As milhares de fotos que o fotógrafo “César” tirou secretamente da Síria, mostrando presos mortos em centros de detenção, revelaram ao mundo a escala dos crimes atribuídos ao regime de Bashar al-Assad em 2014.

Este arquivo está no centro do julgamento em andamento na Alemanha por crimes contra a humanidade ocorridos na Síria, que culminou nesta quarta-feira (24) com uma condenação histórica, a primeira do gênero, de um ex-membro dos serviços de inteligência sírios.

Essas fotos que mostram vítimas de flagelações, estrangulamento, eletrocutadas ou passando fome foram usadas em vários processos judiciais na Europa e deram seu nome a uma série de sanções econômicas americanas.

“César” é o pseudônimo de um ex-fotógrafo do serviço de documentação da polícia militar síria.

Ele colocou sua vida em risco ao vazar 53.275 fotos mostrando 6.786 presos mortos, incluindo uma única mulher, em centros de detenção sírios.

Essas fotos foram feitas pelo próprio “César” entre maio de 2011 e agosto de 2013, antes que ele pudesse retirá-las da Síria.

– Horrorizado –

Horrorizado com as milhares de fotos que havia tirado, ele contatou a oposição que, depois de pedir-lhe para que registrasse o máximo de imagens possíveis, organizou sua saída da Síria.

Os cadáveres costumam ter números inscritos na pele, alguns sem olhos, a maioria nus ou com roupas íntimas.

Em 2014, o mundo ficou chocado ao descobrir fotos tão horrorosas, principalmente em um relatório de três ex-promotores internacionais.

Essas fotos posteriormente deram seu nome à “lei César” nos Estados Unidos, que prevê sanções econômicas contra a Síria.

Em meados de junho de 2020, um novo conjunto de sanções entrou em vigor sob esta lei, direcionadas a vários membros da família e do entorno do presidente sírio, incluindo sua esposa, Asma al Assad.

Na esfera judicial, essas imagens foram apresentadas pela primeira vez no ano passado no tribunal de Koblenz, na Alemanha.

– Provas materiais –

Elas foram analisadas perante o tribunal por um médico legista, o professor Markus Rotschild, e consideradas como prova material contra o regime sírio.

“Deixe-me fazer uma observação pessoal. Não vou esquecer essas fotos”, disse, comovida, a presidente do Tribunal de Koblenz, Anne Kerber, ao pronunciar o veredicto nesta quarta-feira.

As fotos também geraram queixas na França e na Alemanha contra altos líderes sírios.

Em 2018, como resultado, a França e a Alemanha emitiram mandados de prisão internacionais para altos líderes do regime, incluindo o ex-diretor do serviço de Inteligência da Força Aérea, Jamil Hasan, o setor mais temido do aparato de segurança sírio.

Desde que conseguiu escapar da Síria, “César” e seu amigo, “Sami”, que o ajudou a tirar as fotos, vivem no anonimato.

“Procuramos protegê-lo, ele tem que mudar de residência regularmente, é muito difícil para ele e sua família”, explicou à AFP o advogado sírio Ibrahim al Kasem, radicado em Berlim, de onde gerencia as fotos e garante o contato com as famílias dos desaparecidos quando supostamente reconhecem um parente em alguma das imagens.

Pela primeira vez, “César” apareceu em público, mas escondido atrás de um capuz, para uma audiência no Congresso dos EUA em 2014. Apareceu novamente em 2020, no Comitê de Relações Exteriores do Senado.

Por sua vez, “Sami” foi ouvido pela polícia alemã no que se refere à investigação que conduziu ao julgamento ocorrido em Koblenz contra dois ex-agentes da Inteligência síria.