Quase todos os 191 slides do relatório Brazil Digital Report não são exatamente novidades. Mas doem. É como olhar o resultado de uma bateria de exames de um check-up médico e constatar que nenhum indicador está bom. E será preciso mudar muita coisa para aproveitar o único lado positivo disso tudo, o do consumo. Porque o brasileiro ama o mundo digital. O relatório foi divulgado nesta semana durante a primeira conferência Brazil at Silicon Valley, realizada em Mountain View (Estados Unidos) e patrocinada por agentes de peso como Fundação Lemann, Bank of America, Merrill Lynch e Votorantim. Os dados, a maioria públicos, foram compilados e analisados pela consultoria McKinsey. A conferência segue o padrão de congressos do ambiente da tecnologia, com dezenas de palestrantes. O relatório, não. Ele é um soco. Papo reto.

Dividido em quatro grandes blocos (Macroeconomia, Perspectiva Digital, Ecossistema Empreendedor e Mergulhos Setoriais), o mais contundente é o segundo, que explicita um contexto de “gap” tecnológico e de inovação. Para cada boa notícia, há um equivalente negativo – que predomina. Entre as variáveis positivas, sem qualquer dúvida, a melhor de todas é a constatação do hábito de consumir no ambiente digital. O Brasil está entre os países que mais tempo acessam internet (nove horas diárias, em média), acima de China, Estados Unidos e toda a Europa. Além disso, dois em cada três brasileiros têm acesso à web, assim como 71% já possuem smartphones. Esses indicadores impulsionam, por exemplo, a economia compartilhada, os serviços de entrega e os sistemas de pagamento, segmentos que crescem muito acima do restante da economia. Tudo desdobra em números como os 7,5 milhões de assinantes da Netflix (plataforma em que os brasileiros são o segundo maior contingente global) ou os 20 milhões de pessoas conectadas ao Uber e os 18 milhões vinculadas à 99.

Atreladas a essas boas novas vêm as más notícias. A pior delas é que nossa distribuição de acesso ao digital é uma desigualdade comparável à que se observa na renda. Entre os brasileiros com rendimento mensal superior a 10 salários mínimos (R$ 9.980) quase a totalidade (94%) tem acesso à internet. Na parte de baixo, entre os que ganham até 1 salário mínimo, o número desaba 43 pontos percentuais (51%). Há pelo menos 100 milhões de pessoas no País que estão nessa faixa.
Existe ainda uma questão comportamental, que se reflete no tipo de conteúdo acessado. Dois exemplos mostram que consumir muito não significa consumir com qualidade. O porcentual de brasileiro com algum tipo de serviço de streaming de vídeo é de 7% (contra 28% dos americanos) e os que têm algum dispositivo e-reading não passam de 2% (entre os americanos são 10%).

QUESTÕES ESTRUTURAIS Além dos hábitos, há entraves sistêmicos. Nossa conexão é ruim (13 Mbps) e está abaixo da média global (31 Mpbs). E nossa burocracia é poderosa. Num ranking 2018 do Banco Mundial estamos na 108ª posição. No Global Innovation Index o vexame é o mesmo. O Brasil está atrás dos ricos (Estados Unidos e França), dos vizinhos (como o Chile) e dos iguais (todo o Brics). E quando se trata de produtividade, ficamos à frente apenas de China e Índia. Em ambos, o avanço, medido em dólar por hora trabalhada, cresceu em média 8,8% e 5%, respectivamente, no período 1990-2018. Enquanto no Brasil, a produtivdiade patinou em 1,3%. Isso está intimamente atrelado à criação de patentes. Para cada 100 milhões de habitantes, o Brasil gerou 3,4 patentes. O Chile, o dobro. A Alemanha, 217. O preço de tudo culmina que o País, com apenas nove acordos comerciais internacionais, tem acesso a míseros 5% dos consumidores globais. O Chile, com 27 acordos, chega a 95% deles.Assim, o Brasil perde uma corrida que poderia estar ganhando.