Menos de duas horas depois de a Polícia Federal deflagrar a operação Carne Fraca, na manhã da sexta-feira 17, os oito executivos das mais altas patentes da BRF já estavam trancados na sala principal de reuniões, no QG da companhia, em São Paulo. Entre eles estavam o CEO, Pedro Faria, e o presidente do conselho de administração, Abilio Diniz. O objetivo era definir um plano de ação para estancar o sangramento público da reputação da empresa, acusada de praticar corrupção para ter seu processo de fiscalização sanitária afrouxada pelos agentes do Ministério da Agricultura.

Todos falavam rápido. Os celulares não paravam de vibrar. A cada minuto ali, milhares de comentários negativos e piadas jocosas sobre a empresa, a rival JBS e outros 19 frigoríficos brasileiros, também envolvidos no escândalo, inundavam as redes sociais – tornando a situação mais complicada e a contra-ofensiva cada vez mais difícil. “Já tínhamos enfrentado grandes crises reais, mas estávamos diante da maior crise de impressão, se é que posso definir assim, da história da empresa e de nossas carreiras”, disse à DINHEIRO um executivo ligado à BRF, que acompanhou de perto os bastidores da reação. “Ninguém ali tinha noção da intensidade e do alcance daquela crise. Só sabíamos que tínhamos de agir de forma rápida e transparente.”

Curiosamente, aqueles mesmos oito executivos haviam se reunido, três semanas antes, para rascunhar um processo de reestruturação da companhia, que registrou em 2016 o maior prejuízo de sua história: R$ 400 milhões. “É a prova de que o que está ruim sempre pode piorar”, acrescentou a fonte. O senso de urgência, no caso da operação Carne Fraca, gerou resultado quase que imediato. Em pouco mais de 20 minutos, o maior plano de ação da história da BRF estava pronto. Antes mesmo de deixarem a sala, os executivos decidiram criar um comitê de gestão de crise.

Convocaram os principais criativos da agência de publicidade DM9, os diretores da agência de relações públicas Loures Comunicação, dos três escritórios de advocacia que dão suporte jurídico à empresa e chamaram, a toque de caixa, os mais experientes diretores e funcionários de alto escalão da BRF. “Logo ficou claro para todos nós que se tratava de um imenso equívoco de comunicação por parte da PF”, diz a fonte. “Não aceitamos, em momento algum, trabalhar com teorias da conspiração.” Por isso, logo depois da criação do comitê, foi colocada no ar uma página na internet (brf.com.br/portasabertas), com uma extensa carta de esclarecimento sobre o escândalo.

De forma sincronizada, uma equipe respondia os comentários dos consumidores nas redes sociais, uma estrutura foi montada para atender a imprensa brasileira e internacional e, de forma incessante, os funcionários da BRF escalados pela cúpula entravam em contato com fornecedores, clientes e investidores. Todos, em um primeiro momento, foram levados a crer que as carnes eram adulteradas. “O problema é que, antes mesmo de conseguir desfazer o mal-entendido, lá fora muitos mercados se fechavam. O estrago era gigantesco e irreversível, no curto prazo.”

O escândalo, realmente, reverberou em proporções equivalentes ao tamanho das duas empresas, a BRF e a JBS, dona da marca Friboi e maior processadora de carnes do planeta. Nos últimos anos, ambas construíram impérios que ultrapassaram as fronteiras do País. Com um forte apetite por aquisições, os dois grupos espalharam os tentáculos de suas operações em diversos pontos do mapa-múndi e passaram a figurar no ranking global das maiores empresas de alimentos do mundo. Sob o comando dos irmãos Wesley e Joesley Batista, a JBS apurou uma receita de R$ 170,3 bilhões em 2016. Com o empresário Abilio Diniz à frente de seu conselho de administração, a BRF faturou R$ 33,7 bilhões no período. Os investimentos milionários em marketing e publicidade também foram um fator essencial para a obtenção desses resultados.

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Nessa frente, a oferta de produtos de confiança sempre foi o fio condutor das campanhas, o que ajudou a consolidar a força das marcas da dupla (Sadia e Perdigão, no lado da BRF, e Seara e Friboi, pela JBS) junto aos consumidores. Oficialmente, a JBS foi citada por irregularidades no procedimento de emissão de certificação sanitária. Já a BRF está sendo investigada por corrupção, embaraço de fiscalização internacional e nacional, e pela tentativa de evitar suspensão de exportação. “Essa ação da Polícia Federal foi espalhafatosa, mal-conduzida e pessimamente comunicada”, afirmou Herbert Steinberg, especialista em compliance (aderência às regras) e presidente da consultoria Mesa Corporate Governance. “Tudo muito esquisito.”

Como reflexo imediato, os papéis da JBS fecharam a sexta-feira 17, dia da deflagração da Carne Fraca, com uma desvalorização de 10,59%. As ações da BRF, por sua vez, tiveram queda de 7,25%. Apenas nesse pregão, a dupla perdeu R$ 5,8 bilhões em valor de mercado. A JBS saiu de R$ 32,6 bilhões para R$ 29,1 bilhões, enquanto a BRF variou de R$ 31,9 bilhões para R$ 29,6 bilhões (leia reportagem aqui). Procurados pela DINHEIRO, representantes das duas empresas comunicaram que não iriam se manifestar. Nos bastidores, assim como na BRF, o impacto com as informações iniciais sobre a operação também foi grande na JBS.

“Num primeiro momento, eles ficaram totalmente perdidos, como um cachorro no dia da mudança”, afirma uma fonte do setor, próxima à JBS, referindo-se às reações nas salas do alto escalão da companhia. “A sensação foi de que houve um grande despreparo por parte da Polícia Federal, que teria cometido erros primários na divulgação da operação.” Após o choque inicial, a JBS começou a estruturar as estratégias para monitorar e gerenciar a repercussão do caso. O grupo não montou um comitê de gestão de crises ou mesmo um grupo dedicado exclusivamente à operação, como fez a BRF, seguindo as normais internacionais (leia artigo aqui). A questão ficou sob a responsabilidade da área de compliance da companhia, com o apoio de subcomitês de outras áreas de negócio.

“Todo o trabalho que está sendo feito é no sentido de esclarecer ao mercado e aos consumidores”, diz outra fonte próxima à empresa. “Internamente, a certeza é de que a citação da JBS na operação envolveu um problema pontual.” No documento divulgado pela Polícia Federal, a JBS é citada na figura do médico veterinário Flávio Evers Cassou. Funcionário da Seara, uma das marcas do grupo, no município paranaense de Lapa, o profissional estaria envolvido em um esquema com fiscais do Ministério para a emissão irregular de certificados de liberação de produtos e cargas da companhia. Em troca, os fiscais em questão recebiam caixas com alimentos da empresa e pagamentos em dinheiro pela facilitação no processo.

Os possíveis impactos para a JBS de ter seu nome associado às investigações da operação Carne Fraca dividem analistas e executivos do setor ouvidos pela DINHEIRO. “O sensacionalismo da divulgação causou um pânico no mercado. Mas, se a investigação não apontar outros problemas, é um desconforto momentâneo. A JBS vai recuperar seu valor de mercado”, diz Maurício Palma Nogueira, sócio e responsável pela área de agropecuária da consultoria Agroconsult. Ele destaca, no entanto, que esse trabalho de resgate de confiança trará prejuízos no curto prazo. “Eles vão ter que gastar recursos que não estavam no orçamento, o que vai significar em redução de margem na cadeia produtiva.”

Como parte desses reflexos iniciais, na quinta-feira 23, a JBS afirmou em nota que suspendeu, por três dias, a produção de carne bovina em 33 das 36 unidades que mantém no Brasil. E acrescentou que, nesta semana, vai operar com uma redução de 35% de sua capacidade produtiva em todas as suas unidades. “Essas medidas visam ajustar a produção até que se tenha uma definição referente aos embargos impostos pelos países importadores da carne brasileira”, escreveu a companhia, referindo-se a mercados como União Europeia, China e Hong Kong.

REAÇÃO IMEDIATA: no dia da deflagração da Carne Fraca, a JBS e a BRF divulgaram comunicados e anúncios na mídia reforçando o compromisso com a qualidade
REAÇÃO IMEDIATA: no dia da deflagração da Carne Fraca, a JBS e a BRF divulgaram comunicados e anúncios na mídia reforçando o compromisso com a qualidade

Apesar dessa movimentação, a analista da Euromonitor International, Renata Benites Martins, também não enxerga grandes perdas passado esse primeiro momento. E indica como a JBS pode virar o jogo. “É preciso reforçar os esclarecimentos para a população”, afirma. “Seria interessante mostrar fatores como o processo de produção, os ingredientes permitidos e a regulamentação do setor.” Contudo, para um executivo próximo à empresa, o potencial de risco para a JBS não está restrito a esse turbilhão inicial. “Essa repercussão negativa pode prejudicar os projetos internacionais da companhia”, diz.

Entre outros fatores, ele cita o processo de preparação da JBS para abrir capital nos Estados Unidos e as estratégias da companhia para explorar os mercados do mundo árabe. Outro elemento complicador nesse cenário é uma ação coletiva em nome de acionistas no exterior, para recuperar perdas sofridas com a divulgação do caso. A ação está sendo preparada pelo escritório americano de advocacia The Rosen Law Firm. Procurado pela DINHEIRO, o advogado Philip Kim, um dos responsáveis pela iniciativa, limitou-se a dizer que o escritório já foi procurado por “uma série de investidores” e que ainda é muito cedo para estimar o valor da ação.

À parte dos desdobramentos do caso para JBS, BRF e outras empresas envolvidas, os analistas apontam outro componente relevante na operação Carne Fraca: o fato de a investigação ressaltar as falhas no sistema de fiscalização do setor. “O Brasil pode sair desse processo com um método mais moderno e à prova de corrupção”, diz Alcides Torres, analista da Scot Consultoria. Ele aponta o uso de tecnologia como uma das alternativas para restringir as práticas ilícitas. “Se souber aproveitar a oportunidade para solucionar esse problema, que é antigo, o setor vai sair fortalecido.”

RESGATE DA REPUTAÇÃO A JBS e a BRF estão entre as 25 maiores anunciantes do Brasil, segundo ranking do Kantar Ibope Media, relativo a 2015, quando cada uma delas investiu mais de R$ 800 milhões na compra de espaço publicitário. Nos últimos anos, ambas protagonizaram grandes esforços de marketing, com grande investimento para diferenciar seus produtos. Em especial, os com o logotipo Friboi, da JBS, e Sadia, da BRF, a ponto de serem vendidos por preços maiores do que os de seus concorrentes por conta do bom posicionamento de marca.

As propagandas com o ator Tony Ramos, por exemplo, ajudaram a Friboi a poder vender por, pelo menos, R$ 0,03 a mais por quilo as suas peças. O risco, agora, seria ver todo esse investimento de longo prazo ruir em poucas horas. “O escândalo afeta diretamente a confiança que construíram com o consumidor”, diz Ana Luisa de Castro Almeida, presidente da Reputation Institute Brasil, que presta consultoria de imagem a grandes empresas. “Mas o dinheiro investido em imagem não será perdido. As duas empresas construíram marcas fortes, que têm credibilidade e respeito dos clientes.”

A resposta imediata das empresas foi preparar um comunicado reforçando o compromisso com qualidade. Nos dias seguintes, outros vídeos mais elaborados mostravam funcionários da BRF consumindo os seus produtos e pessoas da JBS demonstrando orgulho de trabalhar na companhia. “As empresas foram pegas de surpresa”, diz Almeida. “Se faz análise de riscos de acordo com o que tem mais possibilidade de acontecer, nunca para um caso com tanta generalização e que inclui até informações que não são verdadeiras.”

O trabalho precisa continuar. “Tudo o que se refere à saúde gera muito interesse porque se trata do bem estar da população. Ao longo dos dias, porém, os motivos pelos quais cada empresa está sendo investigada foram ficando mais claros e a população começou a entender que não se trata de uma situação generalizada”, diz Daniella Bianchi, diretora da consultoria Interbrand no Brasil. “As marcas se posicionaram rapidamente, reafirmando os seus compromissos com o consumidor. Agora, é importante que mantenham o consumidor informado sobre as atitudes que vão adotar como resposta à crise.”

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Colaborou: Carlos Eduardo Valim