A recessão que será provocada pela pandemia de COVID-19 ainda não foi quantificada, mas analistas e consultorias imaginam vários cenários: a crise transformará a economia? Vai acelerar as tendências atuais?

A seguir, algumas mudanças possíveis, do papel desempenhado pelos Estados até os hábitos de consumo, passando pela organização do trabalho.

. Papel dos Estados

A epidemia já potencializou o papel desempenhado pelos Estados e bancos centrais, que desembolsam bilhões para tentar atenuar o impacto na economia. “A obsessão de todos os Estados é a retomada da atividade depois da crise, sem que as empresas quebrem”, explica Pascal Cotte, especialista em macroeconomia do Boston Consulting Group (BCG). “São os únicos que podem desempenhar um papel tão sistêmico”.

Ludovic Subran, economista chefe da seguradora Allianz, complementa. “É muito bom que os atores públicos tenham feito estes anúncios de ajuda, mas, pelo alcance das intervenções, temos uma economia administrada em muitos lugares”.

“O Estado substitui todas negociações comerciais, o mercado fica em pausa”, acrescenta. “Os sinais dos preços, o barril de petróleo, os mercados, já não fornecem informações”. E quando a autoridade pública se retirar, como evitarão os danos sociais?

. Repensar as cadeias de abastecimento

A agência Standard & Poor’s destaca que as “perturbações nas redes de abastecimento transnacionais”, pelo fechamento de fronteiras ou interrupção do transporte, “são um ponto crítico de pressão”, que influencia a indústria automotiva e os bens de equipamento.

O fechamento da fronteira chinesa demonstrou a dependência das economias ocidentais das forças produtoras distantes. “Inclusive as pymes (pequenas e médias empresas) talvez substituam seu abastecimento para operar com um fornecedor mais próximo”, explica à AFP Jean-Marc Morel, da empresa de contabilidade RSM.

Ele recorda que “esta tendência já estava sendo um pouco observada” antes da atual crise, mas pode aumentar, seja realocando a produção e a transformando em um argumento de venda ou favorecendo países mais próximos onde os salários também são menores, como Polônia ou a região do Magreb, em comparação com a Europa.

. Nova organização do trabalho?

“Podemos sair desta crise com uma reinvenção bastante significativa dos métodos de trabalho”, destaca Vinciane Beauchene, diretora associada da BCG. O coronavírus parece um acelerador da tendência de “agilidade” empresarial: autonomia das equipes, teletrabalho.

Sob risco de excluir aqueles não formados na tecnologia digital? “Ver-se na situação é a melhor maneira de aprender”, afirma a especialista.

As empresas começarão a transferir os empregos de serviços, incluindo os qualificados? Algumas habilidades, o idioma e o conhecimento da cultura são difíceis de substituir.

“A onda atual, que precedeu a COVID, da robotização e da inteligência artificial vai acelerar porque lida com respostas desmaterializadas”, afirma Pascal Cotte, que considera estes fenômenos “mais poderosos” que o trabalho à distância.

. Angústia e consumo?

O coronavírus pode mudar nossos hábitos de consumo. As pessoas ficarão tranquilas comprando pão vendido sem proteção? Continuarão preferindo uma conversa pessoal com o conselheiro no momento de desemprego ou o gerente do banco, ao invés de uma videoconferência?

“O distanciamento social permanecerá por muito tempo”, adverte a Technology Review, do Masachussets Institute of Technology (MIT). “A curto prazo encontraremos compromissos um pouco instáveis, para manter uma aparência de vida social”, escreveu o chefe de redação da revista, Gideon Lichfield, que citou cinemas com uma cadeira a cada duas ou salas de reuniões maiores.

Ao mesmo tempo, ele prevê o desenvolvimento de “formas mais sofisticadas para identificar as pessoas de risco”, como por exemplo medir a temperatura do passageiros que vai embarcar em um avião e até do cliente que deseja sentar em uma varanda. Ou o recurso da geolocalização.