Até 2020, o bilionário mais famoso e excêntrico do planeta não figurava nem entre os dez mais ricos do mundo na lista da Forbes. A rápida ascensão no ranking é um exemplo da trajetória nada convencional do sul-africano Elon Musk, que aos 50 anos — não parece — está no auge de seu empreendedorismo do impossível, difícil de projetar e calcular. Sua fortuna da ordem de US$ 250 bilhões está no recálculo dos especialistas, pois a manobra que fez para adquirir o microblog Twitter por US$ 44 bilhões mastigará US$ 21 bi de seu saldo pessoal, mais US$ 25,5 bi em empréstimos financeiros e valores de investidores assessorados pelo Morgan Stanley. Ele seguiu a velha máxima segundo a qual investir em negócios com o dinheiro dos outros é sempre melhor — pelo menos uma parte, no caso de Musk. Metade desse empréstimo está vinculado à participação acionária que ele tem na Tesla, da qual é CEO. A fabricante de carros elétrico perdeu US$ 125 bilhões em valor de mercado desde o anúncio da compra do Twitter. Mesmo sem esse dinheiro, Musk continua na frente do segundão da lista dos mais afortunados, o arquirrival Jeff Bezos, que tem US$ 177 bilhões. Se não tivesse tomado o empréstimo, a história seria outra. Talvez recebesse de volta o emoticon medalha de prata que enviou pelo Twitter para o dono da Amazon e Blue Origin quando passou à frente de Bezos na posição de mais rico, em 2021.

Esse humor quase juvenil é parte da personalidade do visionário Musk, também dono da SpaceX (que leva cargas, constelações de satélites e pessoas ao espaço), da The Boring Company (que constrói túneis embaixo de cidades como Las Vegas para carros autônomos de alta-velocidade), da Neuralink (que quer implantar devices em nossos cérebros para aprimorá-los), da própria Tesla — e agora da segunda maior rede social de comunicação. É um dos maiores influenciadores do planeta desde Steve Jobs (1955-2011), que era um inovador, mas não um empreendedor em série como Musk. “Ele é único, poucos empreendedores são tão ousados e inovadores. É uma figura de que muitos não gostam por ser imprevisível e, ainda assim, criativo e inteligente”, afirmou à DINHEIRO o professor anglo-americano da Manchester Business School, Sir Cary L. Cooper. Para ele, a compra do Twitter não tem a ver com ganhar mais dinheiro, e sim com a crença de que é um fórum aberto de debates. “Mas por ‘liberdade de expressão’ quero simplesmente dizer aquilo que está de acordo com a lei”, afirmou Musk no dia seguinte aos gritos de festejo dos que acreditavam no “agora pode tudo”. No Brasil, o recado serve às pretensões de bolsonaristas interessados em propagar fake news pela rede.

Do ponto de vista de negócios, não há sinergia direta entre o Twitter e outras empresas do bilionário, daí a surpresa na aquisição. Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos, acredita que a rede social não é um negócio de qualidade para Musk: “O Twitter é uma rede social pouco lucrativa e de monetização ineficiente de sua vasta e engajada base de usuários.” Já o novo dono disse que quer liberar o potencial da plataforma, arrumar suas ineficiências. Seja qual for o destino da rede, fica a pergunta: de onde vem a autoconfiança de Musk em fazer o impossível?

Nascido em Pretória, África do Sul, ele é filho de uma nutricionista e modelo cujo retrato já apareceu em caixas de cereal. Com o pai, teve desavenças após a separação do casal, em 1979, quando tinha apenas 9 anos. Logo depois, aos 12, aprendeu sozinho código em computação e fez sua primeira venda, o game Blastar, para uma revista do gênero por US$ 500.

Nerd, sim, e com orgulho. Ao terminar o ensino médio, foi morar com a mãe e seus dois irmãos no Canadá, onde começou as faculdades de física e economia, finalizadas na Universidade da Pensilvânia, nos EUA. Lá, criou seu primeiro real empreendimento: com amigos, alugou uma casa de fraternidade de dez quartos e abriu ali um nightclub. Nerd sim, mas festeiro.

PhD em Stanford, Califórnia? Que nada! Com o sol da costa oeste americana reluzindo, viu o início do borbulhar da internet e, em 1995, abandonou a sala de aula dois dias depois de começar o curso. Com o irmão Kimbal criou a Zip2, guia de viagem turístico adotado pelo The New York Times.

VIDA no negócio Já naquele tempo sua dedicação aos negócios era total: Musk vivia e dormia no escritório. Fez o mesmo durante os anos de afinação do negócio na Tesla, e hoje mora numa casinha ao lado de seus foguetes da SpaceX, no Texas.

A Zip2 lhe rendeu US$ 22 milhões, de um negócio com a Compaq de US$ 341 milhões. Tirou US$ 10 milhões, fundou o banco on-line X.com, que depois de fusões se transformou no PayPal, sistema de pagamentos internacionais. Ali também definiu um pouco sua personalidade nos negócios. Brigou por suas ideias com os cofundadores e foi afastado do cargo de CEO durante suas férias na Austrália. Dois anos depois, o eBay comprou o PayPal por US$ 1,5 bilhão e Musk ficou com US$ 165 milhões disso. Com US$ 100 milhões, montou a SpaceX. Um sonho pessoal e sem aparas no mundo real: alcançar Marte, mesmo que fosse para enviar ratos e plantas. No meio de tudo, o melhor negócio: baratear os voos espaciais e mandar satélites para o espaço. Sofreu bullying da comunidade aeroespacial. Mas triunfou.

“Se as pessoas quiserem menos liberdade de expressão, pedirão ao governo que aprove leis nesse sentido. Portanto, ir além da lei é contrário à vontade do povo” Elon Musk

Ao mesmo tempo, em 2004, percebera uma startup de carros elétricos nascendo nas mãos do executivo Martin Eberhard e colocou US$ 70 milhões no que viria a ser a Tesla. Resolveu o primeiro produto da companhia, o totalmente elétrico Tesla Roadster, em 2006, e passou ao cargo de CEO. Ao empurrar Eberhard para fora da Tesla, novamente forçou suas ideias na empresa. Está sendo assim também com o Twitter: primeiro, comprou 73 milhões de ações, afirmando querer fazer mudanças ao sentar no conselho da plataforma. Depois, decidiu que o melhor a fazer era simplesmente ser o dono de tudo.

A crise financeira global de 2008 quase levou a montadora à falência, não fosse o investimento pessoal de Musk de US$ 40 milhões e mais um empréstimo dele mesmo de mais US$ 40 milhões. Para piorar, a SpaceX quase quebrou. O futuro bilionário vivia de empréstimos pessoais para pagar as contas, até que ao final de 2008 assinou contrato com a Nasa no valor de US$ 1,5 bilhão. Ele foi criado para levar suprimentos ao espaço. Mais tarde, o acordo evoluiu para US$ 2,9 bilhões, com entrega de materiais para a Estação Espacial Internacional e foguetes reusáveis. Graças ao sonho de um empreendedor privado, os Estados Unidos, após aposentar seus ônibus espaciais em 2011, estavam novamente no páreo da exploração cósmica. A virada projetou também a Tesla, que ganhou novos investidores e, em 2010, fez seu IPO levantando US$ 226 milhões — foi a primeira montadora a fazer isso desde a Ford, em 1956.

TENDÊNCIAS Com os dois pés na tecnologia, Musk é atualmente o maior influenciador global de tendências. Com seu império calcado em negócios pulverizados e de larga escala, tem poder de atingir a vida de milhões de pessoas. Isso sem falar no poderio financeiro. Apenas a Tesla vale hoje US$ 911 bilhões, ou R$ 4,5 trilhões. “Passamos por uma profunda mudança do eixo de poder, vinculado ao capital, e as pessoas querendo que as empresas assumam papel de responsabilidade social”, disse Fernando Moulin, professor do Insper.

Para Miceli, da FGV, o risco que Elon Musk representa está associado ao seu sucesso. “Com influência financeira e política, ele move empresas e pessoas, manipula mercados e a sociedade”, disse. Muitas coisas relevantes centralizadas nas mãos de um homem pode ser perigoso? “Tem o risco inerente ao tamanho e à proporção que esses movimentos podem atingir”, afirmou Miceli.

Até criptomoedas se mexem baseadas em comentários ou compras dele. Arrematou bitcoins via Tesla em fevereiro de 2021, disse que venderia carros na cripto e seu valor subiu; adquiriu o Twitter e sua favorita dogecoin foi às alturas, pois investidores acreditam que ele possa ligá-la ao microblog. Moulin atenta para esse perfil: “Ele é expert em manipular isso em prol de si mesmo.” Musk é imbatível como influenciador. Resta saber se para o bem.