Vivemos a ilusão de uma rápida, consistente e tranquila retomada econômica, no ritmo que os membros da equipe do ministro Paulo Guedes costumam classificar como de crescimento em “V”. Consistente? Real? Naturalmente que as respostas do setor produtivo, especialmente da indústria e do comércio – serviços ainda patinam um pouco – parecem sugerir razões para o otimismo. Nos últimos meses, a reação foi firme e alta. Tem a ver, é obvio, com uma subida sobre uma base baixa, após longa e difícil temporada de paralisação ou até recuo da atividade. Em outras palavras: acontece, sim, o avanço, mas o contexto ainda segue bastante temerário. Especialmente na conta da solidez fiscal do setor público. Não há qualquer garantia nesse sentido. Ao contrário. O mercado precifica uma dívida pública que deve superar, fácil, o tamanho do PIB e isso, por si só, já causa temor quanto a sustentabilidade da retomada. No cenário desenhado, a fuga de investidores do Brasil é gigantesca. As saídas de capital mais que dobraram neste ano e tendem a manter o ritmo em 2021. O mercado se frustra com Bolsonaro e seus rearranjos populistas, muito embora ainda aposte nele devido ao alto índice de aprovação. Como disse um analista da banca financeira: “Ninguém, em sã consciência, vai comprar uma briga com um presidente com mais de 40% de aprovação.” Mas a razão que sustenta o mandatário pode ser também motivo de sua ruína. Toda essa aprovação tem nome e sobrenome: auxilio emergencial, que o capitão tenta converter, a partir de 2021, em um programa robusto de assistencialismo classificado de Renda Cidadã. Vai conseguir? É um enigma. Dinheiro não há e não tem de onde tirar. A charada do crescimento, por sua vez, precisa ser decifrada dentro de outros parâmetros. As reformas, por exemplo, estariam entre eles. Os empresários estão conscientes disso e se mexem para convencer o governo nesse sentido. Saíram da mera torcida para a mobilização e pressão direta. Um grupo deles passou a se organizar, com reuniões regulares, para pedir e cobrar do presidente um compromisso público formal de, ao menos, apoiar tais reformas. Não é o que Bolsonaro quer. Ao contrário: tem dado sinais de cozinhar o assunto em banho-maria pelo potencial de insatisfação que pode gerar. Especialmente as mudanças na área administrativa. O ministro Guedes, por sua vez, fazendo de conta que tem sinal verde, dá andamento aos entendimentos nesse sentido. Firmou as pazes com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e entabulou entendimentos para chegar a um projeto que atenda, ao menos em parte, à meta de enxugamento do Estado. Aos trancos e barrancos, alguma coisa está andando. Mas está longe de significar a tão sonhada recuperação em “V” que muitos prenunciam. Quem sabe, mais adiante aconteça.

Carlos José Marques, diretor editorial