Os últimos dois meses foram intensos para o italiano Carlo Zorzoli, presidente da Enel no Brasil. Aos 50 anos, o executivo, que está no País desde 2015, teve de travar uma batalha sem descanso com a Neoenergia, do grupo espanhol Iberdrola. As empresas queriam o controle da Eletropaulo, a principal distribuidora brasileira de energia elétrica. Entre a primeira oferta de R$ 25,51 por ação, feita pelos espanhóis, até o valor pago de R$ 45,22 pelos italianos, muitas disputas nos bastidores mexeram com a negociação. Uma briga envolvendo uma oferta pública primária de ações (follow on) da Eletropaulo, que seria ancorada pela Neoenergia, tornou a guerra mais complexa. “A Enel precisou agir ativamente para impedir o follow on, porque se ele ocorresse era bem provável que a Neoenergia ficasse com a Eletropaulo”, diz uma fonte que participou das negociações.

Em 22 de abril, a Enel fez um anúncio público criticando a oferta e enviou ofícios à Comissão de Valores Mobiliários e ao Tribunal de Contas da União. A pressão levou o conselho de administração da Eletropaulo a desistir da operação. Alguns dias depois, a Iberdrola partiu para o ataque e mandou uma carta à Comissão Europeia alegando que a Enel estava distorcendo a competição. O duelo só chegou ao fim no último dia 4, quando a italiana venceu a disputa. Por R$ 5,5 bilhões, ela arrematou 73% das ações da Eletropaulo – o lance da rival foi 14% menor. Na Oferta Pública de Aquisição (OPA), a americana AES e o BNDES venderam suas fatias de 16,8% e 19,4%, respectivamente. O restante ficou por conta dos minoritários. “Quando há uma disputa é normal que tenha uma pressão nos preços, mas não achamos que foi caro. Compramos olhando a empresa no futuro”, diz Zorzoli.

Vencer a batalha garantiu à Enel o controle de um dos ativos mais cobiçados do setor elétrico nacional e, de quebra, o posto de maior distribuidora de energia do Brasil. Com a incorporação da Eletropaulo, a filial brasileira da empresa italiana aumentou em sete milhões sua base de clientes, atingindo um total de 17 milhões de consumidores. A segunda maior, a própria Neoenergia, conta com 13,5 milhões. “A Enel já tinha uma posição relevante no Brasil, mas agora adquiriu a joia da coroa”, diz Sergio Goldman, analista da Magliano Corretora. A elétrica italiana opera em território nacional com três distribuidoras, que atendem os Estados do Ceará, Rio de Janeiro e Goiás, além de atuar na geração e transmissão de energia (leia mais no quadro ao final da reportagem).

Mercado cobiçado: a Eletropaulo faz a distribuição de energia da região metropolitana de São Paulo (foto à esquerda). No Brasil, a Enel já possui distribuidoras no Ceará (foto à direita), no Rio de Janeiro e em Goiás

Globalmente, o grupo fatura mais de € 74 bilhões. A italiana se comprometeu a realizar, após a conclusão da operação, um aumento de capital no valor de R$ 1,5 bilhão, para reforçar a estrutura financeira da Eletropaulo. Além disso, planeja investir US$ 900 milhões no período entre 2019 e 2021, para a manutenção da estrutura e a melhoria da qualidade de distribuição, com foco na digitalização da rede. A expectativa é que os aportes melhorem a eficiência, gerando um aumento nas margens de lucro. Os motivos dessa briga intensa pela distribuidora paulista não são difíceis de entender.

A Eletropaulo opera concessões em um dos mercados mais atrativos do País, a região metropolitana de São Paulo, e já era, mesmo antes da aquisição, a maior distribuidora em volume de energia consumida. “É uma área com uma população com alto poder aquisitivo e onde a carga é muito concentrada, o que torna a logística menos complexa”, diz João Carlos de Mello, presidente da consultoria Thymos Energia. Além disso, a gestão anterior da Eletropaulo vinha investindo pouco nos últimos anos, o que abre uma oportunidade imensa para a nova controladora de melhorar os indicadores da empresa e tirar uma rentabilidade maior da operação. “A Eletropaulo não vinha investindo o que precisava”, diz Victor Martins, analista da Planner. A gestão anterior investiu uma média anual de US$ 220 milhões, de 2015 até 2017, abaixo dos US$ 300 milhões por ano que a italiana pretende aportar.

Além da importância para a Enel, a operação tem relevância para o setor de energia no Brasil. Há um enorme apetite de grupos estrangeiros pelos ativos brasileiros. As três maiores empresas privadas de distribuição do País já são de capital externo: a Enel, a Neoenergia e a chinesa State Grid, que controla a CPFL. “Os grupos estrangeiros estão consolidando as posições no Brasil e se preparando para novas oportunidades”, afirma Paulo Dantas, sócio do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, especializado no ramo. A própria Enel sinalizou que está de olho em outros ativos. De acordo com Zorzoli, o grupo possui globalmente uma alavancagem baixa (2,4 vezes a sua geração global de caixa), o que permite novas investidas no mercado brasileiro. “Temos capacidade financeira para fazer essa aquisição e seguir olhando outros ativos”, afirma ele, que não deu pistas sobre quais serão suas próximas investidas. A aquisição da Eletropaulo já mostrou a força e o apetite dos italianos.

Correção: o nome correto do sócio do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados é Paulo Dantas. A reportagem foi atualizada.