O economista Fernando Honorato assumiu a chefia do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco há um ano, num dos momentos mais desafiadores para o setor financeiro: acertar o ritmo de queda da taxa básica de juros pelo Banco Central. O economista-chefe do banco não se omitiu e foi um dos primeiros do mercado a projetar a Taxa Selic a 7% no fim de 2017. Na última reunião do Comitê de Política Monetária, que aconteceu na semana passada, a equipe liderada por Ilan Goldfajn confirmou a previsão feita por Honorato nos primeiros meses deste ano. Nesta entrevista, ele analisa a atual situação da economia brasileira e os problemas que o País precisa enfrentar, tanto para manter a taxa básica de juros em patamares baixos no longo prazo como para fazer o crescimento cíclico do PIB voltar a acontecer de forma sustentada. “Se a Reforma da Previdência não for aprovada, haverá dificuldade para manejar o orçamento da dívida pública a partir de 2019”, diz Honorato.

DINHEIRO – Apesar do crescimento do consumo no último trimestre, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tem se sustentado apenas pela supersafra agrícola e pela expansão das exportações?

FERNANDO HONORATO – As exportações e a agricultura certamente estão contribuindo para o crescimento, isso é um fato. Mas o que aconteceu com o PIB nesses últimos dois trimestres? O consumo das famílias cresceu, em termos anualizados, praticamente 5%. Isso não tem a ver nem com a agricultura, nem com as exportações. O investimento, que deu o primeiro sinal de recuperação no terceiro trimestre, cresceu 1,6%, portanto é mais de 6% anualizado. Os dois são uma parte importante da demanda doméstica, que é consumo e investimento, e estão crescendo certamente, só nos últimos dois trimestres, a uma taxa anualizada acima de 4%. O PIB, obviamente, só não está crescendo mais porque os gastos do governo estão contidos, na ótica da demanda, o que é bom para permitir que o setor privado ganhe espaço e possa crescer mais. E na ótica da oferta, o setor de serviços ainda tem um crescimento bastante modesto, que é algo esperado. Foram vários anos de crescimento forte dos serviços. Agora, com o emprego mais contido, o setor de serviços tem crescido um pouco menos que o esperado.

DINHEIRO – Quais as justificativas para ser otimista com a recuperação da economia brasileira?

HONORATO – Para 2018, imaginamos que o Brasil viverá uma recuperação cíclica liderada pelo consumo. Essa recuperação tem três elementos por trás: a redução do endividamento das famílias, que permite que elas possam consumir mais; uma melhora operacional nas empresas, que estão com estoques e nível de emprego mais ajustados para o tamanho da economia; e, por último, a ausência de pressões inflacionárias, à medida que ainda existe ociosidade na economia como um todo, com salários crescendo abaixo da inflação e uma folga grande nas contas externas para acomodar eventuais pressões externas.

DINHEIRO – Mas como isso vai se transformar numa recuperação sustentada da economia?

HONORATO – Depende de o Brasil enfrentar dois temas que são críticos. Um é o fiscal, que é a nossa capacidade de organizar as contas públicas para fazer com que a dívida convirja, o mais rapidamente possível, para patamares mais baixos e mais compatíveis com nossos pares emergentes. O segundo é a capacidade de transformar essa recuperação cíclica do consumo. Aí, sim, numa recuperação sustentada pelo investimento, que depende muito do ambiente de negócios e que precisa de uma série de reformas.

DINHEIRO – Mas há euforia sem nada disso ter acontecido…

HONORATO – No curto prazo, até 2018, dois elementos ajudam o quadro fiscal. A recuperação cíclica da economia, que está ajudando a arrecadação, e os juros mais baixos, pelo menos até o final do ano que vem. São fatores cíclicos porque são elementos que podem não perdurar. Esses dois elementos ajudam na dinâmica da dívida, ou seja, naquilo que se projetava há um ano, no final de 2016, para o que se projeta agora. O governo também tem sido muito hábil na gestão de ativos e passivos da dívida. Basicamente estou falando de trazer os recursos do BNDES de volta e fazer algumas das concessões de infraestrutura, que ajudam no manejo da dívida pública. A nova arrecadação ajuda o déficit primário a ser um pouquinho menos pior do que o esperado, assim como a gestão da dívida faz com que ela cresça um pouco mais devagar.

Ilan Goldfajn, ao centro da mesa, na reunião do Copom (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil )

DINHEIRO – A PEC do teto dos gastos contribui de alguma maneira?

HONORATO – Enquanto o teto dos gastos for efetivo até 2018, ele ajuda a conter a despesa total. Além disso, tem a TLP, que ajuda na redução dos subsídios e a ter uma percepção de que a dívida pública é menos volátil no longo prazo. Isso porque a TLP faz com que as taxas de juros possam subir menos no futuro. O governo revisou as metas de déficit fiscal de 2017 e de 2018 e a despeito disso não teve uma piora na percepção de risco Brasil, justamente porque a dinâmica da dívida é melhor até do que antes de realizar a meta de superávit primário.

DINHEIRO – A Reforma da Previdência é fundamental?

HONORATO – A Previdência é crítica para conseguir controlar os gastos públicos. O que vai dizer a velocidade de convergência da dívida é justamente a intensidade dessa reforma, ao longo dos próximos anos. Há um aspecto que não se aborda tanto, porque olhamos para a Previdência no aspecto da economia direta produzida pela reforma, mas é tão importante quanto: a curva de juros na medida em que a reforma for aprovada. Hoje, as taxas mais longas no Brasil, de dois, três ou cinco anos, estão acima de 10%. No custo de financiamento do Tesouro Nacional, tem um prêmio pela incerteza fiscal de médio prazo. Mas, à medida que se é capaz de reduzir essa incerteza de médio prazo, com a reforma, as taxas de juros ficam mais baixas lá na frente.

DINHEIRO – Mas a Reforma da Previdência ainda é uma incógnita.

HONORATO – Se não tiver a Reforma da Previdência, a PEC do teto dos gastos tem um conjunto de restrições para contratações de funcionários públicos, para aumento de salários, entre outras restrições automáticas que vão fazer a despesa pública ter um crescimento bastante contido. Os gatilhos da PEC do teto dos gastos, que limitam a expansão da despesa, vão ser muito mais intensos se a Reforma da Previdência não for aprovada. Isso certamente dificulta o manejo do orçamento da dívida pública a partir de 2019 e 2020.

DINHEIRO – As eleições em 2018 devem mexer com a economia, até pela perspectiva de o ministro Henrique Meirelles concorrer à Presidência. Quanto isso prejudica a recuperação atual?

HONORATO – A gente tem notado que a equipe econômica é bastante unida. Isso é identificado nas várias manifestações do secretário-executivo e dos demais secretários. A maior probabilidade é que haja uma continuidade desse processo, mesmo numa eventual saída do ministro da Fazenda. Mas tem um fator que é importante no quadro eleitoral de 2018 que é a melhora da economia. Vão ser colhidos dividendos da atual política econômica, como mais emprego, inflação baixa, mais crescimento e juros baixos. Esses dividendos tendem a favorecer um debate mais racional ao longo do processo eleitoral do que, por exemplo, se a economia não tivesse qualquer recuperação.

DINHEIRO – A política econômica é algo que o eleitor pode compreender para decidir em quem votar no ano que vem?

HONORATO – Nunca devemos subestimar a capacidade do eleitor de compreender o efeito de boas políticas. Em vários países, como a eleição do Bill Clinton nos Estados Unidos, em 1994, e mais recentemente o Mauricio Macri, na Argentina, e o Emmanuel Macron, na França, o eleitor respondeu a políticas que eram coerentes com geração de emprego e crescimento. É possível contar uma história durante o processo eleitoral aonde se estabelece uma conexão entre essa agenda, que é uma de reformas, e o crescimento. É possível dizer que essa agenda faz sentido para melhorar a ocupação e a produtividade. A própria reforma trabalhista, que é um tema não consensual, vai ficando mais clara à medida que se vai criando novos postos de trabalho e os efeitos positivos são percebidos. Entendo que é o momento em que essa discussão está mais favorável do que em outros episódios no País, seja em relação às privatizações, seja a essa maior abertura da economia. É razoavelmente fácil fazer essa conexão para a população à medida que ela percebe o efeito prático disso. Às vezes, achamos que o eleitor pode estar alienado dessas discussões, mas é o contrário: o eleitor não está alienado das discussões de política econômica e a calmaria nos protestos recentemente talvez tenha a ver com os sinais que a economia vem emitindo.

Xi Jinping (ao centro) em convenção do Partido Comunista (Crédito:Andy Wong)

DINHEIRO – Taxa de juros a 7% ao ano é uma demonstração de um país mais racional?

HONORATO – Estimamos que a Selic vai cair até um pouco mais, que ela possa chegar a 6,75% em fevereiro. Mas isso depende, obviamente, de algumas condições. Num horizonte de um ano e meio, a ociosidade da economia e a folga nas contas externas permitem que os juros possam ficar baixos sem que haja pressões inflacionárias. Essa conquista é razoavelmente segura, mesmo que o câmbio desvalorize um pouco, mesmo que tenha mais volatilidade vindo do cenário internacional, a Selic permanecerá baixa até o final de 2018. Mas o mercado está dizendo que a partir de 2019 a taxa de juros vai ser bem mais alta do que esse 7%.

DINHEIRO – Por quê?

HONORATO – O mercado está se perguntando sobre a solvência fiscal e sobre a capacidade de o Brasil crescer, portanto, gerar também um crescimento sustentado. O que vai dizer se podemos ficar com juro em torno de 7% por um período prolongado é o conjunto de reformas. Mas um aspecto estrutural que foi uma barreira superada e vencida positivamente é a TLP. Ainda que não tenhamos certeza se a taxa de juros vai ficar baixa por um período prolongado, o fato é que a nova taxa de juros do BNDES contribui muito para os ciclos de política monetária, que não estão extintos, a alta de juros seja menor do que foi no passado porque todo o mercado de juros e de crédito, incluindo os empréstimos do BNDES, estará respondendo a esse ciclo. Então, a tendência é um ciclo de alta menor. Isso dá para dizer que está garantido. Agora, se vamos ter o nível de juros mais baixos, olhando para 2019 e 2020, depende muito daqueles dois blocos de reformas, as fiscais e as que tornam o país mais produtivo, com mais crescimento.

DINHEIRO – Quais os riscos que estão no seu radar para o ano que vem?

HONORATO – São três grandes riscos externos. O primeiro é geopolítico ou de ordem político-econômica, como o Brexit, a discussão dos acordos comerciais dos Estados Unidos e os aspectos que envolvem a Coreia do Norte. Eles são riscos difíceis de prever e de colocar no cenário, então são tratados como risco de menor probabilidade, até porque não sabemos medir qual é a chance de eles se concretizarem. Esses riscos de ordem geopolítica, em geral, atrapalham o crescimento global, o que tende a ser pior para os emergentes. O segundo bloco são riscos mais objetivos, ligados a uma subida de juros no mundo decorrente de uma alta da inflação. Isso pode provocar uma saída de capital dos emergentes, por exemplo. Mas a alta de juros com mais crescimento global compensa parcialmente o cenário de fuga de capitais dos emergentes.

DINHEIRO – Como seria esse equilíbrio?

HONORATO – Se o mundo está crescendo, as commodities estão subindo de preço. Ainda que um juro mais alto nos EUA tenda a produzir uma fuga de capitais para os EUA, as exportações melhores dos emergentes, com preços mais valorizados, fazem com que os balanços de pagamentos melhorem e ocorra uma certa compensação. Por último, aí sim um risco que sempre atribuo uma probabilidade baixa, porém relevante, continua sendo a China. Parece que eles serão capazes de manejar essa transição de forma suave. Agora, eles ainda têm um endividamento muito elevado que, em algum momento, pode vir a ser um problema para os emergentes. Tenho mais medo no médio prazo dos efeitos da China do que do efeito alta dos juros nos EUA, se o motivo para essa alta for mais crescimento.