O ano do Dragão acabou, mas, junto à virada do milênio, as portas da prosperidade se abrem para a terra da Grande Muralha. Depois de 14 anos de negociação, a China está a um passo de ingressar na Organização Mundial do Comércio (OMC). Prevista para este mês, a chegada dos chineses no templo do capitalismo promete revirar o jogo de forças do comércio internacional. De cara, o país mais populoso do mundo atrai à globalização com um mercado consumidor de 1,3 bilhão de pessoas. Aos olhos dos comerciantes, o território chinês ganha dimensões irresistíveis. O cálculo é simples: se 1% dos chineses resolvessem comprar um carro feito no Brasil, por exemplo, seria necessário multiplicar por dez a produção nacional para atendê-los, uma vez que em 2000 as vendas de veículos no mercado interno foram de 1,3 milhão de automóveis. Outra conta fantástica: a cada três meses, a China coloca em operação uma quantidade de telefones celulares equivalente a todos os aparelhos existentes na Austrália. Esse é o reflexo de um crescimento ininterrupto nos últimos 22 anos da economia chinesa, que firmou uma média espantosa de 9% ao ano. Juntos, os PIBs da China e Hong Kong, antiga colônia britânica que foi reanexada em 1997, somam US$ 1,2 trilhão. ?Se levarmos em conta a paridade de poder aquisitivo, esse valor equivale a US$ 4,8 trilhões?, diz Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China. Segundo dados do Banco Mundial, em 2006 a economia chinesa será maior que a americana em termos de poder aquisitivo. É uma sucessão de números que só aumenta a cobiça dos estrangeiros pelo mercado chinês. São esses indicativos que atraíram US$ 625 bilhões em investimentos diretos na última década para a China.

O gigante, porém, assim como tem apetite, tem força. E não há quem não se intimide com o potencial predador da economia chinesa. Apesar de ser uma das nações mais fechadas do mundo, sua estratégia de guerra no comércio é invejável. Exporta tudo o que faz, mas impõe severas restrições aos produtos estrangeiros em suas terras. No ano passado, China e Hong Kong despejaram no mundo US$ 235 bilhões em exportações, quase cinco vezes mais que o Brasil. Em setembro de 2000, quando os EUA alcançaram o maior déficit comercial de sua história em um mês, de US$ 34,3 bilhões, cerca de US$ 9 bilhões eram em produtos chineses. Não foram matérias-primas ou badulaques vendidos por camelôs, mas, sim, autopeças, produtos de telecomunicações e brinquedos. Lá, as exportações são levadas a sério a ponto de, além de um ministro do comércio exterior, toda cidade chinesa ter um secretário municipal de comércio exterior.

Para o Brasil, na mesma medida em que ganha um novo mercado a ser conquistado, terá um concorrente difícil de lidar. Em alguns setores, o País já sofre o peso dos custos baixos e da mão- de-obra barata chinesa. ?Nos Estados Unidos, têxteis e calçados produzidos na China estão tirando mercado do produto brasileiro?, diz o embaixador Rubens Barbosa, sediado em Washington. Quem irá se beneficiar das mudanças serão os produtores de matérias-primas e o setor de serviços, sobretudo o financeiro, que tem chances de competir com os americanos. A boa notícia deverá vir mesmo para a agricultura nacional, que tem solo e tecnologia para dar um banho de competitividade nos chineses. O que eles sabem e naturalmente temem, pois 800 milhões de chineses vivem da terra. Ao contrário da próspera região costeira, no Norte do país estão concentradas as áreas mais pobres, onde os indicadores sociais da China beiram ao chão. É de lá também que se ouvem os maiores ruídos contra o firme propósito chinês de estar aliado aos 138 países que formam a OMC. Para eles, isso será sinal de desemprego e mais pobreza, pois os instrumentos protecionistas do governo chinês, que contraditoriamente se auto-intitula como uma ?economia socialista de mercado?, deverão desaparecer.

Com tantos predicados, a entrada da China na OMC vai mudar a relação de poder no cenário do comércio internacional. Melhor para os países em desenvolvimento, como o Brasil, que ganham um aliado de peso nas constantes quedas de braço com americanos e europeus. Cerca de 80% das disputas comerciais envolvendo os países em desenvolvimento acabam em derrota frente aos seus adversários nos tribunais de Genebra. ?A presença da China tende a diminuir o etnocentrismo na OMC?, diz o advogado Durval de Noronha Goyos, especialista em comércio internacional. Ele sabe das oportunidades do mercado chinês, tanto que vai inaugurar em maio uma filial do seu escritório em Xangai. O objetivo é intermediar os negócios entre os clientes brasileiros e chineses. Além de estar no meio do que promete ser uma ilha de prosperidade banhada pelo Mar da China.