O banco Mercantil do Brasil é pouco conhecido fora de Minas Gerais. É uma instituição familiar, de pequeno porte e concentrada em crédito. É considerado um enigma por suas características. Ocupa a 26a posição em ativos, mas tem a nona maior rede de agências.

Rende pouco: em 2009, os acionistas ganharam 7,4%, mais do que a poupança, mas menos que os juros de mercado. Também é um banco com sua dose de conflitos: um grupo de acionistas controladores do Mercantil está sendo objeto de um procedimento interno sigiloso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
 

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Conselhos caros: (da esq. para a dir.) Milton de Araujo, Milton Loureiro e Eliana Loureiro:
segundo a CVM, R$ 20 milhões pelas sugestões

O procedimento – que poderá transformar-se em um processo – investiga a transferência irregular de dinheiro do banco para esses acionistas. Transferências desse tipo, que entram nos custos do banco e são pagas por todos os sócios, são proibidas e somam-se a outras particularidades do Mercantil. Os custos elevados e a rentabilidade abaixo da média fazem do banco um enigma para os especialistas no mercado financeiro.

Segundo o procedimento da CVM, que DINHEIRO obteve com exclusividade, o estatuto do Mercantil foi alterado em 1999 para criar um Conselho Consultivo. Os conselheiros eram em sua maioria acionistas e executivos, como o diretor-presidente Milton de Araújo, os vice-presidentes Maurício de Faria Araújo e Milton Loureiro Júnior, além de acionistas como Eliana Loureiro, entre outros.
 
Os conselhos foram bem remunerados. Segundo o procedimento interno da CVM, o banco pagou cerca de R$ 20 milhões por eles até 2006, quando o Conselho foi extinto. Um acionista minoritário reclamou da fatura e a CVM questionou os Araújo, que ofereceram um acordo.

Eles indenizariam o banco em R$ 1 milhão e pagariam R$ 200 mil em multas à CVM. A proposta foi rejeitada. A CVM está exigindo uma indenização de R$ 20 milhões mais o pagamento de uma multa de 20% desse valor. Procurada, a CVM não comenta o assunto e o enigmático Mercantil divulgou uma nota dizendo que não se manifestaria, pois “não há processo, só um procedimento interno sobre a conveniência de se adotar um processo.”

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Procedimento ou processo, o fato é que práticas como essa são lesivas aos minoritários. “A legislação não prevê que as empresas abertas tenham conselhos consultivos,  embora eles possam ser criados no estatuto”, diz o advogado César Amendolara, do escritório Velloza, Girotto.

Ressalvando que não comenta o caso do Mercantil, Amendolara diz que esse tipo de estrutura pode ser usada indevidamente para desviar recursos da sociedade em benefício de acionistas ou executivos. No caso do Mercantil, a fatura foi pesada.

Em 1999, ano da criação do Conselho, o Informativo Anual do Mercantil enviado à CVM dizia que os executivos receberiam uma remuneração de R$ 4 milhões mais participação nos lucros. Em 2008, dado mais recente disponível, esse valor havia subido para R$ 7 milhões. Na ponta do lápis os R$ 20 milhões pagos pelos misteriosos conselhos durante sete anos podem até ser pouco nas contas do Mercantil, mas representaram uma despesa para os acionistas equivalente à remuneração anual dos administradores nesse período.

Essas e outras despesas contribuem para tornar o Mercantil bem menos rentável que a concorrência. Em 2009, segundo a consultoria Austin Rating, a rentabilidade patrimonial do Mercantil – ou seja, quanto os acionistas ganharam – foi de apenas 7,4%. Esse percentual está bem abaixo da média de 14,9% dos bancos médios. “É uma rentabilidade baixíssima”, diz Luis Miguel Santacreu, da Austin. Só para comparar, os juros de mercado foram de 8,75%. Os acionistas teriam ganho mais se tivessem vendido as ações e aplicado o dinheiro no banco ao lado.

A estratégia de privilegiar o varejo aumenta os gastos, diz Santacreu. “A estrutura do banco é cara”, diz ele. Em 2008, para cada R$ 100 obtidos em receitas, o banco gastou R$ 103,70. A diferença só não deixou o balanço do ano no vermelho por causa da venda da seguradora Minas Brasil à suíça Zurich por R$ 236 milhões. Os números melhoraram bem em 2009 – a despesa representou apenas 76,9% das receitas –, mas ainda é um resultado pior do que a média do setor, que é de 63,6%.

Esse mau desempenho não quer dizer que o banco está em risco. Longe disso: segundo Santacreu, a carteira de crédito é diversificada e saudável. “O Mercantil é sólido, apesar de render pouco”, diz. O mistério é seu papelo no mercado. Ele é o último banco médio em atividade. Os concorrentes não conseguiram competir com os gigantes que se formaram com as fusões dos anos 90. O Mercantil vai funcionar enquanto seus acionistas quiserem – o que, é claro, permanece um enigma.