Para o ex-presidente da Embraer, que pediu seu afastamento do Conselho de Administração da Petrobras após a intervenção de Bolsonaro, o governo precisa agir de forma a manter a empresa eficiente, rentável e com respeito aos acionistas. Isso evitaria fuga de capitais, impacto cambial e redução de investimentos — uma combinação nociva para a economia do País

Em maio do ano passado, o executivo Paulo Cesar de Souza e Silva foi indicado pela União para substituir o economista Walter Mendes de Oliveira Filho no Conselho de Administração da Petrobras. Ex-presidente da Embraer, onde atuou por mais de 20 anos, ele aceitou o convite e outras duas funções na petroleira: tornou-se membro do Comitê de Auditoria Estatutário (CAE) e presidente do Comitê de ESG (ambiental, social e governança), Saúde e Segurança. Trabalhou muito. Só o CAE demandava uma reunião semanal de cinco horas de duração. Sem contar as demais pautas que chegavam à sua mesa, fossem relativas à descarbonização, reúso de água, ações operacionais para reduzir vazamentos ou melhorias na segurança. “O Conselho da Petrobras é o que mais trabalha no Brasil”, afirmou à DINHEIRO o economista formado no Mackenzie e pós-graduado em Lausanne, na Suíça. Maior companhia do Brasil, a Petrobras tem a peculiaridade de ser uma empresa de capital misto e com atuação global. “Ela vinha se recuperando de uma crise de corrupção devastadora”, disse Souza e Silva. A partir de 12 de abril, seus dias de dedicação à empresa que sempre admirou e pela qual afirma continuar torcendo ficarão no passado. Na entrevista a seguir, ele revela os bastidores de seu pedido de saída do Conselho de Administração e critica a intervenção de Bolsonaro, segundo ele, “extremamente negativa para o País”.

DINHEIRO – Seu pedido de afastamento da Petrobras coincidiu com o de outros três
conselheiros. O que motivou essa decisão?
Paulo Cesar de Souza e Silva — Havia uma data limite para cada conselheiro enviar à Petrobras as informações necessárias para formalizar o processo de recondução ao cargo. Esse comunicado precisa ser feito com uma certa antecedência em relação à próxima assembleia. A razão para isso é que a empresa precisa informar o governo a tempo de que seja possível validar cada nome, pois caso haja alguma alteração no Conselho, os indicados precisam passar por todo o processo de análise de currículo. Como essa data para o envio de informações era a mesma para todos os conselheiros, a Petrobras soube simultaneamente que quatro não permaneceriam, e decidiu fazer um comunicado só.

“A gestão do Castello Branco recolocou o Cenpes [Centro de Pesquisa e Desenvolvimento] onde ele deveria estar sempre, que é fazer os projetos, medir sua eficiência e avançar em melhorias” (Crédito:Divulgação)
Por que sair do Conselho?
Quando fui convidado pelo governo para atuar na Petrobras havia um projeto que visava apoiar a diretoria executiva para fazer uma transformação na empresa. Uma transformação efetiva, que trouxesse maior eficiência para a gestão. Os planos estratégicos de 2020-24 e 2021-25 delineiam muito bem essas ações e os objetivos da Petrobras. A diretoria, comandada pelo Roberto Castello Branco, estava executando muito bem os planos aprovados pelo Conselho. A maior prova disso são os resultados apresentados em 2020. Apesar de ter sido um ano extremamente difícil, com o preço do petróleo indo lá para baixo devido à pandemia. Essa transformação iria fazer com que a empresa pudesse se posicionar entre as duas ou três melhores do mundo no setor de óleo e gás.

Isso seria possível com o atual governo?
Estávamos caminhando para isso, com um Conselho de Administração eclético, de competências variadas e com uma complementariedade de expertises interessante. As discussões eram de altíssimo nível e sempre no sentido de chegar ao que fosse melhor para a companhia. Esse era o projeto. E os resultados estavam sendo alcançados tanto do ponto de vista financeiro quanto de eficiência e segurança.

Até que houve uma mudança de rota…
Fomos surpreendidos com a decisão da troca do presidente Roberto Castello Branco através da indicação de um conselheiro para a presidência, o general Joaquim de Silva e Luna, ex-ministro da Defesa. Não tenho nada contra ele, que conheci no meu tempo na Embraer. Ele teve muito sucesso na carreira. A questão não é essa. A questão é mexer num time que está ganhando – e ainda mais da forma como isso foi feito. A União, como acionista majoritária, tem o direito de fazer mudanças no Conselho e indicar o presidente da Petrobras. Mas qual era a motivação para fazer isso? Para mim, foi uma decisão que tirou a empresa do caminho que me levou até ela.

Antes não havia interferência política?
Não vi nenhuma decisão voltada a atender a um pedido político. Eu achava isso muito bacana. O Bolsonaro pode ser criticado por uma série de coisas, mas estava deixando a direção da Petrobras fazer o seu trabalho. E o Roberto Castello Branco agia sempre no interesse da empresa.

Essa autonomia foi o que garantiu o bom resultado mesmo durante a crise de 2020?
A empresa soube tomar decisões rápidas, mostrando a necessidade de controle de custos e de focar efetivamente onde o resultado é melhor. Com isso houve redução da dívida [em US$ 15,7 bilhões, na comparação com 2019] e geração de caixa [o Ebitda foi de R$ 142,97 bilhões em 2020, contra R$ 119,3 no ano anterior]. Além disso, foram superadas metas em alguns indicadores não financeiros.

Você poderia citar algum desses indicadores?
Em 2020, a Taxa de Acidentados Registráveis (TAR) foi de 0,56 por milhão de homens-horas trabalhadas. É o melhor número da história da companhia [em 2017, a taxa foi o dobro, 1,08]. Hoje, nesse quesito específico, a Petrobras é bench–mark internacional entre as empresas de óleo e gás. Eu também citaria a transformação digital, um programa extremamente ambicioso que vai desde a gestão administrativa até a parte operacional, submarina, com uso de inteligência artificial e robótica para manutenção de dutos e poços. São inúmeras ações que estão em andamento. Sem contar todos os programas sociais e de combate à Covid-19 que a empresa liderou no Brasil inteiro.

Você já presidiu a Embraer. Como avalia a área de inovação da Petrobras?
Embora a inovação tecnológica fosse dos pilares da Embraer, a Petrobras tem um centro de pesquisa e desenvolvimento impressionante, que é referência para o setor no mundo. São 650 engenheiros trabalhando no Cenpes [Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello, no Rio de Janeiro], totalmente voltados aos programas de melhoria operacional. Só que ele estava um pouco afastado de seu potencial de eficiência. Havia muitos projetos feitos no passado sem muita mensuração e análise de custo-benefício. A gestão do Castello Branco recolocou o Cenpes onde ele deveria estar sempre, que é fazer os projetos, medir sua eficiência e avançar em melhorias. Isso inclui desde avanços para otimizar a forma como o petróleo é descoberto até o tempo entre a descoberta de um poço e sua entrada em operação. Essa janela está sendo reduzida drasticamente por meio de inovações de engenharia e da área de tecnologia digital.

“Se o dólar estivesse a R$ 5,10, a alta do petróleo impactaria menos no preço dos combustíveis. O câmbio eleva a inflação em um momento no qual a economia está muito fraca ainda” (Crédito:Daniel Galber Uai Foto/AE)

Bolsonaro não escondeu que uma das razões para a troca do presidente da empresa era a alta dos preços dos combustíveis. Com isso, o valor de mercado da companhia recuou em R$ 74,2 bilhões em um dia. A empresa está blindada?
A Petrobras tem seus estatutos, implantou uma governança bastante robusta e existem limites para aquilo que a diretoria e o presidente da empresa podem fazer. Cabe ao Conselho atuar com responsabilidade e fazer com que o estatuto seja cumprido. Quanto à questão do preço, o petróleo é uma commodity como muitas outras que tiveram aumento no mercado internacional, inclusive alimentos. As ameaças feitas por alguns setores aqui no Brasil toda vez que o combustível sobe são muito negativas. É preciso enfrentar esses setores de forma aberta, transparente, e demonstrar que o controle de preços é ruim para a sociedade como um todo. A Petrobras é uma empresa de capital aberto e 65% desse capital não está na mão do governo. Se o governo brasileiro definiu que quer parceiros investidores, precisa cuidar bem dos acionistas. Se não for assim, haverá incertezas e desafios ainda maiores que o controle de preços.

De que forma?
O represamento do preço hoje significa que terá de subir mais tarde. E quando a gente fala de investidores, ainda que o Brasil tenha um mercado financeiro grande, maduro e bastante ativo, a Petrobras é uma empresa que atrai muito capital estrangeiro. Esse investidor quer saber onde está colocando o dinheiro dele. Quer entender o risco. Diante de um evento como esse [a intervenção na empresa] o investidor tira o dinheiro. E a reação do mercado não se limita à empresa. O dólar disparou — e não voltou mais. Se o dólar estivesse a R$ 5,10, a alta do petróleo impactaria muito menos no preço do diesel do que com o dólar na faixa de R$ 5,60. O câmbio afeta o Brasil como um todo. Gera inflação em um momento no qual a economia está muito fraca ainda.

A interferência política na Petrobras já resultou em uma ação coletiva de investidores nos Estados Unidos cujo desfecho foi uma indenização bilionária. Isso pode se repetir?
Quando o governo intervém dessa forma, cria uma situação extremamente ruim com os investidores. Quem colocou capital em risco enxerga que as premissas pelas quais ele escolheu investir não estão sendo cumpridas. E, neste caso, a interferência não foi para o bem da companhia. Pelo contrário. Porque quanto mais lucro a Petrobras gera, mais impostos e dividendos ela paga para o governo. O governo poderia usar os dividendos da Petrobras para fazer alguma política de subsídios.

A Petrobras atua em prospecção, exploração, produção, refino e transporte. Ela deveria se concentrar em uma atividade só? Qual?
No setor de óleo e gás, a tendência mundial é de as grandes petroleiras se concentrarem na exploração e produção, deixando ou reduzindo suas atividades de refino e distribuição. A Petrobras definiu focar onde tem excelência: exploração e produção de petróleo no pré-sal. Para crescer nesse segmento, ela precisa de recurso, reduzir a dívida, que ainda é muito alta. Não vamos esquecer que a Petrobras foi assaltada nos últimos anos por uma quadrilha extremamente sofisticada. Além do roubo, houve má gestão, com decisões de investimento questionáveis. Ela está reduzindo a dívida bruta, que chegou a US$ 110 bilhões. Para se concentrar no pré-sal e ser ainda mais eficiente, precisa se desfazer de alguns ativos. No ano passado, vendeu uma boa participação na BR, da qual não tem mais o controle, e está vendendo alguns poços de petróleo terrestres e algumas refinarias na Bahia, no Paraná e no Rio Grande do Sul. Com isso ela abre o mercado para terceiros e torna o mercado mais competitivo.