Otimista, o principal executivo de uma das líderes mundiais em logística diz que é da colaboração entre empresas e governos que virá a solução para qualquer crise

Na visão do CEO da companhia alemã DHL, Frank Appel, o principal desafio para o setor logístico é a infraestrutura e a inovação. A empresa tem usado a tecnologia para melhorar a eficiência da operação, mas também testa drones para algumas entregas, especialmente na chamada última milha. “Esperamos que ferramentas tecnológicas, como a internet das coisas e os marketplaces ajudem a reformular nossa indústria e a aprimorar ainda mais a experiência do cliente”, diz o executivo nesta entrevista à DINHEIRO. Para ele, o mercado brasileiro se tornou uma prioridade. Não por acaso, a divisão DHL Express Brasil decidiu investir € 5 milhões (aproximadamente R$ 22 milhões) na ampliação do seu centro de distribuição no País. “Não tenho dúvidas de que o Brasil continuará sendo uma parte importante da DHL no futuro”, diz Appel.

DINHEIRO – Qual é a sua percepção sobre o atual cenário econômico global?

FRANK APPEL – Considerando a agenda que foi discutida em Davos neste ano, estamos vivendo em uma era de “incerteza, fragilidade e controvérsia sem precedentes” e “em um mundo preocupado com a gestão de crises”. É uma observação muito pessimista. Embora eu concorde em partes com essa opinião e entenda a origem desse ponto de vista, sou mais otimista com o futuro da globalização, da cooperação internacional e do comércio. A projeção geral para a economia global permanece sólida para os próximos dois anos e não vemos quaisquer indícios de uma recessão global no curto prazo.

DINHEIRO – O que as empresas, especialmente as multinacionais, podem fazer para ter uma participação mais democrática no comércio internacional?

FRANK APPEL – Penso que o momento que estamos vivendo, de aumento do nacionalismo e do protecionismo, desaparecerá se a política e os negócios continuarem implementando as políticas corretas. Nós tendemos a focar nossa visão em eventos pontuais, como o conflito comercial entre Estados Unidos e China ou o Brexit, mas esquecemos que a maioria dos países está comprometida em estender o comércio global e promover o multilateralismo. Mas o crescimento econômico gerado pelo livre comércio e pela globalização precisa ser inclusivo. E é claro que o crescimento inclusivo precisa estar comprometido com a sustentabilidade e a proteção ambiental, assim como os investimentos em infraestrutura, educação e aprendizagem. As empresas podem desempenhar um papel importante, trabalhando em colaboração com os governos para apoiar investimentos na infraestrutura física e digital, assim como na aprendizagem.

DINHEIRO – Quais são os principais desafios da DHL em termos de infraestrutura logística no Brasil e no mundo?

FRANK APPEL – Investimentos em transporte e infraestrutura apoiam o crescimento econômico. Portanto, é do interesse de qualquer país fazer disso uma prioridade. No geral, a pontuação do Brasil em infraestrutura no Índice de Desempenho de Logística do Banco Mundial tem continuado estável nos últimos dez anos e é consistente com o nível de outras grandes economias da América Latina. Estamos confortáveis com a nossa capacidade de operar com sucesso no Brasil. Vejo mais risco para a cadeia de suprimentos globais nas tendências protecionistas do que nos desafios de infraestrutura.

DINHEIRO – E como podemos superar o problema logístico para fazer entregas em áreas remotas?

FRANK APPEL – Este é um desafio bastante típico em muitos mercados ao redor do mundo. Servir áreas remotas, que normalmente têm uma densidade menor de volume, é caro para os operadores logísticos. Contornamos isso com uma série de medidas que permitem uma troca aceitável entre os prazos de entrega e o custo que os clientes estão dispostos a pagar. Isso pode incluir um projeto de rota mais inteligente, remessas com menor frequência, parcerias com empresas terceirizadas para a última milha e opções de retirada e devolução em unidades físicas. Para embarques mais pesados estamos explorando opções com modais que criam um equilíbrio entre tempo e custo. No Brasil, por exemplo, a cabotagem está crescendo de forma eficaz para os embarques de carga nas rotas Norte-Sudoeste e Norte-Sul. Também estamos aproveitando as novas tecnologias. Recentemente testamos com sucesso algumas entregas com drones na Alemanha e, embora eu acredite que eles funcionam melhor para a última milha, também é adequado para produtos urgentes ou altamente valiosos — como remédios, por exemplo.

“O comércio eletrônico e a digitalização continuarão sendo as principais tendências do mercado”O e-commerce é visto como um caminho de sucesso para ampliar as oportunidades globais da companhia (Crédito:iStock)

DINHEIRO – O que a DHL espera dos negócios em 2019?

FRANK APPEL – Cada uma de nossas divisões tem suas prioridades. Mas este ano o nosso objetivo é fornecer excelente qualidade de serviço e buscar oportunidades de crescimento que nos permitam superar o mercado mesmo em locais que estão enfrentando desaceleração econômica. De maneira geral, o comércio eletrônico e a digitalização continuarão sendo as principais tendências nas quais buscaremos oportunidades de crescimento lucrativas.

DINHEIRO – Quanto o Brasil representa hoje para a DHL?

APPEL – Embora a DHL não divulgue receitas ou volumes de cada país, posso dizer que o Brasil é um mercado importante para nossa empresa. Três de nossas divisões — DHL Express, DHL Global Forwarding e DHL Supply Chain — têm operações de longa data no território brasileiro e ocupam posições de liderança nos seus respectivos mercados de logística.

DINHEIRO – E quais são os planos que a empresa tem para o Brasil?

APPEL – Queremos alavancar a presença, expertise e relacionamentos com clientes para superar nossos concorrentes em todos os setores nos quais atuamos. Para conseguir isso, continuaremos investindo em nossa rede de relacionamentos e capacidade de transporte — seja com aviões, caminhões, instalações, pessoas ou serviços especializados para setores específicos, como o automotivo e o comércio eletrônico. A DHL Express Brasil acaba de abrir uma unidade no aeroporto de Guarulhos e também lançou um novo serviço expresso entre o Brasil e os EUA para transportar produtos para tratamentos específicos em até 48 horas.

DINHEIRO – Ainda há possibilidade de expansão da DHL no Brasil?

APPEL – Com certeza. O Brasil é o maior e mais populoso país da América Latina. Temos uma forte presença em entrega expressa internacional, agenciamento de frete, logística de contratos e mais de 11 mil funcionários comprometidos com o mercado brasileiro, no qual atuamos há 42 anos. Este é um mercado prioritário para muitos de nossos clientes internacionais. Não tenho dúvidas de que continuará sendo uma parte importante para o Deutsche Post DHL Group.

“Não visamos o crescimento de nossos negócios por meio da participação na privatização de outros serviços postais”O foco da DHL é com os desafios do seu mercado doméstico, na Alemanha. Participar de uma eventual privatização dos Correios não está nos planos (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – O presidente Jair Bolsonaro quer privatizar estatais até o final do mandato, incluindo os Correios. A DHL pretende participar desse processo?

APPEL – Não visamos o crescimento de nossos negócios por meio da participação na privatização de outros serviços postais. A minha atenção está focada nos desafios enfrentados pelo negócio de correio em nosso mercado doméstico, a Alemanha, e em gerenciar a transição para outras fontes de crescimento, como o e-commerce.

DINHEIRO – A DHL não consideraria sequer uma participação nos Correios?

APPEL – Apesar de não comentarmos nossos planos em questões relativas a potenciais fusões e aquisições, posso dizer que considero que os mercados postais de cada país são muito específicos. Ser o maior fornecedor de correspondências na Alemanha nos dá grande conhecimento dos processos e tecnologias de ponta para o manuseio e entrega de correspondências, mas não necessariamente nos qualifica para participar de uma fusão em um mercado como o Brasil, que tem a sua própria cultura e características operacionais específicas.

DINHEIRO – Como você avalia a entrada de startups e outros concorrentes locais nesse mercado?

APPEL – A competição é saudável, pois encoraja todo o mercado a elevar seus níveis de qualidade. Fora do nicho internacional de entrega expressa, que é dominado por três grandes players, o setor logístico ainda está bem fragmentado, o que cria oportunidades para todos. Como líder de qualidade no mercado brasileiro, estamos confiantes na nossa capacidade de competir e crescer.

DINHEIRO – Qual a estratégia para crescer sem abrir mão da qualidade?

APPEL – Estamos sempre procurando formas de aprimoramento que economizem segundos nos processos ou que possam reduzir custos para os clientes. Em um negócio como o nosso, uma pequena melhoria pode ser multiplicada em milhões de remessas, transações ou interações com clientes. Os benefícios desse tipo de inovação podem ser mais significativos do que uma grande inovação disruptiva. Temos uma ampla gama de abordagens para isso, como parcerias com startups e empresas de tecnologia, além dos nossos Centros de Pesquisa e Inovação de Tendências para alavancar o potencial de inovação de nossos funcionários.

DINHEIRO – E de que forma a tecnologia pode ajudar nas soluções logísticas?

APPEL – Ela é fundamental para os nossos negócios. O surgimento de tecnologias digitais já teve um impacto significativo. Com a ajuda de inteligência artificial e robótica, por exemplo, conseguimos melhorar a nossa produtividade em 25% e aumentar a capacidade de processamento em 30% nos sites operados pela divisão de Supply Chain da DHL. Esperamos que essas ferramentas e outras — como veículos autônomos, a internet das coisas e os marketplaces — possam reformular nossa indústria e aprimorar ainda mais a experiência do cliente.