Quando assumiu o poder, no ano passado, o presidente Michel Temer deu ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a árdua missão de recolocar as contas do governo nos trilhos. Pouco mais de um ano se passou e o quadro fiscal continua fora de controle, com receitas frustradas e gastos excessivos. A gravidade do problema ficou nítida no primeiro semestre, quando o País registrou o maior déficit primário de sua história. Foram R$ 56,1 bilhões, com as receitas caindo 1,2% e as despesas crescendo 0,5%, em relação ao mesmo período do ano passado. Diante de fatos inexoráveis, a equipe econômica se debruça sobre o tema em busca de uma alternativa que gere o menor dano à economia brasileira. Ou o governo revisa a meta fiscal e enfrenta um possível rebaixamento do rating do País ou aumenta os impostos e corre o risco de paralisar o setor produtivo.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2017 prevê um déficit fiscal de R$ 139 bilhões, meta que tem se mostrado inatingível. Em março, a equipe econômica anunciou o contingenciamento de R$ 42,1 bilhões em recursos do orçamento para despesas não obrigatórias, que representam 10% dos gastos totais. Do lado das receitas, o governo contava com a entrada de recursos extraordinários para diluir o impacto do contingenciamento. O dinheiro não veio e o rombo continuou crescendo. Os gastos obrigatórios, responsáveis por 90% do que o governo despende, são incontroláveis. O déficit da Previdência, em especial, cresceu 37,1%, para R$ 82,66 bilhões. “O governo tem conseguido manter os gastos discricionários abaixo do teto, mas a receita está muito aquém do normal”, diz Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Associados.

A falta de recursos extraordinários é produto de uma série de alterações feitas nos projetos da equipe econômica pelo Congresso (veja quadro ao final da reportagem). Uma das principais frustrações veio com as mudanças promovidas no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), a nova versão do Refis. O governo esperava arrecadar R$ 13 bilhões ainda este ano com o texto original, mas como a Câmara dos Deputados ofereceu desconto de até 99% em juros e multas, a estimativa caiu para menos de R$ 500 milhões. Para o ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, a falta de perspectiva de recursos extraordinários é a conta que o presidente Temer teve de pagar para barrar o pedido de investigação feito pela Procuradoria Geral da República (PGR) por suspeita de corrupção passiva. “Existe uma frustração de receitas, mas houve uma decisão deste governo de utilizar o seu capital político para sobreviver”, afirma Schwartsman.

Diante disto, o governo estuda alterar a meta fiscal. A possibilidade foi admitida pela primeira vez por Meirelles em 31 de julho. A mudança quase foi anunciada na quinta-feira 10, quando o presidente se reuniu com a equipe econômica, auxiliares e líderes do Congresso para tratar do assunto, mas a decisão foi adiada por mais alguns dias, porque o governo quer avaliar melhor os dados antes de bater o martelo. “O caminho para não aumentar impostos é controlar as despesas”, disse Meirelles, após a reunião. “É a única saída.” A expectativa é que a nova meta de déficit para 2017 seja estabelecida em R$ 159 bilhões. Se confirmada, esta será a décima mudança desde a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000.

Embora indesejada, a alteração fiscal pode ser menos traumática do que muitos imaginam. “A revisão não possui impacto significativo, porque nós já projetamos um déficit maior”, afirma Samar Maziad, analista sênior da agência de classificação de riscos Moody´s, (leia entrevista ao lado). Segundo ela, a perspectiva de R$ 159 bilhões equivale a um déficit de 2,5% do PIB, enquanto a agência estima um saldo negativo de 2,4% para este ano. Para evitar mais um desgaste em 2018, quando o País precisa cumprir um déficit de R$ 129 bilhões, o governo considera as mesmas alternativas: revisar a meta ou aumentar impostos.

Na terça-feira 8, Temer admitiu a existência de estudos para aumentar a alíquota de Imposto de Renda, mas que não havia nada decidido. A declaração provocou reações imediatas, inclusive de aliados. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a proposta “não passa” na Casa. O setor privado também reagiu contra a fala. “As notícias causam preocupação”, diz Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). “Todos são afetados negativamente pelo aumento de imposto.” No fim do dia, em nota, a Presidência disse que nenhuma proposta do tipo será enviada ao Congresso e que o presidente fez “menção genérica” sobre o assunto.


“A aprovação de uma ampla reforma do sistema previdenciário é o fator chave para a qualidade de crédito do Brasil”

Samar Maziad, analista sênior da Moody’s responsável pelo rating do Brasil (Crédito:Divulgação)

O aumento da meta pode trazer algum prejuízo para a economia brasileira?
A revisão da meta para um déficit fiscal de R$ 159 bilhões não será um movimento significativo, porque nós já projetávamos um déficit elevado. Esperamos que o déficit fiscal de 2017 seja de 2,4% do PIB. Um déficit de R$ 159 bilhões equivalerá a um resultado primário de -2,5% em 2017, o que não é muito diferente do que
nós projetamos.

A mudança pode provocar alguma mudança no rating do País?
Não. Como nós afirmamos na nossa decisão de 26 de maio, quando mudamos a perspectiva do rating do Brasil de estável para negativo, os fatores que podem levar a um rebaixamento são a intensificação da crise política, gerando um período prolongado de incerteza e resultando em impactos nas perspectivas macroeconômicas e fiscais, e o retrocesso das reformas fiscais já aprovadas, principalmente o teto de gastos. Por outro lado, reformas estruturais que gerem maior crescimento no médio prazo e acelerem o ritmo da consolidação fiscal, estabilizando a dívida do governo, podem levar à elevação do rating.

O governo está fazendo tudo o que é necessário no lado fiscal?
A aprovação de uma ampla reforma do sistema previdenciário é um fator chave para a qualidade de crédito do Brasil. Também é importante que o governo respeite o teto de gastos instalado no ano passado.

O que o Brasil precisa fazer para recuperar a economia?
A continuidade da política econômica e a realização das reformas fiscais, incluindo o respeito ao teto de gastos para além de 2018, serão fundamentais para estabilizar o nível da dívida do País.