O executivo que já atuou em diversos países à frente de grandes construtoras e hoje responde pela operação local de uma gigante espanhola do setor de infraestrutura e energia entende que é preciso simplificar e facilitar o entendimento dos impostos para aproveitar o potencial do Brasil na atração de capital estrangeiro.

O grupo espanhol Acciona tem mais de um século de vida e presença em 40 países com cerca de 100 empresas. O faturamento anual é da ordem de 8 bilhões de euros. E embora seja pouco conhecido no Brasil, é aqui que o grupo tem seu maior investimento: a linha 6 do metrô de São Paulo, parceria público-privada (PPP) do governo estadual com a concessionária Linha Universidade, orçada em R$ 15 bilhões. Um acidente, sem vítimas, durante a escavação de um trecho vizinho ao Rio Tietê, em fevereiro, causou sérios transtornos à cidade e colocou a Acciona no noticiário. A empresa agiu rápido para repara os danos e a obra segue como um dos orgulhos do diretor país da Acciona Brasil, André de Angelo. Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele já atuou como executivo do setor de construção dentro e fora do Brasil. Na Acciona desde abril de 2018, ele entende que a PPP do metrô paulista se destaca tanto pelo que acrescenta em sustentabilidade ao setor quanto pelo pioneirismo que representa para a empresa no mundo, como detalhado nesta entrevista.

DINHEIRO – A Acciona ainda é pouco conhecida dos brasileiros. Como você define a empresa?
ANDRÉ DE ANGELO – A Acciona é um grupo espanhol com mais de 100 anos, formado por empresas familiares do setor de construção (rodovias, ferrovias, estações de tratamento de água e esgoto) que foram se juntando. Há aproximadamente 20 anos, o chairman e principal acionista, José Manuel Entrecanales, tomou a decisão de se dedicar ao que ele chama de ‘soluções para o planeta’. A energia renovável passou a ser o foco da companhia, em virtude das mudanças climáticas. Comprou empresas, investiu em aerogeradores e a Acciona passou a ser orientada não apenas para a produção de energia regenerativa como pela ênfase ambiental em projetos de infraestrutura. Cada negócio do grupo, seja como construtor, investidor ou concessionário, precisa ter viés sustentável. O que a Acciona busca é obter resultados a partir de investimentos que gerem um mundo melhor.

A empresa é neutra em carbono desde 2016 e um de seus objetivos declarados é “liderar a transição para uma economia de baixo carbono”. Como isso gera valor?
No nosso caso não basta apenas ser neutro em carbono. Temos de ser regenerativos. Em função disso, buscamos projetos que necessariamente estejam alinhados à taxonomia europeia. O valor que isso gera, em primeiro lugar, é para a imagem da empresa, hoje mundialmente associada à sustentabilidade. Segundo, para os colaboradores. O time tem prazer e orgulho em trabalhar numa empresa que tem esse cuidado, não só ambiental como social: com gênero, com diversidade. O terceiro ponto é que isso dá acesso a linhas de crédito mais baratas que as usuais, pois bancos e fundos estão colocando como primeiro ponto do seu check-list o quanto o projeto é sustentável.

“A lei de concessões vem sofrendo melhorias em função de fracassos do passado. Houve consultas públicas e diálogo entre as partes interessadas” (Crédito:Istock)

O grupo está presente em 40 países, com cerca de 100 empresas. De que forma as diferenças regionais impactam nas premissas da companhia?
O primeiro ponto é estudar a cultura local. Respeitar o país não só na parte técnica (tributária, financeira, regulatória) mas culturalmente. O segundo é entender que cada projeto se faz com pessoas do país. Eu sou brasileiro e diretor país da Acciona Brasil. No Chile, o diretor país é chileno. No México, mexicano. A empresa entende que a representação local começa aí. Como nem sempre encontramos a mão de obra disponível para determinados projetos, há casos em que expatriamos colaboradores. Temos brasileiros hoje trabalhando para a empresa na Austrália, no Canadá, na Polônia, no Peru… Foram contratados aqui, onde existe mão de obra superqualificada.

A empresa traz gente de fora para o Brasil?
Em um projeto como a Linha 6 do metrô de São Paulo — que é o maior de infraestrutura sendo executado pela empresa hoje no mundo — tempos cerca de 17 nacionalidades. Espanhóis, venezuelanos, ingleses, brasileiros, cada um na sua especialidade, compondo um time. Eu fui durante 12 anos expatriado, atuando como diretor de uma empresa brasileira em outros países. E hoje, vivendo no meu país, eu represento uma empresa estrangeira. A Acciona tem muito claro que, respeitando a cultura, tudo dá certo.

Que lugar o Brasil ocupa na estratégia de crescimento do grupo?
A Acciona está no Brasil desde 1998. Em 24 anos, participou de concessões em obras públicas e privadas, na construção de rodovias, portos, metrôs, e já viveu todos os ciclos da economia. E em nenhum momento ela decidiu sair. A Acciona sempre acreditou e continua acreditando no Brasil. A maior prova é o investimento de mais de R$ 15 bilhões em uma PPP [Parceria Público-Privada] de longo prazo: cinco anos de construção e mais 19 de operação. A concessionária Linha Universidade, da qual a Acciona é acionista majoritária, tem mais dois sócios, mas a execução da obra é 100% da Acciona.

Por que a empresa escolheu investir em uma linha de metrô em São Paulo?
Nós entendemos que se existe hoje uma cidade no mundo que necessita de investimento em metrô é São Paulo. Madri, com um quarto da população da capital paulista, tem 300 quilômetros de metrô [São Paulo chegou a 104,4 km em dezembro de 2021]. A Linha 6 vai iniciar a operação com 630 mil passageiros. Quem hoje leva 1h40 minutos para ir da Vila Brasilândia ao Centro fará o mesmo trajeto em 23 minutos. Isso tem impacto social, melhora a qualidade de vida das pessoas, além de promover valorização das regiões. Traz benefícios sociais para a cidade.

E do ponto de vista ambiental?
A quantidade de carros e ônibus que iremos tirar das ruas reduzirá as emissões de CO2. Mas não é só. Nesta linha colocaremos em prática a Estação Sustentar, baseada em quatro pilares. Um é a certificação profissional, com 120 mil horas de treinamento para a comunidade. Outro é o empoderamento de gênero, com meta de 15% de mulheres, o que não é fácil na construção pesada. O terceiro é de mobilidade elétrica, com geração de empregos em torno das estações por meio de carros e motos elétricas que farão a conexão de passageiros e entregas por empresas parceiras. O quarto é a inovação. Estamos em contato com várias universidades e iremos financiar 15 startups que tragam soluções para a melhora de produtividade na operação do metrô. É um projeto pioneiro que tem tudo a ver com os pilares da empresa. Esperamos que todos os nossos investimento futuros tragam esse tipo de ação.

“Se existe hoje uma cidade no mundo que necessita de investimento em metrô é São Paulo. A Linha 6 irá iniciar a operação com 630 mil passageiros” (Crédito:Divulgação)

Os resultados da operação brasileira estão em linha com demais mercados?
Em 2021 o grupo faturou globalmente 8 bilhões de euros, com Ebitda de 1,4 bilhão de euros. Hoje o Brasil ainda representa pouco dentro dessa cifra. Cerca de 3%. Mas está entre os três principais mercados em termos de potencial de crescimento. A quantidade de projetos de infraestrutura que precisam da iniciativa privada aqui é muito grande. O orçamento público é insuficiente e o investimento tem sido cada vez menor. O que torna os projetos de infraestrutura viáveis é a parceria. E nós temos bons exemplos de concessões que já foram renovadas, como a Via Dutra. Ela já viveu 25 anos sob gestão privada e foi relicitada. Em outras concessões ocorreu o mesmo, em diversos governos.

Há segurança jurídica para investidores?
Nosso entendimento é que existe uma segurança jurídica e institucional no Brasil para os projetos de infraestrutura. Há um pipeline de investimentos em ferrovias, portos, rodovias e saneamento. Tem de haver alguns ajustes, mas os marcos regulatórios estão permitindo que o investidor estrangeiro venha para dar solução.

O que falta fazer para aprimorar os modelos de concessão?
A lei de concessões vem sofrendo melhorias, aprimoramentos, em função de alguns fracassos do passado. Na segunda rodada de concessões rodoviárias os contratos eram muito leoninos. Transferiam muita responsabilidade para o investidor privado. Às vezes o estudo prévio de demanda era muito otimista. Houve sim fracassos numa determinada época, mas recentemente tivemos uma evolução tremenda, fruto de um diálogo entre as partes interessadas. Os editais passaram a ser submetidos a consulta pública, e se buscou, dentro da lei, que os contratos fossem justos, com os principais riscos compartilhados. Sejam riscos de demanda, geológicos, ambientais.

E quanto aos impostos?
O principal ponto a ser melhorado é a questão tributária. A legislação brasileira nesse aspecto é uma das mais complicadas do mundo. Dado o potencial do Brasil para atrair o investidor estrangeiro, deveria se pensar em uma reforma tributária que facilitasse o entendimento e fosse mais transparente. Esse será o maior desafio do próximo governo. E isso não vale apenas para a infraestrutura como também para indústria e tecnologia.