Cena 1. Avenida Paulista, 10 horas da manhã. Com a presença do ministro da Fazenda, Guido Mantega, os presidentes Luiz Carlos Trabuco Cappi, do Bradesco, e Aldemir Bendine, do Banco do Brasil, anunciam na segunda-feira 9 uma parceria com o Banco Espírito Santo, de Portugal. A meta é operar nos países africanos, como Angola e Moçambique, financiando o comércio exterior das empresas brasileiras e a produção local de petróleo, minérios e soja.  Cena 2. Avenida Paulista, 15 horas. Dois quarteirões adiante e cinco horas depois, Trabuco,  Bendine e a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, anunciam com toda pompa um memorando de entendimentos para permitir a entrada da Caixa na Elo, a administradora de cartões lançada em abril pelo Bradesco e pelo BB. 

 

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Quem entra: A presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, assina acordo

com a Elo e reforça o papel crescente do governo no setor bancário

 

Os dois eventos em São Paulo marcam uma nova era na competição do mercado bancário brasileiro. No cenário atual de consolidação, a formação de parcerias vem sendo a regra – basta pensar na união entre Itaú e Unibanco. No entanto, a junção de forças entre BB, Bradesco e a Caixa transcende as fronteiras tradicionalmente bem delimitadas entre setor público e iniciativa privada. 

 

A operação entre os dois gigantes estatais e o segundo maior banco privado mostra que, depois de frigoríficos e empresas telefônicas, a mão pesada do governo chegou ao setor bancário. 

 

“BB e Caixa sempre tiveram atuações muito distantes, mas nos últimos tempos eles vêm agindo de maneira mais coordenada”, diz o consultor de varejo financeiro Boanerges Ramos Freire. “Só o fato de a Caixa ter entrado na parceria mostra uma mudança profunda.” 

 

Tomando-se a importância dos dois negócios, a parceria com a Caixa é a que mais se destaca, dada a pujança do mercado interno, baseada na chegada de 30 milhões de pessoas à classe média nos últimos anos. 

 

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Quem celebra: Da esq. para a dir: Trabuco, Bendine, Maria Fernanda e Lázaro de Mello Brandão,

presidente do conselho do Bradesco, selam o acordo que fortaleceu a Elo

 

A instituição era o elo que faltava para a nova administradora de cartões alcançar as massas atingidas pelos pacotes assistenciais do governo, uma das forças propulsoras desse fenômeno. “Temos cerca de 25 milhões de cartões de pessoas beneficiadas pelos programas sociais Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e outros”, diz Maria Fernanda.  “No limite, todos esses cartões poderão ter a bandeira Elo e funcionar como cartões de crédito.” Segundo Trabuco, a intenção da administradora é ser capaz de capturar transações de correspondentes bancários e ser competitiva na baixa renda, filão em que a Caixa desponta e os outros dois parceiros cobiçam. 

 

“A Caixa é um dos cinco maiores bancos do País e sua presença na Elo reforça a atuação na baixa renda”, diz o consultor Gastão Mattos, ex-vice-presidente de marketing da Visa. O movimento não vai se limitar aos cartões. “Vamos compartilhar caixas automáticos”, diz Bendine. 

 

As metas para os cartões, que serão emitidos a partir de outubro, são ambiciosas. Apenas uma das bandeiras da futura administradora, a Elo Vale (que engloba os cartões pré-pagos usados para pagar compras de alimentos, refeições e combustível) nasce com o tamanho de uma Ticket. “Se considerarmos os mais de 11 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família, será uma força enorme nesse setor”, diz Freire. 

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Além da penetração junto aos novos consumidores, a bandeira Elo traz a vantagem da economia de escala, fundamental para baixar custos e concorrer agressivamente com as estrangeiras Visa e Mastercard. Claramente, criar um gigante nacional nessa área é um dos objetivos de longo prazo do governo. 

 

A expansão internacional dos bancos brasileiros passa necessariamente por uma empresa pujante de processamento de transações eletrônicas. Não por outro motivo, Brasília deixou o papel coadjuvante de lado e passou a ser um protagonista muito mais ativo no setor após a crise de crédito mundial de 2008. A ida do BB e do Bradesco para a África reforça a estratégia internacional do governo de estreitar laços com economias emergentes.