeira da companhia. “A frequência de reajustes não foi uma escolha caprichosa dessa diretoria”, disse Parente, em vídeo gravado dois dias antes do seu pedido de demissão. A decisão foi benéfica para os resultados da Petrobras, mas tiveram uma consequência grave para os consumidores: a incerteza sobre o preço dos combustíveis.

Não para: os petroleiros ameaçaram estender a greve dos caminhoneiros, mas foram impedidos pela pesada multa estabelecida pelo STF (Crédito:AFP Photo / Mauro Pimentel)

Para um país que tem o modal rodoviário como o principal meio de transporte, essas mudanças atingem em cheio os custos. Desde que essa medida foi adotada, em 2017, até o início da greve dos caminhoneiros, o óleo diesel subiu 56,5% nas bombas. “Não é possível você estar bem, com todo mundo mal. Vai resolver o caixa da Petrobras, mas com um efeito ruim para o País”, diz Magda Chambriard, consultora da FGV Energia e ex-diretora da Agência Nacional de Petróleo, entre 2012 e 2016. “Há um equilíbrio delicado a fazer, seguindo a paridade internacional. A pergunta que eu mais ouvia era por que a gasolina às vezes era mais cara e em outras, mais barata. Porque tem de seguir a tendência internacional, mas que não seja diariamente nem de cinco em cinco anos.”

Desde que chegou à Petrobras, em 2015, vindo de uma longa carreira no Banco do Brasil, Monteiro se tornou um obstinado perseguidor de números. Naquele momento, ele estava ao lado de Aldemir Bendine, que tinha sido escolhido pela ex-presidente Dilma Rousseff para salvar a companhia, envolvida em um gigantesco escândalo de corrupção. As primeiras semanas foram de trabalho incansável para Monteiro. Sem nenhum conhecimento sobre a empresa, teve de mergulhar nos números para conseguir publicar o balanço auditado de 2014, com cinco meses de atraso. Ele teve de justificar os buracos deixados pela ex-presidente da estatal, Maria das Graças Foster: um prejuízo de R$ 21,6 bilhões naquele ano. Só em fraudes e superfaturamento, causados pelo Petrolão, a perda chegou a R$ 6,2 bilhões.

A saída de Bendine (que foi condenado, em março deste ano, a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato), em 2016, não mudou a rotina de Monteiro: Parente o manteve na direção financeira. Agora, porém, o plano era conseguir equacionar o elevado endividamento, reduzir a alavancagem e fazer a empresa voltar a ser lucrativa. “O Ivan Monteiro tem boa aceitação de parte dos funcionários, enquanto a outra metade não gosta dele”, afirma uma fonte da estatal, que pediu para não ser identificada. “Mas, politicamente, ele não sofre pressão de nenhum dos lados. Uns dizem que ele é do PT, por ter sido indicação da Dilma; outros, que é do PSDB, por ter sido mantido pelo Parente.”

Engarrafado: o governo ainda não conseguiu resolver o valor do frete e a queda no preço do óleo diesel (Crédito:Evaristo Sa / AFP)

Por mais que seja identificado pelo perfil técnico, ao contrário de Parente, que trazia, também, as credenciais do traquejo político, Monteiro conhece perfeitamente o funcionamento da máquina pública. Mas suas condições de trabalho serão bastante difíceis ao ter de unir as duas habilidades. Até agora, sua função era apenas se concentrar no rearranjo financeiro da companhia. Ele conseguiu mudar o perfil do endividamento da empresa e esticar o prazo médio de vencimento. O plano de desinvestimento também foi bem-sucedido, com a venda de quase R$ 14 bilhões em ativos não prioritários, da meta de R$ 15 bilhões.

Desde a semana passada, porém, Monteiro tem outras preocupações, principalmente a de equilibrar o preço dos combustíveis sem prejudicar o trabalho que ele mesmo demorou para fazer. “Independentemente do governo, será muito difícil ele concretizar a venda de mais R$ 21 bilhões. Os órgãos federais não vão facilitar a vida para o novo presidente”, afirma Carlos Tessarollo, ex-presidente da BR Distribuidora. “O Ivan é um profissional muito bom, inteligente, mas enfrentará um período muito difícil nesses seis meses que terá à frente da Petrobras.”

O clima político e a incerteza eleitoral vão influenciar a Petrobras ao longo de todo o segundo semestre. Uma amostra dessa ligação está no comportamento da ação na bolsa de valores. A Petrobras, que tinha voltado a ser a mais valiosa empresa brasileira de capital aberto, com R$ 388,8 bilhões, na primeira quinzena de maio, encolheu para R$ 229 bilhões, no início de junho. Nas últimas três semanas, o papel desabou mais de 40%. “Há uma indefinição sobre como e quanto vai impactar uma mudança na política de preço e uma intervenção do Estado”, afirma Roberto Indech, analista-chefe da Rico Investimento. “Mas essa queda da ação não é normal, tem uma distorção grande. Para quem estiver olhando para o médio e longo prazos, pode ser uma oportunidade de compra.” Assim como a flutuação da ação, Monteiro terá de ter sangue frio para encarar o balanço dos próximos meses.


A bomba ainda está armada

A greve dos caminhoneiros ainda está longe de ser resolvida pelo governo federal. A promessa de frete mínimo, um dos pontos acertados para encerrar a paralisação de 10 dias, ainda encontra dificuldades para ser concretizada. Há controvérsia na tabela de valores. A Agência Nacional de Transportes Terrestres está refazendo as contas em razão da alta entre 20% e 95% no preço do frete. Empresários de todos os setores questionaram os novos valores e passaram a adiar a contratação de serviços logísticos. O agronegócio, por exemplo, afirmou que essa nova tabela poderá elevar em até 150% o preço dos alimentos. Uma nova equação, com queda de 20% no valor do frete, foi rejeitada pelos caminhoneiros. O alto custo passa a ser um impeditivo. Outro ponto de discórdia, além da logística, está no repasse do desconto de R$ 0,46 do óleo diesel para as bombas de combustível.

Isso porque o ICMS, um imposto estadual com diferentes alíquotas, não havia sido considerado nas contas iniciais do governo. Um componente adicional que influencia nessa redução é o biodiesel. “As medidas do governo nada mais são do que um ‘cobertor curto’, tendo em vista que, ao atender os interesses de uma categoria, prejudicam diretamente 39 outros setores”, diz João Luis de Azambuja Corsetti, sócio do Ramos e Kruel Advogados. “O impacto será sentido por todos os consumidores, principalmente na reoneração do mercado varejista. Ou seja, mesmo os caminhoneiros, que estarão rodando com diesel mais barato, pagarão a sua própria desoneração, que virá embutida no preço dos produtos consumidos.”