De um lado, executivos que apostam na aceleração do Brasil este ano. De outro, CEOs preocupados com a instabilidade macroeconômica. Para explicar esse paradoxo, ninguém melhor que quem ouviu as opiniões de cada um deles.

A 25ª pesquisa global da consultoria PwC revela expectativa em relação ao crescimento da economia: 63% dos CEOs acreditam em aceleração no País. O otimismo é observado em relação à confiança no crescimento da receita de suas empresas: no Brasil, 63% estão extremamente ou muito confiantes no crescimento do faturamento. Por outro lado, a instabilidade macroeconômica e os riscos cibernéticos estão no topo das preocupações dos CEOs do Brasil. Entre os entrevistados, 69% se dizem preocupados com a macroeconomia, enquanto 50% temem cibercrimes. Sócio da PwC Brasil e um dos coordenadores do estudo, o executivo Carlos Coutinho detalhou os dados — e seu aparente paradoxo — nesta entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO — O que mais chamou a atenção no estudo?
CARLOS COUTINHO — Se pudesse colocar em letras maiúsculas uma frase que resume o material seria: os CEOs globais e os CEOs brasileiros estão mais otimistas em relação aos próximos 12 meses em função do que aprenderam nos últimos 24 meses. Esse aprendizado dá musculatura para eles en–frentarem o que vem pela frente, que já não é tão desconhecido como era antes.

Uma excelente notícia…
Por outro lado, as economias globais sofreram uma pancada forte de recessão em 2020. Globalmente, a recuperação foi melhor em 2021, em que pese o Brasil não ter acompanhado o crescimento dos principais países. Os negócios se transformaram, aliados ao entendimento de que haverá uma retomada em diversas áreas.

Algum alerta importante a ser considerado?
Mundialmente, os CEOs destacam os ciberataques como uma ameaça a esse crescimento. No Brasil, também há a situação macroeconômica como ameaça, além de temas associados à desigualdade social, que impactam diretamente no consumo. As perspectivas dos líderes é de que a instabilidade macroeconômica afeta a capacidade de gerar emprego e diminui a renda das pessoas. Se não há emprego e nem renda, não existe consumo.

Não é um contrassenso esse otimismo com um quadro macroeconômico brasileiro?
Ainda assim há otimismo porque, quando olham para o passado, percebem que o que vem pela frente não vai ser pior. Estamos mais preparados. Essa sensação dá mais elementos para acreditar que o futuro será melhor que o passado. Não digo tranquilidade, porque no mundo atual isso não existe. Houve um aprendizado e o futuro não é tão incerto como era no início da pandemia. Temos o componente macroeconômico, com inflação que superou 10% em 2021, juros em uma tendência ascendente [a taxa Selic saiu de 2% ao ano e fechou 2021 em 9,25%] para controlar a inflação, uma tônica da política monetária atual.

“Se olhar a expectativa das famílias pelo Ipea, o consumo vai aumentar 1,3%. Faz sentido, mas dá um tom de que não será fácil” (Crédito:Divulgação)

Isso afeta diretamente o consumo…
É esperado que a inflação caia até o fim do ano para algo entre 4,5% e 5%. O consumo, se olhar a expectativa das famílias pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vai aumentar 1,3%. Faz sentido, mas dá um tom de que não será fácil. Alguns setores vão sofrer mais do que outros, mas tudo está associado ao tema macroeconômico.

O consumo é um dos principais elementos do PIB, que tem previsão de crescer 0,36% este ano, segundo o Boletim Focus do Banco Central. Ele vai fechar o ano acima disso?
A previsão é essa. Depende muito da retomada, do crescimento, aumento de emprego. Alguns institutos já identificaram em dezembro movimento do comércio, no varejo, no mesmo nível pré-crise. Mas agora temos a variante ômicron. Todo mundo já viu esse filme. O setor de consumo se transformou muito, com explosão no e-commerce, aquisições voltadas à inteligência competitiva, com incorporação de empresas de logística, de dados, para entender o comportamento do consumidor. O mercado está muito mais preparado para lidar com isso do que estava em 2020. Tudo isso gera otimismo.

Isso é suficiente para sustentar o consumo, mesmo com a queda na renda?
A elasticidade de renda é menor, a relação renda/demanda é menor. Em 2020, a maioria dos setores mergulhou na crise e os supermercados continuaram de pé. O grande impacto em restaurantes foi deslocado. A construção civil teve um boom. Há um rearranjo dos setores da macroeconomia. Mas não foi suficiente para livrar o País da recessão (-4,1%), mitigada pelos efeitos dos programas sociais. E a conta veio também com despesas maiores do governo. Tudo isso dá contorno de incertezas.

A tentativa de reduzir a inflação com aumento dos juros é um caminho correto?
O passado mostrou que para o controle da inflação existe uma relação entre taxa de juros e emprego, taxa de juros e inflação. E o Banco Central vem monitorando a inflação ajustando a taxa de juros. Isso acontece há algum tempo e no mundo todo. Há uma corrente de economistas que dizem que não é por aí. Mas a inflação, bem ou mal, caminhou na meta durante muitos anos.

Com algumas oscilações. Estourou o teto em 2021 e 2015. E esteve acima do teto (dentro da variação) em 2020, 2013 e 2012…
A última vez que passou de 10% foi em 2015, quando atingiu 10,67%. A taxa de juros
já entrou em curva ascendente e é a forma com que o Banco Central entende que tem de controlar a inflação. Vamos ver se funciona agora. Os críticos dizem que não funcionou tão bem e defendem que o preço de aumentar a taxa de juros é menos investimentos, PIB menor… É um debate secular da ciência econômica.

Entramos em ano eleitoral e com ele sempre avançam benefícios sociais. Eles mais atrapalham ou ajudam?
A questão política não está entre as principais preocupações dos executivos. Há apontamentos sobre geopolítica global, em que o Brasil não está inserido atualmente. Mas sabemos que ano eleitoral é um período complexo, que traz incertezas.

Qual o maior desafio com esse cenário?
A previsão de PIB abaixo de 1% do mercado está precificada em uma previsão de crise política e de incerteza macroeconômica. O controle da inflação será o maior desafio de 2022 e o tema de maior peso em qualquer tipo de discussão. Assim como a estabilização das cadeias produtivas, que ficaram desreguladas em função da crise sanitária. Como tem falta de sinergia do supply chain global, naturalmente tem escassez de produtos, a demanda segue e isso pressiona preços.

O dólar também tem pressionado o consumo? Ou o consumo pressiona o dólar?
Há uma relação também entre taxa de câmbio e taxa de juros. Taxa de juros mais altas indica decréscimo, puxa o dólar para baixo. Quando as taxas de juros estão mais altas, tem fluxo de capital para dentro do País. O mundo convive com taxas de juros baixas. De repente tem aumento da taxa de juros (no Brasil), tem o ingresso de moeda estrangeira no País, para aproveitar a taxa de juros mais alta aqui. Aí o dólar cai. Mas existem preços controlados em dólar. Com a moeda americana valorizada, afeta uma série de preços da economia e pressiona a inflação também. O remédio da taxa de juros é amargo, mas contém demanda agregada, reduz demanda, tende a equilibrar a inflação de um lado e, por outro lado, afeta o valor do dólar.

“A taxa de juros já entrou em curva ascendente e é a forma com que o Banco Central entende que tem de controlar a inflação. Vamos ver se funciona agora” (Crédito:Fátima Meira)

Entre as ameaças apontadas pelos CEOs brasileiros, 36% se preocupam com a questão da saúde. Entre os executivos do setor de consumo o número é menor: 26%. Subestimaram a pandemia?
Em novembro e dezembro, tivemos o número de internações e de mortes baixando, e todos os indicadores mostrando melhora no quadro. A ômicron começou em novembro. Demorou para chegar aqui e não está no pico. Com base nas informações que os executivos tinham naquele momento, acreditavam que não haveria esse repique. Agora estão vendo. O futuro muda rapidamente. Pode vir outra variante.

Talvez sirva de aprendizado para os CEOs avaliarem melhor…
Talvez sirva. Mas a palavra é incerteza. Nada está resolvido e muita coisa vai acontecer.

A mudança climática está presente como a terceira maior preocupação dos executivos brasileiros, atrás de ataques cibernéticos e macroeconomia. É uma tendência cada vez maior?
Há um movimento para voltar o foco para isso via ESG, que hoje é muito forte. A sustentabilidade e o clima nunca estiveram tão presentes quanto agora. Importante dizer que há muito a avançar ainda. A atenção a esse tema está presente em 36% dos CEOs brasileiros e 33% dos CEOs globais. É bastante alto.

A satisfação do cliente, principalmente no setor de consumo, está no centro das decisões dos executivos?
Entre os aspectos de performance não-financeira, esse é o mais importante para os CEOs. Antes de estar satisfeito, é preciso saber o que o consumidor deseja. Isso criou um movimento enorme para aprofundar o conhecimento sobre o cliente. Quanto melhor você o conhece, mais experiências você proporciona. Por isso os altos investimentos em big data, inteligência artificial. Temos hoje um nível de conhecimento do consumidor que jamais tivemos antes.

Quanto aos mercados globais, os executivos apontam sempre Estados Unidos e China como os principais. É difícil quebrar essa hegemonia?
Não quebra. A discussão é quem vai estar em primeiro na economia global daqui a dez anos. O Brasil está em sexto lugar, com 6% da preferência dos CEOs estrangeiros. Nosso PIB representa 1,6% da economia global (US$ 1,4 trilhão, em 2020). Há espaço para avançar? Sim. Há 20 anos, a previsão era de que em 2025 o Brasil seria a quarta maior potência econômica do mundo. Isso pode acontecer ainda? Pode, mas depende de muita coisa.