Um dos principais conselheiros do presidente Michel Temer, Antonio Delfim Netto continua, aos 89 anos, no comando de umas das mais requisitadas consultorias econômicas. O economista atende seus clientes em um casarão, ao lado do estádio do Pacaembu, em São Paulo. É comum o estacionamento ficar lotado de carros, como no dia 28 de agosto, uma segunda-feira, quando concedeu entrevista às MELHORES DA DINHEIRO (veja foto ao lado). Empresários e políticos o procuram para entender o cenário econômico a partir da visão de alguém que já participou ou colaborou com diversos governos, desde a ditadura militar até o período democrático, e que tem boa articulação com partidos da esquerda à direita. Entre 1967 e 1985, ele foi ministro três vezes: Fazenda, Agricultura e Planejamento. Exerceu cinco mandatos de deputado federal, até 2007. Delfim Netto está otimista em relação ao futuro e avalia que a retomada do PIB é definitiva. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O País vai crescer mais em 2018?

Vai, sim. Já está crescendo, mas ainda não é suficiente, pois a relação dívida/PIB está crescendo muito mais.

A retomada será via consumo ou investimento?

No início, é consumo. Para retomar investimento, é preciso ter expectativas de que a demanda vai aumentar ou de que as exportações vão aumentar.

O governo Temer terá força política para aprovar a reforma da Previdência?

A vantagem do Temer é que, com tão pouca aprovação, ele teve coragem de enfrentar os críticos da reforma, que são o funcionalismo público e os sindicatos. Mas eu diria que as coisas estão começando a melhorar, sem dúvida nenhuma. A aprovação da reforma pode mudar até o ritmo do crescimento econômico.

O sr. sempre diz que a urna corrige os erros. Há algum risco de a urna, em 2018, voltar ao passado?

Sim, mas por que a democracia é o melhor regime? Porque é por tentativa e erro. Nós erramos brutalmente, mas nada garante que não voltaremos a errar, até que as pessoas aprendam que estão erradas. Daí conserta de novo. Não sabemos como será a eleição.

Consultoria requisitada: o estacionamento do escritório do ex-ministro Delfim Netto, em SP, está sempre movimentado com empresários e políticos (Crédito:Gabriel Reis)

Podemos afirmar que o ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deu errado?

De jeito nenhum.

Mas a arrecadação não cresce e a despesa não cai…

Houve uma barbeiragem na estimativa da receita. As despesas obrigatórias também cresceram, mas o efeito nas receitas é muito importante. O plano do Meirelles não falhou. A coisa é complicada mesmo. Tudo o que eles têm dito está na linha correta. Vamos ter de enfrentar esse problema. Não adianta achar que vai resolver com conversa mole.

É inevitável aumentar impostos?

Eu não diria que é inevitável porque, na minha opinião, é muito ruim usar aumento de imposto para pagar salário do funcionalismo. É muito simples. O dinheiro na minha mão, na mão do setor privado, será usado melhor que na mão do governo. O aumento de imposto é deletério para o crescimento, pois derruba o investimento privado. Ao Brasil não resta nada a não ser colônia da China.

A China destruiu a indústria brasileira?

O Brasil é que escolheu isso. Esses economistas que fizeram isso no passado vão ter de explicar por que o setor industrial foi destruído. Era um setor extremamente sofisticado. No fim dos anos 1970, o Brasil tinha o setor industrial mais sofisticado do mundo emergente. As exportações industriais do Brasil, comparadas com as exportações industriais do mundo, cresciam 15% ao ano.

O que matou a indústria brasileira foi o câmbio valorizado?

Sim. A morte da indústria começou no Plano Cruzado. A indústria era tão forte que demorou 30 anos para ser destruída.

Capital privado: a concessão e a privatização de 57 ativos, como a do aeroporto de Congonhas (foto), em São Paulo, ajudará na retomada do crescimento econômico (Crédito:Alfribeiro)

Dá para reverter?

Sim, não temos saída. Um País com 200 milhões de habitantes não pode depender de exportação de matéria-prima e alimentos.

O setor industrial, principalmente o exportador, está reclamando da decisão do governo de não elevar a alíquota do Reintegra, como estava prometido. Quem está certo?

Essa é a coisa mais escandalosa do mundo. O Reintegra não é subsídio. O Reintegra é devolução do imposto. Se você olhar o setor de aço, por exemplo, verá que ele sofre com os juros altos, com o câmbio valorizado e ainda tem mais 7% sobre o preço do aço. Fica inviável. Um sapato fabricado em Franca (SP) que será vendido em Frankfurt (Alemanha) deveria pagar imposto para a Angela Merkel ou para o Geraldo Alckmin? É para o Estado onde o sapato foi comprado. O Reintegra ajusta isso. Em vez de cortar no funcionalismo, o governo corta o Reintegra. É um erro, pois não é subsídio.

O processo de encolhimento do BNDES no governo Temer foi correto ou exagerado?

Foi correto. O BNDES é uma estrutura extremamente competente. O programa de privatizações tem de sair basicamente em cima do BNDES, que tem experiência no assunto. O que aconteceu no passado recente foi um abuso. Injetaram-se recursos do Tesouro no BNDES, cuja utilização não foi das melhores.

Os campeões nacionais?

Isso. O BNDES não foi feito para produzir firma grande. Mas isso é uma questão de política. É o governo que decide. O BNDES não tem nada a ver com isso. É um órgão do governo. O BNDES obedece à política do governo. O BNDES não é culpado. E vou dizer mais. Duvido que vá se encontrar alguma impropriedade nos empréstimos do BNDES. Todos têm garantia.

Neste momento, o BNDES deve financiar as concessões de infraestrutura?

O BNDES vai estudar os projetos e decidir. O banco só deve financiar projetos cuja taxa de retorno social justifique sua participação. O BNDES é um instrumento de crescimento econômico, incluindo a infraestrutura.

A troca da Maria Silvia Bastos pelo Paulo Rabello de Castro na presidência do BNDES foi positiva?

São duas pessoas muito competentes. O Paulo é seguramente mais agressivo.

Juros em queda: ao controlar a inflação, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, abriu caminho para um queda acelerada da taxa Selic. Falta, no entanto, ajuda do lado fiscal (Crédito:Wenderson Araujo)

Ele vai abrir a torneira do crédito?

Não é isso. Acho que ele vai até selecionar melhor.

A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que será utilizada pelo BNDES, é bem-vinda?

É uma boa medida. Reduz o subsídio.

Qual o limite da queda das taxas de juros no atual ciclo de afrouxamento monetário do Banco Central?

O Ilan Goldfajn [presidente do Banco Central] está fazendo um papel muito bom. Apesar da crise política, a Selic pode cair para 7%. Com uma inflação de 3%, dá um juro real de 3,5% a 4%, o que não é ainda uma taxa internacional, mas está próxima do mundo.

A crise fiscal atrapalha a queda da Selic?

Sim, está comprovado que não está sendo possível controlar a dívida. Como a economia cresce pouco, a relação dívida/PIB vai continuar aumentando, ou seja, o governo vai precisar de mais recursos para financiar a sua dívida. Para te convencer a comprar um título público, o governo terá de oferecer juros maiores. Portanto, para a Selic continuar caindo, é preciso ter o suporte fiscal. Seria uma tragédia ter de aumentar os juros por causa do rombo fiscal.

Neste momento, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o maior risco internacional?

Depois de muitos anos, é a primeira vez em que há uma sincronização de todas as economias do mundo. É inacreditável, mas o Brasil é a única exceção. Todas as economias estão em expansão. O presidente Trump é um caso de junta médica.

Trump pode influenciar a política de juros do Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos)?

Ele pode causar um estrago, pois ele vai nomear três diretores do Fed e ainda vai substituir a presidente Janet Yellen. Ele terá maioria no Banco Central. Espera-se que o Senado filtre essas indicações. O Trump está tomando um risco fiscal que ele não tem condições de administrar. Acredito que haverá alguma intervenção interna para evitar que ele continue fazendo besteira.