O desejo de Donald Trump de fechar as fronteiras dos Estados Unidos a potenciais “terroristas” criou um enorme quebra-cabeças jurídico em torno de uma pergunta: até onde chegam os poderes do presidente americano em em termos migratórios?

– Quem vai resolver o conflito? –

Este embate pode ser respondido pela Suprema Corte em Washington, ao ser a encarregada de definir o âmbito constitucional do Executivo e de unificar a jurisprudência.

À espera de que isto ocorra, o caso aguardava nesta terça-feira na corte de apelações de San Francisco, que tem prevista uma audiência às 23h00 GMT (21h00 de Brasília). Cada parte terá 30 minutos para falar por telefone.

Um colega dos três magistrados desta jurisdição, dois nomeados por presidentes democratas e outro nomeado por um presidente republicano, examinará a decisão do juiz James Robart, que suspendeu em nível nacional a aplicação do decreto presidencial, que proíbe a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana por 90 dias e de refugiados por 120 dias (para os sírios, a medida é indefinida).

Visto que é um juiz federal, a decisão de Robart tem amplo alcance e efeito em todo o território nacional.

– Forças em confronto –

Os principais demandantes são os estados democratas de Washington e Minnesota (norte), ambos fronteiriços com o Canadá.

Vários grupos apresentaram ante a Corte documentos para apoiar a demanda contra o decreto, em especial a poderosa União Americana de Liberdades Civis (ACLU, em inglês), o observatório de extremismo Southern Poverty Law Center e a defensora dos refugiados HIAS.

Cerca de 300 professores de Direito e 130 empresas tecnológicas do Vale do Silício apresentaram documentos legais para apoiar a decisão do juiz Robart.

Adicionalmente, outros 15 estados e a capital federal de Washington anunciaram na segunda-feira ter enviado um memorando pedindo a confirmação da decisão.

Além disso, ex-altos funcionários democratas, como os ex-secretários de Estado, John Kerry e Madeleine Albright, e Leon Panetta, ex-ministro da Defesa de Barack Obama, afirmaram em declaração que o decreto da discórdia “erode a segurança nacional”.

No grupo contrário estão o presidente Trump e seu governo, que são defendidos por advogados do Departamento de Justiça.

Eles apelaram da suspensão do decreto depois que o presidente classificou Robart de “pseudo juiz” e sua decisão de “escandalosa”.

Na segunda-feira, o tribunal de apelações de San Francisco fixou uma audiência por teleconferência para esta terça-feira às 23h00 GMT (21h00 de Brasília), na qual cada parte terá 30 minutos para apresentar argumentos.

– Argumentos jurídicos –

Trump ampara sua polêmica decisão nos poderes conferidos a ele pela Constituição dos Estados Unidos. Segundo o artigo 2, o presidente tem toda a autoridade para administrar a política externa e de imigração.

O decreto “se inscreve no exercício legal da autoridade presidencial”, disseram os advogados do governo em um documento apresentado na segunda-feira ante o tribunal de apelações de San Francisco.

Esta postura se baseia no artigo de uma lei adotada há 65 anos, que estipula que o presidente tem a faculdade de suspender a entrada no país de uma categoria de estrangeiros sempre que considerar que sua chegada “seria prejudicial para os interesses” dos Estados Unidos.

O governo também argumenta que a justiça está pouco qualificada para decidir em assuntos de segurança nacional: “Os tribunais não têm acesso a informações confidenciais sobre a ameaça das organizações terroristas”, escreveram.

Os opositores ao decreto também apelam à Constituição, alegando que a decisão de Trump viola princípios fundamentais, como a liberdade de deslocamento, a igualdade entre as pessoas e a proibição da discriminação religiosa, entre outros.

Além disso, consideram que a justiça é um contrapoder do Executivo, que deve proteger as minorias.

Os setores que apoiam a suspensão do decreto também consideram que a medida terá consequências negativas no setor trabalhista, na educação e nos negócios.

– Próxima etapa –

O tribunal de apelações de San Francisco pode validar o decreto de Trump ou confirmar sua suspensão.

No primeiro caso, as autoridades não anteciparam se existirão medidas para evitar detenções e expulsões nos aeroportos, que causaram protestos em várias cidades do país e indignaram a comunidade internacional.

Mas se a decisão do juiz Robart se mantiver em todo o país, os refugiados e os migrantes dos sete países envolvidos poderão seguir entrando nos Estados Unidos.

A parte em desacordo poderá apelar à Suprema Corte, que precisará de uma maioria de cinco sobre oito de seus magistrados para revogar a decisão do tribunal de apelações em San Francisco.

A Suprema Corte está dividida ideologicamente entre quatro juízes conservadores e quatro progressistas. O nono, designado por Trump na semana passada, também é conservador, mas o Senado levará vários meses para confirmar sua nomeação.