01/09/2004 - 7:00
Aos 74 anos, Olacyr de Moraes acaba de fechar um negócio de R$ 165 milhões, talvez o último de sua longa trajetória empresarial. Cansado, abatido e com os credores batendo à sua porta, Olacyr vendeu há poucos dias a fazenda Itamarati, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). As mesmas terras que lhe renderam o título de rei da soja serão usadas para assentar três mil famílias ligadas ao MST. Olacyr, o mais jovem brasileiro a alcançar um patrimônio pessoal de US$ 1 bilhão ? e que já não lhe pertence mais ? ficará com uma pequena parte do dinheiro da fazenda. Cobrado dia e noite, ele ainda tenta pagar uma última dívida de US$ 60 milhões ? semanas atrás, foi registrada em São Paulo uma associação de credores de Olacyr de Moraes. ?Jamais imaginei que, no fim da vida, sofreria tal humilhação?, disse Olacyr à DINHEIRO. ?Já vendi tudo o que tinha, perdi US$ 1 bilhão e estou fazendo um apelo aos credores: peço que me perdoem, que me desculpem?. Quando toca no assunto da dívida, Olacyr mira o infinito, seus olhos ficam avermelhados e suas palavras travam na garganta. O empresário que foi dono de um dos cinco maiores grupos do País e já empregou mais de 25 mil pessoas sabe que está se retirando de cena. ?É o fim, não tenho sucessor.?
Nos últimos oito anos, desde que o império entrou em crise, o verbo que Olacyr mais conjugou foi vender. Primeiro, ele se desfez do Banco Itamarati, adquirido pelo BCN. ?Eu tinha US$ 400 milhões em caixa e lucrava US$ 10 milhões por mês.? Depois, foram-se as fazendas, os dois jatos Citation e uma série de propriedades no campo e na cidade. Sua construtora, a Constran, ainda está ativa, mas o volume de contratos é muito pequeno. Ficaram algumas obras no Rio Tietê, em São Paulo, e na BR-101, no Rio Grande do Sul. ?Estou negociando a venda para os executivos?, revelou Olacyr. Divorciado e morando só em seu apartamento no bairro do Itaim, em São Paulo, Olacyr tenta também superar uma crise familiar. Seu filho Marcos de Moraes, que seria o sucessor natural, afastou-se do pai desde que fez o maior negócio da internet brasileira: a venda do portal Zip.net para a Portugal Telecom por US$ 365 milhões em 2000. Os dois ficaram mais de três anos sem se falar. ?Eram tantas as divergências que nosso relacionamento esfriou?, disse Olacyr. ?Ele achava que eu me metia em negócios muito arriscados ? e estava certo.? Nas últimas semanas, os dois começaram a ensaiar uma aproximação. No entanto, Marcos, com negócios nas áreas de moda e de cachaça, não tem interesse na construção ou na agricultura. Daí o conformismo de Olacyr com a venda de seus ativos. ?Meu consolo é saber que vou deixar algo de bom para o Brasil?, resigna-se Olacyr. ?E sinto que, por isso, as pessoas ainda gostam de mim.?
Quando Olacyr fala de seu legado como empresário, o que lhe vem à mente não são os túneis e pontes levantados pela Constran, mas sim a abertura de uma nova fronteira para o agribusiness brasileiro. Olacyr começou a plantar soja no Centro-Oeste em 1973, depois de uma inundação que devastou as lavouras no Mississipi,nos Estados Unidos. Na fazenda Itamarati, hoje em poder do MST, ele fez mais de
10 mil pesquisas e cruzamentos genéticos até chegar ao algodão ITA-90. Graças a essa semente, o Brasil deixou de ser importador para se tornar exportador do produto. ?Olacyr foi o precursor de tudo de bom que existe no Cerrado brasileiro?, avalia Homero Alves Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Mato Grosso. Por uma ironia do destino, o lance que transformou a soja brasileira na mais competitiva do mundo acabou determinando o naufrágio de Olacyr. Foi a construção da Ferronorte. Nela, o empresário investiu US$ 200 milhões, mas os trens ficaram sete anos parados porque o governo de São Paulo demorou a erguer uma ponte sobre o Rio Paraná ? ela ligaria a Ferronorte aos trilhos do Sudeste e ao porto de Santos. ?Olacyr foi um visionário destruído por um Estado desonesto?, avalia o deputado Delfim Netto. Hoje, a Ferronorte transporta 7 milhões de toneladas de soja. ?Com o seu pioneirismo, ele abriu caminho para o sucesso da agricultura, mas acabou pagando um preço alto demais?, aponta o executivo Nelson Bastos, que presidiu a Ferronorte.
Enquanto Olacyr se retira do palco empresarial, o governo apressa a integração das três mil famílias de sem-terra aos 24,5 mil hectares da fazenda Itamarati. Tem tudo para ser o mais moderno assentamento do Brasil, que funcionará nos moldes de uma cooperativa. Na propriedade, com acesso por estrada asfaltada, há três mil hectares irrigados por 27 pivôs centrais, uma subestação de energia elétrica e 56 edificações para o armazenamento de até dois milhões de sacas de cereais. ?Cada família terá um lote individual e irá se beneficiar de uma área de produção coletiva?, disse à DINHEIRO Rolf Hackbart, superintendente do Incra. ?Em poucos anos, estará tudo deteriorado?, aposta Delfim Netto. Alheio ao debate, Olacyr prepara sua aposentadoria e ainda ocupa seu tempo na companhia de belas mulheres. ?Não vou esperar a morte como um ancião?, diz ele, cansado de tanto patrulhamento. ?E elas nem são namoradas, são minhas sobrinhas e algumas amigas?. Na sexta-feira 20, Olacyr jantava com uma delas no sofisticado La Tambouille, em São Paulo. E sorria.
Colaborou Tina Evaristo