Ao aprovar, na semana passada, o projeto de prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia, que respondem por mais de 8 milhões de empregos, até o final de 2023, o Parlamento brasileiro deu mais uma prova de que nada entende de economia — e de liberalismo. O projeto nascido na Câmara e que agora recebeu aval do Senado é, na prática, apenas uma transferência de renda para parte do empresariado brasileiro. No máximo, a ação pode até conter o fluxo de demissões nas empresas, mas é incapaz de criar vagas o bastante para reverter o desemprego de dois dígitos que assola o País. E ainda desfalca o combalido caixa federal.

Historicamente, medidas de incentivo ao emprego por meio de benefícios a empresários dividem opiniões. No curto prazo, quando é implementada em uma economia com curva ascendente, ela tem potencial alto de geração de emprego, mas se replicada em momentos de baixa confiança econômica, a redução dos gastos com funcionários pode servir de colchão para empresários temerosos com o futuro. Já no longo prazo sempre dará errado. Porque o resultado será a distorção da competitividade entre setores mais o artificialismo para a manutenção do nível de emprego. Além, é claro, da questão fiscal. “É legítimo e importante a tentativa de gerar vagas, mas é ainda mais importante que a política tributária seja mais transparente e menos complexa”, destacou Erick Baumgartner, pesquisador na Bocconi University, de Milão (Itália).

A desoneração nasceu há dez anos, no governo Dilma Rousseff, e contemplava quatro setores. Como todo mundo quer a mesma boquinha, já chegou a 56 — foi drenado no fim do governo Michel Temer, em 2018 — até ficar limitado a 17. Entre seus defensores estão fortes segmentos empresariais altamente empregadores. José Pastore, professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP, acredita que o fim da desoneração da folha de pagamentos sem uma contrapartida para reduzir custos das empresas, como uma reforma tributária eficiente, poderia gerar um colapso, com aumento de demissões, adiamento de contratações e um impulso maior à informalidade. “O fim da desoneração seria um convite para uma crise social”, disse. Crise que já existe, aliás, e nunca foi resolvida por desonerações.

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“A aprovação é importante porque alcança setores com alto índice de empregabilidade e ajuda um delicado momento da economia” Veneziano Vital do Rêgo Senador MDB-PB.

APELO ELEITORAL Na prática, o texto de relatoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) permite que as empresas substituam a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários dos empregados por uma alíquota sobre a receita bruta, que pode variar de 1% a 4,5%. Segundo o parlamentar, a medida é essencial nesse momento. Ao final de 2020, quando se discutia uma extensão ao benefício, o presidente Bolsonaro chegou a vetar um texto similar ao atual, mas a expectativa geral é que ele não vetará novamente a proposta por ter forte apelo eleitoral.

Outro setor ansioso é representado por John Anthony von Christian, presidente da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). Para ele, com a desoneração, será possível a criação de 100 mil vagas de trabalho no ano que vem. Na mesma linha está o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, que vê a renovação da desoneração como extremamente importante porque as empresas ainda estão com as finanças contaminadas pela crise. Para ele, além da deterioração do ambiente macroeconômico, ainda estão sentindo os efeitos da crise causada pela pandemia.

FÔLEGO A MAIS Indústria têxtil seguiu na lista e a desoneração ajudará a manter os empregos. (Crédito:Lucio Caldas)

Um estudo liderado por Baumgartner ajuda a entender o efeito no emprego quando o momento econômico é mais pulsante. Com base em dados oficiais, ele avaliou o mercado de trabalho brasileiro entre 2009 a 2014 e constatou aumento de 4,9% no nível médio de emprego entre as empresas beneficiadas pela medida. Muito embora, segundo Baumgartner, não tenha ocorrido efeito sobre os salários. E nem a manutenção das vagas quando a economia colapsou no triênio 2014-2016.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro é uma das que não relaciona a desoneração com um aumento substancial de vagas. Isso porque os empresários poderão usar os valores economizados para reforçar o caixa. Mas o fato é que em dois pontos todos concordam: para o emprego, a medida não fará mal (ainda que não faça grande bem), e só isso é pouco. Muito pouco. E se transforma em armadilha no médio prazo.