À frente da empresa de recrutamento que fatura US 1 bilhão ao ano, o executivo diz que a revolução no mercado de trabalho não eliminará tão cedo vagas de gestores

Um dos principais recrutadores do mundo, Steve Ingham, um britânico nascido na Cornualha, costa sul da Inglaterra, conhece bem o mercado de trabalho global e também o brasileiro, para onde já viajou muitas vezes. Há mais de 30 anos atuando na alocação de executivos para grandes empresas, ele é, desde 2006, CEO da companhia líder desse segmento no mundo, a PageGroup, com um faturamento de US$ 1 bilhão no ano passado. Durante essas três décadas, acompanhou diversas mudanças nas formas de trabalho e modelos de gestão nas grandes empresas, e vê agora uma revolução batendo à porta com a inteligência artificial, a robotização e as redes sociais. “Avisamos os candidatos a empregos que eles precisam de um trabalho com mais elementos digitais. Se for assim, eles serão uma parte do futuro. Se não, serão parte do passado”, diz Ingham. Na entrevista a seguir, o executivo fala à DINHEIRO sobre esses temas e destaca o crescimento das contratações em diversos setores no Brasil e no mundo.

DINHEIRO – O mercado de contratações de executivos passa por um bom momento?

STEVE INGHAM – Tem sido um período ótimo. Tivemos um ano de resultados recorde, com faturamento e número de pessoas contratadas maiores do que nunca. Houve crescimento no ano passado em quase todos os lugares do mundo. Claro que há sempre manchetes que preocupam, como as incertezas do Brexit no Reino Unido e os protestos dos “coletes amarelos” na França. Mas as coisas continuam bem.

DINHEIRO – Há uma tendência geral de crescimento sustentável?

INGHAM – Parece que sim. O desemprego no mundo está numa época de baixa recorde, o que é interessante até pelo tanto de discussões sobre a tecnologia roubar trabalhos. Até agora isso não aconteceu. O momento de recorde geral de emprego esconde ainda algumas tendências interessantes. Por exemplo, em trabalhos de escritório, o desemprego é ainda menor do que junto ao chão de fábrica. As pesquisas que mostram as percepções dos CEOs indicam que eles acreditam que as maiores ameaças para muitas empresas hoje é a falta de talentos: encontrar e contratar bons profissionais. Para nós, isso é bom, já que o nosso trabalho é encontrar onde eles estiverem. Então, o momento traz muita demanda para o que fazemos em todo o mundo. E o trabalho de encontrar as pessoas certas ficou muito mais sofisticado.

DINHEIRO – As habilidades que as empresas precisam são bastante diferentes das exigidas dos candidatos no passado?

INGHAM – Há uma evolução com o surgimento de novas funções. Estou há 33 anos no PageGroup e os nomes dos empregos que recrutamos mudaram bastante. Existe um elemento digital muito maior em relação a muitos trabalhos. Eu comecei recrutando em marketing, e o foco era em gestores de marca, com ênfase em anúncios para TV e rádio. Agora, necessitam de conhecimento de anúncios online e comunicação digital. Precisamos estar à frente e perceber as tendências.

DINHEIRO – O trabalho do recrutador inclui aconselhar os candidatos a se prepararem para os empregos do futuro?

INGHAM – Os nossos clientes são as empresas. Mas os candidatos nos perguntam o que fazer para se tornarem mais atraentes para as companhias no futuro. Avisamos que precisam de um emprego com mais elementos digitais. Se for assim, eles serão uma parte do futuro. Se não, serão parte do passado.

“No Sul da China, havia fábricas gigantescas com trabalho intensivo de baixo custo. O trabalho já não é mais tão barato”Fábrica de celulares em Shenzhen, na China, em 2008: a produção, hoje, é praticamente toda automatizada

DINHEIRO – É difícil encontrar quem combine boa experiência de gestão com as novas habilidades necessárias para os cargos atuais?

INGHAM – É muito raro. Trata-se de um desafio para os profissionais. Se ficam por muito tempo num trabalho sem conteúdo digital, podem perder o barco. Existe uma alta oferta de candidatos a empregos que pertencem ao passado. Mas há pouca oferta para essas posições. Então, o que acontece é uma inflação de salários, o que é bom se você for um desses candidatos preparados para o futuro. Não há muitos com as habilidades digitais.

DINHEIRO – Outra grande tendência é o uso de inteligência artificial e machine learning nas empresas. Essas tecnologias vão substituir empregos no longo prazo?

INGHAM – A substituição já está acontecendo. Quando vemos fotos da época da Segunda Guerra na Europa, há sempre muitas mulheres trabalhando em fábricas. Havia milhares e milhares de pessoas trabalhando em linhas de produção para tarefas básicas. E elas faziam isso o dia inteiro. Hoje, não se vê mais fábricas assim em nenhum lugar do mundo. Mesmo nos países com o trabalho mais barato do mundo. Simplesmente tudo isso mudou. No sul da China, em particular, em Shenzhen, havia, pouco tempo atrás, fábricas gigantescas com trabalho intensivo produzindo coisas a baixo custo. A mão de obra era muito barata lá. Já não é mais. A inflação atingiu a China. O trabalho ficou mais caro e precisou se especializar. Eu estive recentemente em empresas como a Huawei e não existem mais milhares de pessoas nas fábricas. A produção já é automatizada. Dito isso, eles precisam de engenheiros muito sofisticados para operar essas máquinas e garantir que elas trabalhem de forma correta com a qualidade certa.

DINHEIRO – Existe o risco de desemprego em massa nessa categoria de trabalho?

INGHAM – A PageGroup não recruta para esse nível. Os trabalhos que serão substituídos são os de colarinho azul, de chão de fábrica. Alguns deles ainda são necessários. Não imagino que, em cinco ou dez anos, haverá robôs limpando as ruas. Mas, com certeza, alguns trabalhadores serão substituídos. Pelo que vemos no nosso mundo, as tarefas, de forma geral, estão mudando, em vez de os trabalhos serem eliminados. Em teoria, teremos mais tempo em nossas mãos e haverá mais gente buscando trabalhadores para o turismo e entretenimento. Precisaremos também de mais profissionais de saúde, porque as pessoas estão envelhecendo e alguém terá de tomar conta delas. Algumas atividades não serão necessários e outras serão ainda mais.

DINHEIRO – O trabalho no escritório também será diferente? As empresas demandam mais gente que saiba de estatística e de dados?

INGHAM – Interpretadores de dados serão necessários. Em muitas procuras de profissionais isso aparece. Será uma atividade crítica.

DINHEIRO – O conhecimento necessário para ser CEO mudou? Essa sempre foi uma função muito ligada à gestão financeira e operacional. Agora, eles precisam saber de impactos de marca, de repercussão políticas que algumas ações podem ter e sustentabilidade…

INGHAM – Depende do setor. Na Grã-Bretanha há uma grande empresa que faz plásticos para aviões. O que deve envolver alta tecnologia. Mas a reputação dessa empresa como marca não deve causar tanta preocupação a seus executivos quanto a de uma empresa farmacêutica ou de uma Nike, que podem sofrer impacto com consumidores nas redes sociais de uma hora para a outra. De qualquer forma, existem novas preocupações de transparência. Por sorte, fui eleito um dos 10 melhores CEOs do Reino Unido em votação de funcionários e ex-funcionários. Eu nunca era medido dessa forma, e agora sou. Até os ex-funcionários podem me avaliar de acordo com diversos critérios. Vou receber uma nota por isso, e ela estará disponível para todos saberem. Por sermos uma empresa de capital aberto, agora também precisamos reportar informações sobre diversidade. Os clientes e os nossos candidatos a empregos vão olhar para isso. Uma mulher poderia não se candidatar a uma vaga conosco se soubesse que não há um bom equilíbrio de gêneros na empresa.

DINHEIRO – As empresas estão pedindo mais diversidade dos candidatos em suas contratações? Várias delas estipularam cotas para mulheres e minorias em seus quadros, não?

INGHAM – Isso está acontecendo. Eu pessoalmente não acredito em cotas. Acredito em desempenho e meritocracia. Mas isso não significa que não deveria haver igualdade em todos os níveis dos negócios. Só acho que não dá para fazer uma engenharia disso do dia para a noite. Mas muitas empresas vêm até nós dizendo que estão com um problema porque precisam melhorar o equilíbrio de gêneros. No nosso conselho de administração também temos de garantir que isso aconteça. Atualmente, temos 50% de mulheres. As empresas estão mais preocupadas com isso e não só apenas em números, mas também em pagar salários do mesmo nível para homens e mulheres. Não sugeriria que uma empresa estipulasse uma meta para atingir no fim do ano. Seria perigoso. Mas é uma evolução que está acontecendo.

“No segundo semestre deste ano e em 2020, os investimentos estrangeiros em petróleo e gás voltarão ao Brasil” Plataforma da Petrobras em Angra dos Reis (RJ)

DINHEIRO – Além do segmento de saúde, quais outros setores são mais promissores no momento?

INGHAM – Tecnologia em geral. É só ver como as coisas evoluíram nos últimos dez anos e como podem mudar na próxima década. Mas o que nos surpreendeu foi o crescimento, em diversos países, de procurade profissionais em construção. Você vê isso tanto na China quanto no Reino Unido. A quantidade de guindates de construção pelo mundo é um termômetro do vigor dessa atividade. Mesmo em Londres, uma das cidades mais antigas do mundo, estão sendo construídas duas linhas de metrô. São projetos gigantescos. E empregam engenheiros sênior e gerentes de projeto. Esse setor foi o que mais cresceu no ano passado.

DINHEIRO – No Brasil, não se vê tantas gruas no horizonte das grandes cidades, o que demonstra que estamos ainda saindo de uma grande crise. Qual sua avaliação do mercado brasileiro?

INGHAM – Tive a chance de fazer uma apresentação para o escritório brasileiro recentemente e resumi a situação. Há muita gente nova na nossa empresa e não necessariamente eles se lembram de como era a atividade aqui até 2015. Claramente houve um período difícil no Brasil. E a PageGroup também teve dificuldades no País. Um dos meus trabalhos é garantir que estejamos com força financeira para permanecermos num país mesmo quando a economia vai mal. O Brasil chegou a ser o terceiro país em negócios para a Page. É um grande país quando está funcionando bem. Mas, de vez em quando, isso não acontece. Não perdemos dinheiro, mas foi difícil fazer dinheiro. Em 2017, percebemos o começo da recuperação, e a cada trimestre foi ficando um pouco melhor. No ano passado, crescemos quase 20%. Já tivemos anos melhores, mas o resultado foi positivo.

DINHEIRO – E para este ano?

INGHAM – Esperamos crescer mais do que em 2018. As eleições foram boas para os negócios. Fora do Brasil, os comentários que leio em relatórios de analistas e em jornais são de que as perspectivas de negócios estão muito positivas. Sei que, por aqui, pelo que me reportam, a expectativa também é. O bom é que a memória é curta. As pessoas sabem que há grandes desafios, mas o otimismo geral ajuda. O Brasil é um país muito rico em termos do que pode oferecer. É um lugar grande, com uma economia gigante e uma enorme população. Muita gente tem falado em investir aqui. Estamos crescendo em número de pessoas no Brasil e esperamos aumentar os nossos quadros. Esperamos que não aconteçam novos choques.

DINHEIRO – Que setores vão melhor por aqui?

INGHAM – A recuperação está boa no geral. Uma preocupação que tivemos é que, por causa do tamanho da crise com os preços baixos de commodities e de petróleo, esses setores foram muito afetados. No passado, nós fizemos muito dinheiro no Rio de Janeiro com petróleo e com empresas como a Vale, que contrataram muita gente. Mas esses segmentos entraram em num período difícil antes de acordarem no último ano. Também percebemos que o setor de saúde e de infraestrutura estão fortes, além do mercado de energia, em especial, de renováveis. Em petróleo e gás, os ciclos são longos. Os grandes leilões estão ocorrendo, com o governo vendendo grandes áreas de exploração. Então, no segundo semestre deste ano e em 2020 as empresas voltarão ao Brasil. Houve muita fusão e aquisição nos últimos 18 meses. Os ativos no País ainda estão custando pouco.

DINHEIRO – O momento é positivo para que empresas estrangeiras venham para cá?

INGHAM – Muito. Empresas bem administradas precisam ter uma visão de longo prazo. Conversamos com uma grande companhia indiana há cerca de um ano. Ela buscava oportunidades de investir em infraestrutura, e o Brasil, agora, sem dúvida permite isso.