Na Argentina o aperto só aumenta. O presidente Mauricio Macri subiu mais um degrau na escalada de sacrifícios impostos aos seus conterrâneos. Adotou um pacote de medidas de austeridade que contempla a receita ortodoxa de mais aumento de impostos e corte de gastos. Até a atividade de exportações foi atingida, amplificando as fraquezas da indústria local – que já segue bastante debilitada – e impondo reflexos até nos parceiros vizinhos, como o Brasil. São ajustes que não acalmaram os mercados. O peso, em desabalada desvalorização, registrou queda de 4,3% no mesmo dia do anúncio das decisões de Macri.

Há um clima de tensão e de temor no ar pela probabilidade de quebradeira generalizada. O mandatário erra no “timing” das escolhas para agradar aos interesses do FMI, que já tutela sua dívida e hesita em liberar a promessa de socorro, da ordem de US$ 50 bilhões. Macri pede a antecipação de ao menos parte desse montante antes mesmo de apresentar os resultados do ajuste. O Fundo Monetário desconversa. Diz que o diálogo está avançando bem, mas vai cozinhando as negociações em banho-maria. Macri disparou esse conjunto de arrochos depois de ter adiado reformas profundas que, lá atrás, se mostravam necessárias e que ele, por inabilidade, deixou de fazer.

Muitos enxergam vários desatinos no pacote proposto por Macri. Por exemplo, com relação à política de taxa de juros, que subiu ao patamar indecente de 60% ao ano. A previsão oficial da inflação já supera – e muito – a meta oficial, com uma projeção da ordem de 40% para este ano. A desvalorização da moeda argentina alcançou no período até aqui o nível de 52%, maior queda desde 2002. Se há luz no fim do túnel, ela ainda não foi vislumbrada pela massa de desempregados e empresários falidos que protestam contra as novas medidas restritivas. Estão todos insatisfeitos e a popularidade do chefe da Nação segue em queda vertiginosa. A Argentina, nessa toada, vem contaminando vários emergentes.

No conjunto, com a debacle da Turquia, os descaminhos da Venezuela e mesmo com a crise persistente do Brasil investidores do mundo inteiro estão enxergando o atual ciclo com muita precaução e correm para o porto seguro do dólar. Isso tem retraído o fluxo de recursos globais e comprometido as chances de liquidez nos mercados em desenvolvimento. Recentemente, até a África do Sul anunciou a entrada efetiva em um período de recessão agravando a percepção mundial sobre as economias tidas como frágeis no momento. O temor de analistas é que essa impressão persista a ponto de tornar realidade uma pandemia de nações em dificuldades, como aconteceu após a quebra da Grécia com a Europa inteira sendo seriamente afetada.

(Nota publicada na Edição 1086 da Revista Dinheiro)