No começo da semana passada, o CEO da Nike no Brasil, o mexicano Alfonso Bueno, determinou a distribuição de um comunicado a cada um dos funcionários da empresa no País. A carta, assinada por “Poncho Bueno”, como o presidente é chamado pelos colegas de trabalho, reafirmava a postura de intolerância da companhia em relação a qualquer desvio de conduta que envolvesse corrupção, racismo, homofobia ou sexismo. A decisão foi tomada uma semana após a empresa – personagem recorrente em escândalos de corrupção no esporte, inclusive já envolvendo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Seleção Brasileira, em 2015 – ser acusada de humilhar funcionárias nos EUA.

Executivos de alto escalão teriam ofendido subordinadas e se referido a estrangeiras de maneira desrespeitosa no ambiente de trabalho. O assédio moral despertou a fúria de movimentos feministas, que defendem boicote à marca, e também resultou no pedido de demissão do diretor de diversidade e inclusão social, Antoine Andrews. “É inadmissível que uma grife que tem 46% de suas vendas voltadas às mulheres, que investe milhões de dólares em campanhas para divulgar seus produtos femininos e que levanta a bandeira da diversidade pratique esse tipo de crime dentro de suas unidades”, disse à DINHEIRO a americana Erin Collen, representante de grupos feministas nos EUA, como o Off The Sidelines (Fora das Linhas Laterais), e consultora de empresas sobre o tema.

A crise da Nike ganhou proporções ainda maiores diante da demora da companhia em reconhecer o tropeço e corrigir o passo. O CEO global, Mark Parker, sequer veio a publico se manifestar sobre o episódio. Em encontro com analistas, em março, reconheceu a existência de problemas e afirmou que a Nike tem se preocupado com essas questões. “Tomamos conhecimento de algumas questões comportamentais inconsistentes com os valores de inclusão, respeito e empoderamento da Nike”, disse o executivo, sem se referir a algum caso específico. “Estou comprometido em garantir que tenhamos um ambiente onde todos os funcionários da Nike tenham uma experiência positiva para atingirem todo o seu potencial.” Já o presidente da Nike no Brasil, Alfonso Bueno, por meio da assessoria de imprensa, preferiu não comentar a reportagem “por se tratar de uma questão que envolve a Nike lá fora”.

Embora a companhia diga que está suando a camisa para reverter os danos causados, os números mostram que, em termos de igualdade de gênero, o discurso não condiz com a prática. Um recente estudo interno revelou que para cada dólar de salário de um funcionário do sexo masculino, uma mulher ganha 99,6 centavos em um cargo similar. O descompasso salarial também é uma realidade na gestão. Apesar de 48% da força de trabalho ser feminina, elas ocupam 41% dos cargos de comando. Os números da Nike não diferem muito da média das empresas americanas, mas são vistos pelos movimentos feministas como um constrate a ser resolvido. “Sabemos que precisamos atrair e reter mais mulheres e negros”, disse o diretor Greg Rossiter.

Parker, CEO: “Estou comprometido em garantir que tenhamos um ambiente onde todos os funcionários da Nike tenham uma experiência positiva” (Crédito:AFP Photo / Jewel Samad)

As polêmicas em torno da grife americana, cuja marca é avaliada em US$ 34,2 bilhões pelo ranking Brandz, da consultoria britânica Kantar, podem causar danos à sua imagem, segundo especialistas. “Em uma sociedade conectada, um deslize como esse pode ser catastrófico para a Nike”, afirma Eduardo Tomiya, CEO da Kantar Consulting para a América Latina. “Marcas valiosas precisam tomar cuidado com o que fazem e o que falam sobre temas delicados. Colocar o erro para debaixo do tapete, como tem ocorrido, só piora a situação.” Os equívocos Nike na gestão de pessoas e de marca espelham também as dificuldades da empresa diante dos concorrentes.

Ano após ano, a marca vê suas rivais, como Adidas e Under Armour, ficarem cada vez mais próximas. No Brasil, segundo dados da Kantar Worldpanel, a Nike perdeu a liderança na categoria fitness, há dois anos, para a Olympikus, marca do grupo gaúcho Vulcabras Azaleia. “A Nike envelheceu, acabou desgastada por acusações de trabalho escravo na Ásia, por se envolver em exploração de mão-de-obra infantil, por apostar demais no futebol e achar que o jogo estava ganho”, diz Francisco Madia, consultor e especialista em marketing e branding. “Se a Nike não souber rejuvenescer sua marca, terá mais problemas pela frente.”