14/09/2017 - 22:55
Um dos principais conselheiros do presidente Michel Temer, Antonio Delfim Netto continua, aos 89 anos, no comando de umas das mais requisitadas consultorias econômicas. O economista atende seus clientes em um casarão, ao lado do estádio do Pacaembu, em São Paulo. É comum o estacionamento ficar lotado de carros, como no dia 28 de agosto, uma segunda-feira, quando concedeu entrevista às MELHORES DA DINHEIRO (veja foto ao lado). Empresários e políticos o procuram para entender o cenário econômico a partir da visão de alguém que já participou ou colaborou com diversos governos, desde a ditadura militar até o período democrático, e que tem boa articulação com partidos da esquerda à direita. Entre 1967 e 1985, ele foi ministro três vezes: Fazenda, Agricultura e Planejamento. Exerceu cinco mandatos de deputado federal, até 2007. Delfim Netto está otimista em relação ao futuro e avalia que a retomada do PIB é definitiva. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O País vai crescer mais em 2018?
Vai, sim. Já está crescendo, mas ainda não é suficiente, pois a relação dívida/PIB está crescendo muito mais.
A retomada será via consumo ou investimento?
No início, é consumo. Para retomar investimento, é preciso ter expectativas de que a demanda vai aumentar ou de que as exportações vão aumentar.
O governo Temer terá força política para aprovar a reforma da Previdência?
A vantagem do Temer é que, com tão pouca aprovação, ele teve coragem de enfrentar os críticos da reforma, que são o funcionalismo público e os sindicatos. Mas eu diria que as coisas estão começando a melhorar, sem dúvida nenhuma. A aprovação da reforma pode mudar até o ritmo do crescimento econômico.
O sr. sempre diz que a urna corrige os erros. Há algum risco de a urna, em 2018, voltar ao passado?
Sim, mas por que a democracia é o melhor regime? Porque é por tentativa e erro. Nós erramos brutalmente, mas nada garante que não voltaremos a errar, até que as pessoas aprendam que estão erradas. Daí conserta de novo. Não sabemos como será a eleição.
Podemos afirmar que o ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deu errado?
De jeito nenhum.
Mas a arrecadação não cresce e a despesa não cai…
Houve uma barbeiragem na estimativa da receita. As despesas obrigatórias também cresceram, mas o efeito nas receitas é muito importante. O plano do Meirelles não falhou. A coisa é complicada mesmo. Tudo o que eles têm dito está na linha correta. Vamos ter de enfrentar esse problema. Não adianta achar que vai resolver com conversa mole.
É inevitável aumentar impostos?
Eu não diria que é inevitável porque, na minha opinião, é muito ruim usar aumento de imposto para pagar salário do funcionalismo. É muito simples. O dinheiro na minha mão, na mão do setor privado, será usado melhor que na mão do governo. O aumento de imposto é deletério para o crescimento, pois derruba o investimento privado. Ao Brasil não resta nada a não ser colônia da China.
A China destruiu a indústria brasileira?
O Brasil é que escolheu isso. Esses economistas que fizeram isso no passado vão ter de explicar por que o setor industrial foi destruído. Era um setor extremamente sofisticado. No fim dos anos 1970, o Brasil tinha o setor industrial mais sofisticado do mundo emergente. As exportações industriais do Brasil, comparadas com as exportações industriais do mundo, cresciam 15% ao ano.
O que matou a indústria brasileira foi o câmbio valorizado?
Sim. A morte da indústria começou no Plano Cruzado. A indústria era tão forte que demorou 30 anos para ser destruída.
Dá para reverter?
Sim, não temos saída. Um País com 200 milhões de habitantes não pode depender de exportação de matéria-prima e alimentos.
O setor industrial, principalmente o exportador, está reclamando da decisão do governo de não elevar a alíquota do Reintegra, como estava prometido. Quem está certo?
Essa é a coisa mais escandalosa do mundo. O Reintegra não é subsídio. O Reintegra é devolução do imposto. Se você olhar o setor de aço, por exemplo, verá que ele sofre com os juros altos, com o câmbio valorizado e ainda tem mais 7% sobre o preço do aço. Fica inviável. Um sapato fabricado em Franca (SP) que será vendido em Frankfurt (Alemanha) deveria pagar imposto para a Angela Merkel ou para o Geraldo Alckmin? É para o Estado onde o sapato foi comprado. O Reintegra ajusta isso. Em vez de cortar no funcionalismo, o governo corta o Reintegra. É um erro, pois não é subsídio.
O processo de encolhimento do BNDES no governo Temer foi correto ou exagerado?
Foi correto. O BNDES é uma estrutura extremamente competente. O programa de privatizações tem de sair basicamente em cima do BNDES, que tem experiência no assunto. O que aconteceu no passado recente foi um abuso. Injetaram-se recursos do Tesouro no BNDES, cuja utilização não foi das melhores.
Os campeões nacionais?
Isso. O BNDES não foi feito para produzir firma grande. Mas isso é uma questão de política. É o governo que decide. O BNDES não tem nada a ver com isso. É um órgão do governo. O BNDES obedece à política do governo. O BNDES não é culpado. E vou dizer mais. Duvido que vá se encontrar alguma impropriedade nos empréstimos do BNDES. Todos têm garantia.
Neste momento, o BNDES deve financiar as concessões de infraestrutura?
O BNDES vai estudar os projetos e decidir. O banco só deve financiar projetos cuja taxa de retorno social justifique sua participação. O BNDES é um instrumento de crescimento econômico, incluindo a infraestrutura.
A troca da Maria Silvia Bastos pelo Paulo Rabello de Castro na presidência do BNDES foi positiva?
São duas pessoas muito competentes. O Paulo é seguramente mais agressivo.
Ele vai abrir a torneira do crédito?
Não é isso. Acho que ele vai até selecionar melhor.
A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que será utilizada pelo BNDES, é bem-vinda?
É uma boa medida. Reduz o subsídio.
Qual o limite da queda das taxas de juros no atual ciclo de afrouxamento monetário do Banco Central?
O Ilan Goldfajn [presidente do Banco Central] está fazendo um papel muito bom. Apesar da crise política, a Selic pode cair para 7%. Com uma inflação de 3%, dá um juro real de 3,5% a 4%, o que não é ainda uma taxa internacional, mas está próxima do mundo.
A crise fiscal atrapalha a queda da Selic?
Sim, está comprovado que não está sendo possível controlar a dívida. Como a economia cresce pouco, a relação dívida/PIB vai continuar aumentando, ou seja, o governo vai precisar de mais recursos para financiar a sua dívida. Para te convencer a comprar um título público, o governo terá de oferecer juros maiores. Portanto, para a Selic continuar caindo, é preciso ter o suporte fiscal. Seria uma tragédia ter de aumentar os juros por causa do rombo fiscal.
Neste momento, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o maior risco internacional?
Depois de muitos anos, é a primeira vez em que há uma sincronização de todas as economias do mundo. É inacreditável, mas o Brasil é a única exceção. Todas as economias estão em expansão. O presidente Trump é um caso de junta médica.
Trump pode influenciar a política de juros do Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos)?
Ele pode causar um estrago, pois ele vai nomear três diretores do Fed e ainda vai substituir a presidente Janet Yellen. Ele terá maioria no Banco Central. Espera-se que o Senado filtre essas indicações. O Trump está tomando um risco fiscal que ele não tem condições de administrar. Acredito que haverá alguma intervenção interna para evitar que ele continue fazendo besteira.