Em meio a um ambiente econômico positivo, a fabricante têxtil Vicunha prevê uma alta de produção acima do setor em 2018. A expectativa é que o volume alcance expansão de até 5%, ante 4,4% no total previsto para a indústria. Em caso de uma surpresa positiva superior a essa previsão, a Vicunha terá de lidar com um novo problema: o impacto dos altos preços de energia em seus resultados. Responsável por 30% dos custos, o insumo é levado a sério na empresa, que mantém há 15 anos um grupo estratégico sobre o tema. Ela tem contratos fechados no mercado livre de energia até 2021. O risco é que eles sejam insuficientes em 2018 se a demanda crescer mais que o previsto, o que resultaria em custos extras em novas contratações.“Se eu aumentar a produção de última hora, reduzo a minha margem de lucro”, explica Marcel Imaizumi, diretor superintendente da Vicunha.

Pela primeira vez em cinco anos, a surpresa positiva na demanda dos consumidores é um fator a ser considerado pelos gestores de empresas, como Imaizumi. É uma consequência da melhora macroeconômica, num cenário de queda da inflação e das taxas de juros, além da melhora da renda dos consumidores. As previsões colhidas pelo Banco Central sugerem um crescimento de 2,7% do PIB neste ano. O otimismo para a atividade, porém, pode esbarrar na questão energética. O tema vem sendo destacado como fator de risco nas previsões para o PIB em 2018. “É um choque de custos, com impactos relevantes para a indústria e o comércio”, afirma Júlio Mereb, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV. “Isso tende a impactar a atividade econômica.” A instituição, que prevê um crescimento de 2,8% do PIB neste ano, alertou para o problema energético em recente relatório sobre a atividade econômica.

Segundo o Ibre, o item energia no IPCA (índice oficial de inflação) deve ter variação de 14,6% neste ano, ante 10% em 2017. No mercado livre, a previsão da consultoria Replace é que a cotação do megawatt/hora para o primeiro semestre deste ano fique em torno de R$ 230. Se as chuvas forem insuficientes, não está descartado um cenário em que os valores encostem no teto permitido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de R$ 505. A culpa é a falta de chuvas. Os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas, que compõem 70% da nossa matriz energética, alcançaram no final do ano passado um patamar inferior aos de 2001, ano do traumático “apagão”. O risco de desabastecimento é remoto, pois fontes alternativas de energia, em especial as termelétricas, foram implantadas na última década. Embora garantam o fornecimento, as térmicas geram um custo mais alto, que pesa no bolso do consumidor. “Com a energia cara, como um produtor vai concorrer com os estrangeiros que têm custos mais baratos?”, questiona o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. “Isso corrói nossa competitividade.”

Trata-se de um problema estrutural, que pode gerar impactos mais profundos no curto prazo. Anderson Baranov, coordenador de Energia da Associação Brasileira de Alumínio (Abal), lembra o episódio de 2014, quando o preço subiu de R$ 290 para R$ 822 por megawatt/hora, em dois meses – os critérios para o teto da Aneel eram outros, na época. “Nesse tipo de situação, mesmo com bom desempenho da empresa, o preço, se não corretamente gerenciado, pode inviabilizar o aumento de produção”, afirma Baranov.

Fio d’água: a potência de usinas como Belo Monte não soluciona o gargalo energético sem um forte regime de chuvas

Para diminuir o impacto ambiental, o País passou a contar nos últimos anos com as usinas hidrelétricas chamadas de fio d’água. Sem reservatórios para garantir o movimento constante das turbinas, elas dependem sempre de um enorme volume de água corrente, só possível em períodos de cheia. A usina de Belo Monte, por exemplo, tem capacidade para gerar 11 mil megawatts, mas chega a gerar somente mil megawatts/hora entre junho e agosto. Ela entrou em operação em 2016. “No passado, reservatórios muito grandes atendiam um mercado menor e se conseguia enfrentar flutuações de chuva por até cinco anos. Hoje, consegue-se até dois anos, pois o mercado cresceu e é necessário acionar as térmicas”, afirma Carlos Schoeps, CEO da Replace.

Apesar dos sinais de alerta, a situação pode mudar até abril, caso as chuvas ajudem. Mas a dependência de fatores naturais deixa toda a economia em apreensão. “Uma das saídas do problema é a substituição dessas térmicas caras [movidas a óleo e diesel] pelas mais baratas [a base de gás natural] e energias renováveis [eólicas e solares], o que provavelmente nós vamos fazer nos próximos anos”, prevê Luiz Eduardo Barata, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS). Enquanto faltarem alternativas, consultores orientam empresários a se planejarem. “A gestão da empresa tem que se antecipar, apesar dessa não ser a cultura geral”, descreve Mateus Tolentino, diretor da consultoria Prime Energy.